Acórdão nº 1966/09.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Sul, 10 de Dezembro de 2019
Magistrado Responsável | DORA LUCAS NETO |
Data da Resolução | 10 de Dezembro de 2019 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório A......
, propôs contra o Estado Português, ação administrativa comum, na qual peticionou a condenação do R. a pagar à A.: Por sentença de 18.04.2019 a ação foi julgada parcialmente procedente e condenado o R.
Estado Português, no pagamento à A., de uma indemnização no valor de € 9.500, pela deficiente administração da justiça no processo n.º 3139/04.0BELSB e na presente ação, acrescidos de juros de mora a contar da data da decisão, à taxa de juro de 4% ao ano e subsequentes taxas de juro em vigor para as obrigações civis, tendo, quanto ao mais, absolvido o R. dos pedidos.
Nas alegações do recurso interposto o Ministério Público, em representação do R., Estado Português, ora Recorrente, conclui do seguinte modo: «(…) 1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença datada de 17 de Abril de 2019, que decidiu julgar parcialmente procedente a presente acção administrativa comum, sob a forma sumária, de responsabilidade civil extracontratual do Estado, decorrente de acto ilícito e, em consequência, condenou o Estado Português a pagar à Autora uma indemnização no valor de € 9.500,00, “pela deficiente administração da justiça no processo n.º 3139/04.0BELSB e na presente acção”, acrescida de juros de mora a contar da data da presente decisão, à taxa de juro de 4% ao ano e subsequentes taxas de juro em vigor para as obrigações civis, bem como nas custas na proporção de 90%; 2. A Autora intentou a presente acção administrativa comum, sob a forma sumária, de responsabilidade civil extracontratual do Estado, decorrente de acto ilícito por violação do seu direito à obtenção de uma decisão judicial em prazo razoável, consagrado no artigo 20.°, n.° 4, da CRP, e no artigo 6.°, n.° 1, da CEDH, “pela deficiente administração da justiça no processo n.° 3139/04.0BELSB”, com as várias parcelas dos pedidos no valor total de € 9.897,50; 3. Partindo da premissa que o processo foi introduzido em juízo em 22/12/2004 [cf. ponto 2), dos factos provados] e a decisão final foi proferida em 05/06/2012 pelo TCA Sul [cf. ponto 101), dos factos provados]” e que “(...) a conduta da autora influiu na tramitação do processo n.° 3139/04.0BELSB em cerca de 2 meses”, concluiu que “(…) considerando a complexidade do processo n.° 3139/04.0BELSB, a natureza e interesses envolvidos, a atuação das autoridades estaduais e o comportamento processual da autora — era razoável que o processo n.° 3139/04.0BELSB tivesse sido decidido em 3 anos e 2 meses. O processo esteve pendente 7 anos e 6 meses, pelo que excedeu o prazo razoável em 4 anos e 4 meses.” Vide fls. 56 da sentença.
4. Entendeu o tribunal a quo estar reunidos os pressupostos cumulativos da responsabilidade civil extracontratual do Estado e não haver motivo para excluir ou reduzir a indemnização com base na culpa concorrente da lesada; 5. Unicamente assente nas declarações de parte da Autora, desacompanhada de outra prova testemunhal ou pericial, deu o tribunal a quo como provado que “em virtude da delonga na obtenção de decisão no processo n.° 3139/04.0BELSB e em virtude da delonga que a presente acção conhece a autora sofreu desgaste psíquico, impaciência, ansiedade, depressão, angústia, frustração, indignação e irritação. Estes danos não patrimoniais não ultrapassam o dano psicológico comum (...) Em relação ao dano moral provocado pela demora na obtenção de decisão no processo n.° 3139/04.0BELSB há nexo de causalidade entre o facto ilícito e culposo”; 6. Nexo de causalidade entre os alegados danos não patrimoniais e a presente acção indemnizatória que o tribunal a quo declarou também existir e, por isso, decidiu indemnizar a autora em €4.000, pelo atraso na decisão do processo n.° 3139/04.0BELSB, majorada em €5.500 pela delonga na tramitação dos presentes autos, o que perfaz o total de €9.500 — cfr. Danos morais, ii), fls.64 da sentença; 7. Todavia, a decisão funda-se neste segmento em jurisprudência para situações de excepção, o acórdão Varey vs. France do TEDH e o acórdão do STA de 11/05/2017, processo n.° 1004/16, não aplicável ao caso dos autos. Vide fls. 58 a 62 da sentença; 8. A sentença recorrida não apreciou e enquadrou justamente as declarações de parte da autora, mero princípio de prova desacompanhada de outra prova corroboradora, nem a conduta da autora durante o processo e fora dele, reveladora à evidência de culpa da lesada, com manifesto reflexo na demora na tramitação do processo n.° 3139/04.0BELSB; 9. Consequentemente, o erro de julgamento influiu na decisão de procedência, na condenação e na fixação do quantum indemnizatório pela quase totalidade do pedido global, sem exclusão ou redução da indemnização nos termos do artigo 4° do RRCEE; 10. A Autora tem uma incomum e elevada litigância, confessada em declarações de parte e comprovada em documentos juntos aos autos, discriminados nas alegações, pelo que, ao abrigo do art.° 662°, n.° 1, do Código de Processo Civil, poderá o TCAS alterar a decisão proferida em matéria de facto, aditando tal relevante e incomum litigância aos factos assentes; 11. A adicionar aos processos mencionados nos factos provados, o tribunal a quo não teve em conta outros processos onde a Autora também pedira no TAF do Porto uma indemnização por danos não patrimoniais por atraso na justiça, cuja existência foi alegada no artigo 22° da contestação, não impugnada pela autora e confessada em declarações que prestou em julgamento no dia 16/05/2018, registadas na gravação à 01H04 até à 01H15; 12. Nem considerou a decisão recorrida o documento n.° 29 junto com a petição inicial “Contrato de prestação de serviços — acordo de honorários — documento de reconhecimento de dívida”, que menciona várias consultas, pareceres e assistências em 15 (quinze) processos judiciais com procuração forense para a concessão de apoio judiciário que incluíram, nomeadamente, respostas à Segurança Social e Impugnação judicial”; 13. A propensão da Autora para uma litigância invulgarmente elevada resulta ainda das suas declarações prestadas em audiência de discussão e julgamento quando, a perguntas e rejeitando a sua responsabilidade, declarou que “até pode haver 200 processos, se houver motivo”. Cfr.
Gravação das declarações de parte da Autora, ao minuto 01.21.20 ao minuto 01.22.25; 14. A sentença está ainda ferida de erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito, porquanto ignorou, não ponderou devidamente ou desvalorizou: - A litigância anormalmente elevada da autora, com recurso em regra ao apoio judiciário (alegada pelo réu, admitida por acordo, confessada em declarações de parte e em documento que faz prova plena); - Desvalorizou factos assentes na sentença, fundamentalmente concorrentes para o atraso na justiça, máxime, as inusitadas e frequentes substituições de advogados (maioritariamente nomeados ao abrigo do apoio judiciário) ao longo do processo, a ausência de pedido de aceleração processual durante a pendência do processo n.° 3139/04.0BELSB; 15. Na fundamentação de facto da sentença e com relevo para a decisão da causa, considerou o tribunal a quo provados os factos assentes nos números 1 a 119 e declarou não provados os factos enumerados nas alíneas A) a K), que damos por integralmente reproduzidos por economia e facilidade de exposição; 16. O facto provado n.° 112, 113 e 114 (os danos psicológicos ou morais comuns) assentou unicamente nas declarações de parte da autora; 17. Afigura-se-nos, porém e diversamente do decidido, que os factos provados n.° 112, 113 e 114 (danos morais), unicamente provados com base nas declarações de parte da autora, mero princípio de prova desacompanhada de outra prova, designadamente, testemunhal, não estão provados; 18. Além disso, conforme reconhecido na sentença, o tribunal não se pode alhear que a Autora tem um interesse directo na decisão da causa; 19. E “o lapso de tempo decorrido desde que o processo n.° 3139/04.0BELSB foi intentado e decidido e a existência de vários processos judiciais conexos” são “fatores que contribuem para explicar alguma incerteza nas respostas da autora”, conforme aí declarado; 20. Outrossim, também como referido na sentença “perpassa a grande dificuldade da autora traçar uma linha entre a delonga na obtenção da decisão no processo n.° 3139/04.0BELSB e o processo executivo n.° 8155/08.0TBMTS [referido em 115)]”; 21. Na verdade, conforme documentado e provado por declarações de parte da autora (cfr. Gravação das declarações de parte da Autora, ao minuto 49.17 ao minuto 54.45.), atenta a multiplicidade de processos que a autora teve e tem pendentes, fruto da sua elevadíssima litigância judicial, é virtualmente impossível, de harmonia com as regras da experiência, estabelecer um nexo de causalidade entre os danos não patrimoniais comuns n.° 112, 113, 114 dos factos provados e a deficiente administração da justiça no processo n.° 3139/04.0BELSB e na presente acção; 22. Para haver obrigação de indemnização por atraso indevido na administração da justiça é necessário demonstrar que existiram danos, patrimoniais ou não patrimoniais, que estejam num nexo de causalidade adequada com o atraso (acórdão do STA de 17/01/2007, proc. n.° 1164/06, disponível em www.dgsi.pt.
23. E ainda que se considere que, na generalidade dos casos, o atraso da justiça faz presumir a verificação destes danos, se os factos que os sustentam forem julgados não provados, temos de concluir que essa presunção se mostra ilidida (acórdão do TCAN de 15/06/2012, proc. n.° 1399/06.0BEBRG, disponível em www.dgsi.pt e acórdão do TCAS de 04/04/2019, proc. n.° 2518/15.1BELSB, relator Pedro Nuno Figueiredo); 24. No caso em apreço e uma vez que a única prova que sustenta o dano psicológico comum, consiste nas declarações de parte da autora e as mesmas valem apenas como principio de prova, devem aqueles ser julgados não provados, mostrando-se assim ilidida a presunção; 25. No decurso do processo n.° 3139/04.0BELSB...
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