Acórdão nº 1383/19.4BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 10 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCHÃO MARQUES
Data da Resolução10 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório Mohamed .......... (Recorrente), cidadão identificado como nacional da Serra Leoa, interpôs recurso jurisdicional da sentença de 3.09.2019 do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que julgou improcedente a acção administrativa especial urgente por si proposta contra o Ministério da Administração Interna, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (Recorrido) e manteve o despacho do Director Nacional Adjunto daquele Serviço que considerou inadmissível o pedido de protecção internacional por aquele formulado e determinou a sua notificação com vista à sua transferência para a Alemanha, enquanto Estado Membro responsável pela análise do pedido de asilo.

O requerimento de recurso contém as seguintes conclusões: 1. Por decisão proferida pelo Diretor Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros, em processo de Asilo, foi considerado inadmissível o pedido de proteção internacional apresentado pelo Recorrente, declarando-se a Alemanha responsável pela retoma a cargo e determinando-se a transferência do Recorrente para aquele país.

  1. Confrontado com essa ordem, o Recorrente propôs a presente impugnação jurisdicional, pugnando pela anulação daquela decisão, com todas as legais consequências.

  2. A sentença ora recorrida, proferida sem prévia audiência de julgamento, considerou assentes os fatos a seguir transcritos: A) Em 8/4/2019, o requerente apresentou junto dos serviços do SEF um pedido de protecção internacional, cfr. p.a., apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

    1. Após registo e consulta à base de dados verificou-se que o requerente já havia apresentado pedidos de protecção internacional em Itália e na Alemanha, cfr. processo administrativo, apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

    2. Em 24/4/2019, foram tomadas as declarações do requerente, cfr. processo administrativo, apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

    3. O Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF efectuou um pedido de retoma a cargo do requerente às autoridades alemãs que aceitaram, em 22/5/2019, cfr. processo administrativo, apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

    4. Em 22/5/2019, o Director Nacional Adjunto do SEF, considerou o pedido de protecção internacional inadmissível e determinou a transferência do requerente para a Alemanha, com base na informação nº ...../GAR/2019, do Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF, que foi notificada ao requerente em 27/5/2019, cfr. processo administrativo, apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

  3. E com base nessa fatualidade, o Tribunal a quo considerou terem sido invocados pela autoridade Recorrida todas as razões suficientes à sustentação e fundamentação da ordem contra a qual se insurge o Recorrente.

  4. Nomeadamente, resulta da sentença: O que se pode concluir da análise dos autos e do PA apenso é que, o SEF perante a verificação do pedido de protecção internacional do requerente na Alemanha e Itália, deu início ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de asilo, que culminou com o apuramento de que essa responsabilidade pertencia à Alemanha.

    Ora, tendo a Alemanha aceite o pedido, apenas cabia ao SEF proferir a decisão vinculada de transferência da responsabilidade, acto que se encontra a ser impugnado nos autos.

    […] Assim sendo, a decisão aqui em crise cumpriu as exigências legais determinadas pelos artigos 18º, nº 1, al. d), 26º a 27º, do Regulamento, e 37º, nºs 1 e 2 da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho, pelo que resta concluir pela total improcedência da presente acção.

  5. Com todo o respeito, não se pode concordar que a sentença recorrida tenha adotado a melhor interpretação dos fundamentos de fato e de direito aplicáveis.

    Com efeito, 1. Em que pese a existência das previsões legais que constituem fundamento da sentença, há motivos humanitários e de soberania que permitem seja mitigada a aplicação dos critérios do Regulamento de Dublin no caso presente.

    Senão, vejamos, 2. O Regulamento (UE) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de junho de 2013 (Regulamento Dublim III) é reflexo da SECA (Sistema Europeu Comum de Asilo) e assegura que ninguém será enviado para onde possa ser novamente perseguido, segundo o princípio da não repulsão.

  6. Ora, a retoma a cargo representará, inequivocamente, o insucesso do pedido do Recorrente e o seu retorno ao país de origem.

  7. O que por sua vez representa uma grave ameaça aos direitos fundamentais do Recorrente, concretamente ao direito a não ser sujeito a tortura, penas ou tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos, nos termos previstos na Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

  8. Uma vez que, conforme a entrevista e relatório que fundamentaram a decisão da Recorrida, o pedido do Recorrente já foi recusado na Alemanha.

  9. Não havendo qualquer razão para acreditar que, não obstante a aceitação da retoma, as autoridades alemãs irão reapreciar de forma diferente o pedido de proteção do Recorrente.

  10. Com base nesse risco, que é de vida, o Estado português pode, e deve, decidir analisar o pedido de proteção internacional, com fundamento no art. 17º do Regulamento 604/2013, que derroga o art. 3º nº 1 do mesmo regulamento, transpondo que: ..."cada Estado-Membro pode decidir analisar um pedido de proteção internacional que lhe seja apresentado por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, mesmo que essa análise não seja da sua competência por força dos critérios definidos no presente regulamento".

  11. O espírito do Regulamento suprarreferido subjaz uma política comum de direito de asilo, que pretende estabelecer progressivamente um espaço de liberdade, de segurança e de justiça aberto às pessoas que, forçadas pelas circunstâncias, procuram legitimamente proteção na União.

  12. Assim, o Estado português deve pautar a sua atuação pela seriedade, não podendo, ou melhor, não devendo transferir a responsabilidade da vida do Recorrente para outro país sem aferir demoradamente a razão pela qual o mesmo não permaneceu lá.

  13. Mas, ao contrário, a Recorrida demitiu-se de qualquer responsabilidade, como se a vida ou morte do Recorrente pudesse ou devesse estar sujeita a um procedimento automático.

  14. O procedimento de concessão de proteção internacional exige a análise de cada caso em concreto, com cariz humanitário, e a coerência e as consequências de uma decisão de transferência devem ser aferidas por uma Administração Pública responsável.

  15. A aplicação dos critérios de busca pelo Estado responsável deve ser mitigada pela permissão dos Estados levarem em consideração outros aspetos na decisão.

    Concretamente os critérios humanitários previstos nos artigos 16º e 17º e de soberania previsto no artigo 3º, nº 2, ambos do Regulamento UE 604/2013, de 26 de junho.

  16. E não se diga que o exercício de tal opção se inscreve numa área de discricionariedade administrativa ou mesmo de opção política que escapa ao controlo jurisdicional.

  17. Esta confiança no sistema Dublin, como se não existissem melhores razões e fundamentos legais, compromissos internacionais a serem observados, e mesmo obrigações constitucionais do Estado português para recusar uma aplicação cega do Regulamento de Dublin, somada à tendência jurisprudencial de interpretar essa escolha como uma faculdade puramente discricionária do Estado, têm hoje pouca sustentação e vai no sentido contrário da evolução da doutrina e do pensamento explícito nas mais recentes decisões do TEDH.

  18. Já em 7 de março de 2000 o Tribunal Europeu dos Direitos...

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