Acórdão nº 2940/14.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 10 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução10 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO O Ministério Público, Autor na ação administrativa de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa instaurada contra Beatriz ..........

, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 02/05/2019, que julgou a ação de oposição improcedente, absolvendo a Demandada do pedido.

* Formula o aqui Recorrente nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: “I. O MP deduziu oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa com fundamento na falta de ligação efetiva da Ré à comunidade nacional, nos termos dos arts. 9º, a) da LN e 56º/2, a) do RNP, tendo a ação sido julgada improcedente unicamente porque o Mmo. Juiz considerou que a atual redação do artº 9º/2 da LN, decorrente da alteração introduzida pela Lei Orgânica 2/2018, de 5/07, é imediatamente aplicável aos autos e que, por isso, a circunstância de a Ré ter três filhos portugueses impede a aplicação do disposto no artº 9º/1, a) do mesmo diploma.

  1. Ao contrário do sustentado na sentença recorrida, a atual redação do artº 9º/2 da LN, decorrente da alteração introduzida pela Lei Orgânica 2/2018, de 5/07, não é aplicável aos autos.

  2. No momento em que foi formulado o pedido de atribuição da nacionalidade na Conservatória dos Registos Centrais, tal como naquele em que foi interposta a presente ação, estava em vigor a Lei 37/81, de 3/10 na redação decorrente da Lei Orgânica 1/2013, de 29/07, cujo artº 9º se limitava a três alíneas.

  3. Só quatro anos mais tarde, na pendencia da ação, é que a Lei Orgânica nº 2/2018, de 5/07, alterou a redação do artº 9º da LN, introduzindo-lhe o número 2 (além do 3), que passou a prever a impossibilidade de oposição à aquisição da nacionalidade com fundamento na inexistência de ligação efetiva à comunidade portuguesa, quando, como no presente caso, existam filhos comuns do casal, que tenham nacionalidade portuguesa.

  4. O artº 5º da Lei Orgânica 2/2018, sob a epígrafe “aplicação a processos pendentes”, prevê expressamente, no seu nº 2, que apenas o nº 3 do artº 9º da LN, na redação dada pela Lei Orgânica nº 2/2018, é aplicável aos processos pendentes à data da entrada em vigor, concluindo-se, a contrario, que as demais alterações ao artº 9º, designadamente o seu nº 2, não lhes são aplicáveis.

  5. Idêntica solução foi consagrada pelo artº 4º do Dec. Lei nº 71/2017, de 21/06, que alterou o RNP, do qual resulta, expressamente, que a atual redação do artº 56º não é aplicável aos processos pendentes à data da entrada em vigor da alteração, desde que o conservador ainda não tenha participado os factos ao MP, o que implica que também não seja aplicável aos presentes autos.

  6. Tendo o legislador, no artº 5º/2 da Lei Orgânica nº 2/2018, regulado a aplicabilidade do diploma aos processos pendentes, excluindo a aplicação da redação introduzida ao artº 9º/2 da LN, não pode o Mmo. Juiz, como o fez na sentença recorrida, considerar o contrário, fazendo uma interpretação totalmente contrária à lei – cfr. artº 9º do Código Civil.

  7. Sendo aplicável aos autos o disposto no artº 9º, a) da LN, na redação decorrente da Lei Orgânica nº 1/2013, de 29 de julho, conjugado com o disposto no artº 56º/1 e 2, a) do RNP, constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade a inexistência de ligação efetiva à comunidade portuguesa.

  8. De acordo com a jurisprudência uniformizada decorrente do Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, de 16/06/2016, proferido no processo nº 0201/16, cabe ao Ministério Público o ónus de prova dos fundamentos da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional, e essa prova, no caso dos autos, foi feita.

  9. O conceito de “ligação efetiva à comunidade nacional”, a que aludem os arts. 9º, a) da LN e 56º/1 e 2, a) do RNP, não foi definido pelo legislador, mas tem vindo a ser densificado pela jurisprudência e implica a existência de uma relação estreita do indivíduo com os valores, cultura, língua, hábitos e costumes portugueses; de um efetivo sentimento de pertença e comunhão com a história e a cultura portuguesa, com os elementos que conferem união e identidade como povo e nação.

  10. Essa ligação revela-se por fatores como o conhecimento da língua portuguesa, oral e escrita, o domicílio, a integração social e cultural, o conhecimento da história e da cultura, os quais, todos conjugados, conferem o sentimento de pertença à comunidade.

  11. Na sentença recorrida resultou provado que a Ré: - nasceu em Luanda – Angola; - é filha de pais de nacionalidade angolana; - casou em Luanda, com um português também nascido em Luanda - Angola e que apenas com 32 anos registou o seu nascimento na CRC de Lisboa; - tem três filhos de nacionalidade portuguesa, dois deles nascidos em Luanda – Angola; - reside em Luanda – Angola.

  12. Ou seja, a única ligação da Ré com a comunidade portuguesa é a circunstância de ser casada com um português e ser mãe de portugueses o que, no caso, não lhe permite a apreensão dos valores e costumes próprios da cultura portuguesa nem desenvolver um sentimento de pertença com a comunidade nacional.

  13. Como tem vindo a ser entendido pela jurisprudência, o casamento não basta para se concluir pela existência de ligação efetiva à comunidade nacional, como o domínio da língua também não é suficiente nos casos de cidadãos de países de língua oficial portuguesa, como é a República de Angola.

  14. No caso concreto, apesar de ser casada com um português, o casamento não permitiu à Ré contacto com a cultura portuguesa, de modo a assimilá-la e absorver os seus costumes, uma vez que o marido nasceu em Angola, onde casou e vive e onde, por isso, se...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT