Acórdão nº 2071/14.3BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 10 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelSOFIA DAVID
Data da Resolução10 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I - RELATÓRIO J....... intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra acção administrativa especial de impugnação de acto, contra a Caixa Geral de Aposentações (CGA), na qual vem sindicar o acto administrativo praticado a 06-06-2014, que determinou a restituição pelo A. à R. do montante de €71.386,29, correspondente ao valor de 2/3 da pensão de reforma, que lhe foi indevidamente abonado e pago no período decorrido de 05-02-2006 a 31-10-2009.

Por decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra foi julgada improcedente a acção, por não provada, absolvendo-se a entidade demandada do pedido.

Inconformado com a decisão, J......., aqui Recorrente, apresentou as suas alegações, onde formulou as seguintes conclusões: “1.ª Mal andou a sentença proferida nos autos, de facto e de direito, ao julgar improcedente a presente ação e não anular o ato administrativo da Recorrida, de 6 de junho de 2014, que ordenou ao Recorrente que repusesse o valor de € 71.386,29, correspondente ao valor da pensão de reforma que lhe foi - alegadamente - indevidamente abonado e pago no período decorrido de 5 de fevereiro de 2006 a 31 de outubro de 2009; 2.ª Desde logo, o Tribunal a quo andou mal de facto, uma vez que não deu como provado algo que o Recorrente provou por documentos, como seja que, "em dezembro de 1994, foi proferido despacho pelo Secretário de Estado da Administração Local, sobre pareceres internos da Direcção Geral da Administração Autárquica (DGAA), no sentido da não aplicabilidade dos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação ao Autor, desde logo 'por não estar aí em causa uma relação de trabalho, de serviços ou de emprego, mas antes o exercício de verdadeiros direitos políticos' (facto alegado no artigo 13.º da p.i.); 3.ª Este facto foi provado pelo Doc. n.º 10 junto com a p.i, documento que não foi impugnado, e é relevante para os autos porque espelha a opinião do Secretário de Estado da Administração Local, em 1994, data do início de funções do Recorrente no cargo onde estava à data a que se refe rem os autos, sobre a aplicabilidade das normas que estão em causa nos mesmos autos, devendo por conseguinte ser aditado à matéria de facto assente; 4.ª A sentença recorrida padece ainda de erro de apreciação de direito, por não ter julgado pro cedentes os fundamentos de inconstitucionalidade - material e orgânica - das normas ínsitas no n.º 1 do artigo 78.º e no n.º 1 do artigo 79.º do Estatuto da Aposentação, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 179/2005, que impedem os aposentados de exercer funções públicas ou prestar trabalho remunerado em qualquer serviços do Estado, pessoas coletivas ou empresas públicas, exceto nas condições aí referidas (n.º 1 do artigo 78.º) e que, quando lhes seja admitido o exercício dessas funções, apenas lhes permite cumular uma terça parte da remuneração base ou da pensão de aposentação (n.º 1 do artigo 79.º); 5.ª Sustentando-se o ato impugnado naquelas normas, concluir-se-á que, sendo as mesmas in constitucionais, desaparece o sustento de direito do ato impugnado, o que o torna viciado por erro nos pressupostos de direito e consequentemente inválido; 6.ª As aludidas normas padecem de inconstitucionalidade material na medida em que, ao retira rem ao cidadão que exerce um cargo público o direito à perceção de dois terços da sua remuneração ou da sua pensão de aposentação, consoante os casos, violam o direito de igual acesso dos cidadãos aos cargos públicos, por um lado, e o direito a não ser se ser prejudicado nos benefícios sociais em virtude do exercício de cargos públicos, por outro, ambos direitos, liberdades e garantias com assento constitucional (cfr. artigo 50.º, n.ºs 1e 2, respetivamente da CRP); 7.ª Com efeito, por efeito dos n.ºs 1 dos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação, com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 179/2005, um cidadão aposentado só pode exercer um cargo público se abdicar de dois terços da sua remuneração (o que viola o direito de acesso, em condições de igualdade e liberdade, aos cargos públicos) ou de dois terços da sua pensão de aposentação (caso em que sai violado o direito de não se ser prejudicado nos benefícios sociais em virtude do exercício de cargos públicos); 8.ª Em decorrência da aplicação destas normas, a situação que se configura é linear: se dois cidadãos forem chamados ao desempenho de cargos públicos funcionalmente idênticos ou compa- ráveis, o que sucede é que, embora o trabalho seja o mesmo e a responsabilidade similar, aquele que receba já uma pensão de aposentação de montante superior ao da remuneração do cargo perceberá apenas um terço desta última; 9.ª O mesmo aconteceria, de resto, se o Recorrente fosse, em vez de aposentado da Caixa Geral de Aposentações, reformado do regime geral da segurança social. Também nesse caso, o Recorrente teria, no caso subjudice, recebido a sua pensão de reforma e salários por inteiro, o que representa uma injustificável desigualdade; 10.ª De resto, para além da desigualdade gerada, as normas em causa nos autos não são sequer idóneas para alcançar o objetivo a que se propõem, que, conforme se refere no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 179/2005, é a "adoção de critérios mais rigorosos em todas as áreas potencialmente geradoras de despesa pública " dada a "atual situação das contas públicas ", já que, se o cargo em causa fosse provido por um cidadão que não estivesse aposentado (como é intenção ou pelo menos resultado tendencial daquelas normas, ao restringirem e piorarem as condições do exercício do cargo por aposentados), a poupança é nula, uma vez que o aposentado nomeando manterá a sua pensão integral e o nomeado para o cargo a sua remuneração também por inteiro; 11.ª Assim, a restrição do direito de acesso de aposentados aos cargos públicos e a não perderem benefícios sociais em virtude disso (cfr. n.º 1 e 2 do artigo 50.º da CRP), para além de não estar expressamente autorizada no texto constitucional, não é adequada nem necessária para salva guardar algum outro valor de importância constitucional, sendo por conseguinte inadmissível, nos termos do n.º 2 do artigo 18.º da CRP; 12.ª As normas constantes do n.º 1 do artigo 78.º e do n.º 1 do artigo 79.º do Estatuto da Aposentação, na referida redação, são, outrossim, inconstitucionais do ponto de vista orgânico, uma vez que, intervindo no âmbito dos direitos, liberdades e garantias, não foram aprovadas por via de lei da Assembleia da República ou decreto-lei autorizado, nos termos do disposto nos artigos 18.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea b), da CRP; 13.ª As normas constantes do n.º 1 do artigo 78.º e do n.º 1 do artigo 79.º do Estatuto da Aposentação, na aludida redação, são ainda, quando interpretadas no sentido de que se aplicam a alguém na situação e nas circunstâncias em que se encontrava o Recorrente nos autos, inconstitucionais, por violação dos princípios da tutela da confiança e da segurança jurídica, ínsitos no princípio do Estado de Direito Democrático, constante do artigo 2.º da CRP; 14.ª Com efeito, em 1994, aquando do início de funções no cargo que desempenhava no cargo em causa nos autos, o Recorrente, em clara manifestação de boa-fé, quis esclarecer a questão da aplicabilidade das aludidas normas a alguém na sua situação, tendo a Secretaria de Estado da Administração Local, na sequência de pedido de...

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