Acórdão nº 4/19.0BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 10 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelPAULA DE FERREIRINHA LOUREIRO
Data da Resolução10 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO Futebol …………………………….., SAD (Recorrente), vem interpor recurso jurisdicional do acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto em 07/11/2018, que julgou improcedente o recurso apresentado contra a Federação Portuguesa de Futebol (Recorrida).

O acórdão recorrido manteve a Deliberação emitida em 10/10/2017 pelo Pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, no âmbito do processo n.º 15-17/18, e através da qual foi aplicada à agora Recorrente a multa no montante de 1.720,00 Euros pela prática de infração por parte da Recorrente, em virtude dos seus adeptos terem explodido produtos pirotécnicos, nomeadamente, tochas incandescentes e petardo, durante um jogo de futebol ocorrido em 17/09/2017.

Inconformada com o acórdão proferido pelo Tribunal a quo, a Recorrente apela a este Tribunal Central Administrativo, clamando pela revogação do acórdão recorrido e, em primeiro lugar, pela subsequente declaração de nulidade da Deliberação emitida pela Recorrida em 10/10/2017; em segundo lugar, e a título subsidiário, pela anulação da dita Deliberação por erro nos respetivos pressupostos; em terceiro lugar, subsidiariamente, pelo reenvio do presente processo para o Tribunal a quo para efeitos de reapreciação “da matéria de facto com base em critérios de valoração da prova consentâneos com o princípio da presunção de inocência do arguido”; e, finalmente, em quarto lugar, “se dignem julgar inconstitucional a norma resultante da conjugação do disposto art. 2.º, n.ºs 1 e 5 (e respectiva tabela constante do Anexo I, 2.ª linha, da Portaria n.º 301/2015, com o previsto nos artigos 76.º/1/2/3 e 77.º/4/5/6 da Lei do TAD, por violação dos princípios da tutela jurisdicional efectiva (art. 20.º-1 e 268.º-4 da CRP) e da proporcionalidade (art. 2.º da CRP)”.

As alegações do recurso que apresenta culminam com as seguintes conclusões: “CONCLUSÕES-I-i.

O presente recurso tem por objecto o acórdão de 07-11-2018 do TAD, que confirmou a condenação da recorrente pela prática da infracção disciplinar p. e p. pelo art. 187.º-1 b) do RD, alegadamente cometida no jogo realizado a 17-09-2017 no Estádio dos Arcos, punindo-a em multa no valor de € l .720,00, e fixando as custas no total de € 6.125,40.

-II-ii.

Logo em sede de recurso hierárquico impróprio a ora recorrente invocou, em sua defesa, a falta de preenchimento do art. 187.º- 1, b) do RD, desde logo porque, até então, dos autos não resultava qualquer prova - ou sequer argumentação - que depusesse em favor da tese da FPF, mais precisamente, da alegada assunção pela aí Demandante de uma actuação culposa, permitindo e compactuando com a prática da referida infracção.

iii.

O acórdão do Conselho de Disciplina da FPF de 10-10-2017, julgou como provado o preenchimento dos pressupostos da infracção disciplinar, tanto na vertente objectiva, como na vertente subjectiva.

iv.

No entanto, parte dos factosjulgados como provados que, em sede de recurso, sustentaram a condenação da demandante são factos novos, isto é, factos que não constavam da primeira decisão condenatória (de 21-09-201 7), os quais se mostravam absolutamente imprescindíveis para que a ora recorrente pudesse responder disciplinarmente pelas infracções que lhe eram imputadas, principalmente no plano subjectivo da infracção (dolo).

v.

Tal aditamento que, além de ter consubstanciado uma autêntica decisão-surpresa e de ter atentado contra a máxima geral do direito sancionatório público da proibição da reformatio in pejus, consubstanciou ainda uma verdadeira alteração substancial dos factos.

vi.

Ao proceder à mencionada alteração substancial dos factos, o acórdão do Conselho de Disciplina atentou substancial e significativamente contra o direito de defesa da demandante, e assim, do mesmo passo, contra o n.º 10 do art.

32.º da CRP.

vii.

Impõe-se, pois, reconhecer e declarar a nulidade da decisão do Conselho de Disciplina de 10-10-2017 e, consequentemente, decidir pela revogação da decisão de condenação da recorrente com os devidos e legais efeitos.

-III-viii.

Os factos julgados como provados não preenchem todos os pressupostos típicos das infracções disciplinares pelos quais a arguida foi condenada, nomeadamente, o pressuposto da violação do dever de implementação de meios de prevenção da prática de factos social e desportivamente incorrectos por parte dos seus sócios e simpatizantes e de comissão de factualidade típica a titulo doloso ou, pelo menos, negligente.

ix.

Porquanto a culpa é pressuposto de responsabilização pela prática da infracção p. e p. pelo art. 187.º-1, b) do RD, a punição pela prática da infracção pressupõe que seja julgada como provada- com fundamento em robustas provas - uma actuação inadimplente e culposa do clube na verificação dos factos.

x.

A sofreguidão do Tribunal a quo na condenação da recorrente é tal que, mesmo perante hiatos factuais e probatórios no que à culpa da recorrente concerne nos factos ocorridos no evento desportivo de 17-09-2017 no Estádio dos Arcos, determinou que fosse mantida a sanção disciplinar.

xi.

Não se julgando como provada factualidade essencial ao preenchimento do tipos legal (187.º-1, b) do RD), vê-se necessariamente prejudicada a decisão de condenação proferida nestes autos.

-IV-xii.

O ónus da prova em processo disciplinar cabe ao titular do poder disciplinar, pelo que, sempre seria ao Conselho de Disciplina que se impunha carrear aos autos prova suficiente de que os comportamentos indevidos foram perpetrados por sócio ou simpatizante, e para o que aqui releva, que tais condutas resultaram de um comportamento culposo da Futebol ……………………………….. SAD.

xiii.

Aliado ao ónus da prova que recai sobre o titular da acção disciplinar, vigora ainda o princípio da presunção de inocência, o qual tem como um dos seus principais corolários a proibição de inversão do ónus da prova, não impendendo sobre o arguido- in casu a recorrente- o ónus de provar a sua inocência.

xiv.

Nem mesmo a presunção de veracidade dos relatórios prevista no art. 13.º f), do RD, pode contrariar este quadro normativo, dado que, mesmo beneficiando de uma presunção de verdade, não se trata de prova subtraída à livre apreciação do julgador, não se permitindo daí inferir um início de prova ou sequer uma inversão do ónus da prova.

xv.

Compulsada a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, nela não se encontra qualquer traço factual- ou sequer probatório- de uma hipotética violação de deveres, por parte da demandante, tal como nada nela se divisa no sentido de que a demandante actuou culposamente, seja a título doloso ou negligente.

xvi.

Caso não se exigisse este elemento típico depararíamos com uma clara responsabilização disciplinar objectiva e por factos de outrém, a qual violaria o princípio juridico-constitucional da culpa.

xvii.

As alíneas a) e b) do n.º 1 artigo 187.

º do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, quando interpretadas no sentido de que um clube poderá ser por elas disciplinarmente responsabilizado no caso da verificação de comportamentos social ou desportivamente incorrectos adaptados por sócios ou simpatizantes seus, independentemente de qualquer contributo próprio desse clube e da sua censurabilidade a título de dolo ou de negligência, são inconstitucionais por violação dos princípios constitucionais da culpa e da intransmissibilidade da responsabilidade penal (art.

30.º-3 da CRP), ambos inerentes ao princípio do Estado de Direi to plasmado no art. 2.º da CRP.

xviii.

À míngua de meios de prova demonstrativas da violação de deveres de cuidado, o Tribunal a quo presumiu que a demandante falhou no seu dever "in vigilando".

xix.

No entanto do facto de ter deflagrado pirotecnia no decorrer do evento não se pode retirar, sem mais, que o clube infringiu um dever próprio.

xx.

Não havendo nos autos qualquer suporte probatório para concluir por uma actuação culposa pela recorrente, decidir como decidiu o Tribunal a quo afronta até as mais elementares regras da experiência comum, constituindo a manifestação de um erro notório na apreciação da prova.

xxi.

Mas mais, não basta a prova do primeiro elemento típico para que se prove o segundo elemento típico da infracção, como entendeu o Tribunal a quo.

xxii.

Admitir este critério decisório significa admitir a violação do princípio da presunção de inocência, direito fundamental de que a demandante é titular e, do mesmo passo, implica que para a prova dos factos fundamentadores de responsabilidade disciplinar não será necessária uma racional e objetiva convicção da sua verificação, para além de qualquer dúvida razoável, sendo suficiente uma sua simples indiciação.

xxiii.

Sucede que o arguido em processo disciplinar presume-se inocente, correspondendo o princípio da presunção de inocência em processo disciplinar a um direito, liberdade e garantia fundamental, ancorado no direito de defesa do arguido (art. 32.º, n.os 2 e l 0 da CRP), no princípio do Estado de Direito (art. 2.º da CRP) e no direito a um processo equitativo (art. 20.º-4 da CRP) (cf. Ac. do Pleno da Secção do CA do STA de 18-04-2002, Proc. 03388 e Ac. do STA de 20-10-2015, Proc. 01546/ 14, www.dgsi.pt).

xxiv.

Este critério decisório contraria aberta e frontalmente a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, jurisprudência que representa uma expressão consolidada do cânone da dogmática do princípio da presunção de inocência, constante de todos os tratados e comentários de processo penal e afirmado vezes sem conta pelos nossos tribunais superiores (TC, STJ, Relações e TCA's).

xxv.

Ainda em desfavor da decisão recorrida depõe o facto de, mesmo atentando ao descrito nos relatórios de jogo percebe-se que nenhum elemento factual neles é sequer descrito em favor do preenchimento de pressuposto essencial dos tipos legais: uma actuação culposa da Recorrida.

xxvi.

Porquanto...

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