Acórdão nº 02417/18.5BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 29 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução29 de Novembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório M. F. S. M., devidamente identificada nos autos, no âmbito de Ação Administrativa que intentou contra o Instituto da Segurança Social IP, tendente, designadamente, “à declaração de nulidade do ato administrativo que originou o desconto das prestações da pensão do autor, designadamente os 3 débitos do valor de 75,44€ e um débito de 61,28€, realizados a 16 de Abril; 18 de Maio; 19 de Junho e 19 de Julho; todos de 2018, perfazendo um total de 287,60€ em virtude de atentar contra o princípio da dignidade humana consagrado no artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa por ser aquele inferior ao Salário Mínimo Nacional e violar o estabelecido no n.º 3 do artigo 738.º do Código de Processo Civil, aqui aplicável em referência ao artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, inconformado com a sentença proferida em 9 de Maio de 2019, no TAF de Braga, que julgou “verificada a exceção de intempestividade da prática de ato processual e improcedente os pedidos indemnizatórios e, consequentemente”, absolveu “totalmente a Entidade Demandada da instância e dos pedidos indemnizatórios”, veio recorrer jurisdicionalmente da mesma em 4 de junho de 2019, tendo apresentado as seguintes conclusões: “I. Ocorreu nulidade por violação do princípio da dignidade humana.

  1. O ato sindicado cabe na previsão da alínea d) do n.º2 deste artigo 161.º e é, por isso, nulo.

  2. Podendo a nulidade ser invocada a todo o tempo tal como resulta do n.º1 do artigo 58.º do CPTA e do n.º2 do artigo 162.º do CPA.

  3. Ainda que não possa ver-se garantido no artigo 63.º da Lei Fundamental um direito a um mínimo de sobrevivência, é seguro que este direito há-de extrair-se do princípio da dignidade da pessoa humana, condensado no artigo 1.º da Constituição.

  4. É com base neste direito fundamental, que o recorrente alega a ocorrência de nulidade com base na alínea d) do n.º 2 do artigo 161.º do Código de Procedimento Administrativo.

  5. A construção jurídica do autor sempre foi a de que ocorreu violação do princípio da dignidade humana pela entidade demandada e que essa consome a violação do direito à segurança social que poderá também discutir-se se ocorreu ou não.

  6. O valor recebido a título de pensão de velhice do recorrente foi injustamente reduzido para um valor inferior ao rendimento mínimo garantido.

  7. Aí ocorrendo a nulidade que foi alegada.

  8. O exercício do direito da entidade demandada em ver realizado o seu direito - o qual, como se viu, encontra guarida no n.º 1 do artigo 62.º da Lei Fundamental - pode colidir com o direito fundamental do pensionista em perceber uma pensão que lhe garanta uma sobrevivência condigna, condensado, como já se referiu, ou no artigo 63.º ou no artigo 1.º da Constituição.

  9. Em casos de colisão ou conflito entre aqueles dois direitos, deve o intérprete e aplicador do direito, para tutela do valor supremo da dignidade da pessoa humana, sacrificar o direito do credor, na medida do necessário e, se tanto for preciso, mesmo totalmente, não permitindo que a realização deste direito ponha em causa a sobrevivência ou subsistência do devedor.

  10. Insistindo: o sacrifício do direito do credor só será, assim, constitucionalmente legítimo se for necessário e adequado à salvaguarda do direito fundamental do devedor a uma sobrevivência com um mínimo de qualidade. Donde o ter de concluir-se que, para além desse patamar necessário para garantir aquele mínimo de sobrevivência - o qual não pode ser definido em termos válidos para todos os tempos, uma vez que é algo historicamente situado -, já será constitucionalmente ilegítimo o sacrifício total do direito do credor.

  11. Esta orientação jurisprudencial foi continuada como se pode ver, além do mais, dos Acórdãos do mesmo Tribunal n.ºs 96/2004, 306/2005, 657/2006 e 28/2007 – todos consultáveis em www.dgsi.pt – e considera-se hoje sedimentada em todos os tribunais.

  12. Aliás, corresponde ao que determina o artigo 25.º, n.º1 do Declaração Universal dos Direitos do Homem com o relevo que lhe confere o artigo 16.º, n.º2 da Constituição da República.

  13. Estamos, pois, no conteúdo essencial dum direito fundamental, tal como refere a mencionada alínea d).

  14. Não se levantando dúvidas de que o invocado mecanismo da compensação cede por ter como base um crédito que deve ceder ante tal quadro de insuficiência económica determinante de vivência com o mínimo de dignidade, sendo que em todo caso se encontra o autor enquadrado no regime geral de pensões da ré para o qual o artigo 220.º do Código Contributivo não é aplicável conforme a epígrafe do mesmo.

  15. Já o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional, por violação do princípio da dignidade humana, decorrente do princípio do Estado de direito, constante das disposições conjugadas dos artigos 1º, 59º, n.º 2, alínea a), e 63º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa, a norma que resulta da conjugação do disposto na alínea a) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 824º do Código de Processo Civil (na redação emergente da reforma de 1995/96), na parte em que...

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