Acórdão nº 01489/16.1BEBRG-R1 de Tribunal Central Administrativo Norte, 31 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução31 de Outubro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: Relatório Em 8 de janeiro de 2019 foi no processo indicado proferido em 1ª instância Despacho Saneador, no qual, e no que aqui releva se referiu o seguinte: “Com vista à efetivação da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, a Autora intentou contra o Estado Português ação administrativa, na qual formula o pedido que segue: Que o Tribunal declare que a Autora sofreu um acidente escolar em 10/12/2004 e que condene o Réu Estado no pagamento de uma indemnização quer pelos danos patrimoniais, a determinar em execução de sentença, quer pelos danos morais, bem como no pagamento das custas processuais.

Cumpre referir que este pedido de indeminização resulta de um alegado acidente ocorrido no dia 10/12/2004 no estabelecimento de Ensino Público denominado EB1 de C., situado na freguesia de C., concelho de V. N. C., em que interveio e foi vítima a Autora, aluna desse Estabelecimento de Ensino, quando se encontrava no refeitório aguardar que lhe fosse servido o almoço.

Pelo Município de V. N. C. e pelo Ministério da Educação foi deduzida matéria de exceção quando alegaram a respetiva ilegitimidade para figurarem na presente ação como Réus. Porém, sem êxito.

Temos presente a distinção entre legitimidade processual - que constitui um pressuposto processual relativo às partes, o qual se afere tendo em consideração a relação material controvertida tal como configurada pelo autor, e cuja falta de preenchimento determina a verificação da correspondente exceção dilatória, com a consequente absolvição do réu da instância - e legitimidade substancial ou substantiva, umbilicalmente ligada à existência da relação material em discussão, conduzindo-nos, esta última, para o mérito da causa.

Se atentarmos no pedido e na causa de pedir vertidos na petição inicial desta ação administrativa, forçoso será concluir que ambos expressam uma pretensão indemnizatória pelos danos sofridos em consequência de um acidente alegadamente escolar. A atuação que a Autora reputa de conduta ilegal e culposa foi imputada a uma funcionária/assistente operacional que na área de refeitório do aludido Estabelecimento Escolar transportava uma panela de sopa acabada de confecionar.

As Entidades Públicas – Município de V. N. C. e Ministério da Educação - foram convocadas para intervirem na presente ação face à justificada dúvida sobre qual a Entidade responsável pela área do refeitório, onde ocorreu o acidente, e a relação da assistente com o Município ou com o Ministério da Educação, dúvidas essas que foram suscitadas na pendência da ação pelo Estado na respetiva contestação.

Como é de compreender, à data da entrada em juízo da petição inicial, a Autora não imputou a ilicitude da conduta ao Município de V. N. C. por desconhecer qualquer relação jurídica entre Município e/o Ministério da Educação e a Assistente Operacional.

Tanto mais que o tema relativo à existência de relação de comissão compreende inclusivamente matéria de facto controvertida, constituindo uma sub questão na apreciação da questão decidenda.

Ora, tendo em conta este contexto, e admitida que foi a intervenção do Município de V. N. C., o Município apresenta-se como parte legítima para figurar nesta ação, não se afigurando necessário determinar sequer o aperfeiçoamento da petição inicial, pois a anti juridicidade da conduta que se pretende discutir nos autos é clara e é dirigida à Entidade Pública que tinha a seu cargo a administração e gestão do refeitório escolar.

Aliás, basta atentar na contestação apresentada pelo Município de V. N. C. para concluir que interpretou bem a sua intervenção processual, apresentando defesa tendente a demonstrar o não preenchimento dos pressupostos de que depende a efetivação da responsabilidade civil extracontratual.

A Autora desconhecia ainda a existência de um Seguro Escolar.

O Tribunal foi nesta mesma diligência informado pelos ilustres Mandatários que o Seguro Escolar tem acautelado despesas com a Autora na sequência do acidente, pelo que – pese embora estarmos perante uma ação de efetivação de responsabilidade civil extracontratual doutrinalmente designada como “pura” - temos que o Ministério da Educação deve manter-se em juízo face ao feixe de direitos e obrigações resultantes do seguro escolar – e até ao limite da respetiva cobertura.

Assim, consideram-se partes legítimas para figurarem na presente ação, para além do Estado Português, o Ministério da Educação (até ao limite da cobertura do Seguro Escolar) e o Município de V. N. C..

Da prescrição do direito à indemnização.

Relega-se para momento ulterior o conhecimento desta exceção perentória deduzida pelo Município de V. N. C..

Na hipótese vertente, importa aquilatar se estão verificados os tradicionais pressupostos de que depende a obrigação de indemnizar à luz do Decreto-Lei 48.051, de 21/11/1967.” Perante o referido Despacho veio o Município De V. N. C.

apresentar recurso do mesmo em 21 de fevereiro de 2019, no qual concluiu: “I. Salvo o devido respeito, o douto despacho recorrido na parte em que relegou para final a apreciação e julgamento da exceção de prescrição do direito que a A. pretende fazer valer através da presente ação em relação ao Município de V. N. C., doravante MVNC, incorreu em erro de julgamento por violação das normas dos arts. 87.º/1/a)/c), 88.º/1/a) e 88.º/2 do CPTA.

  1. O art. 88.º/2 do CPTA concentra na fase do despacho saneador a apreciação de quaisquer questões que obstem ao conhecimento do objeto do processo, correspondendo, pois, essa fase ao momento processualmente correto para a apreciação de quaisquer exceções ou questões prévias suscitadas pelas partes.

  2. Nesse sentido, não só proíbe que sejam suscitadas e decididas em momento posterior do processo quaisquer outras questões ou exceções dilatórias que não tenham sido apreciadas no despacho saneador, como impede que as questões já decididas nesse despacho venham a ser reapreciadas com base em novos fundamentos, solução que se funda no princípio de promoção do acesso à justiça, visando evitar que o tribunal relegue para final a apreciação das questões prévias para só então pôr termo ao processo com uma decisão de mera forma e, por outro lado, que o processado seja utilizado a todo o tempo para suscitar questões formais, com consequências negativas no plano da economia/celeridade processual.

  3. O legislador do CPTA estabelece uma clara proibição de âmbito geral de apreciação de questões prévias em momento ulterior à fase do saneador, daí o dever processual que é imposto ao juiz, nos termos dos arts. 87.º/1/a)/c) e 88.º/1 do CPTA, de suscitar e decidir oficiosamente todas as questões prévias que obstem ao conhecimento do objeto do processo na fase do saneador e determinar a junção de documentos com vista a permitir a apreciação dessas questões no despacho saneador.

  4. A M.mª Juíza a quo deveria, pois, ter apreciado e decidido no douto despacho saneador a exceção de prescrição suscitada pelo Município na sua contestação, e não relegar para final a apreciação da mesma, tanto mais quanto é certo que os autos continham todos os elementos e documentos necessários e suficientes para a decisão da referida exceção nessa sede, sendo que, por isso mesmo, nem sequer foi levada aos temas de prova nenhuma matéria relativa à verificação da exceção de prescrição invocada pelo recorrente.

  5. E também não foi proferido despacho pré-saneador ordenando oficiosamente a junção de quaisquer documentos aos autos para apreciação da exceção de prescrição, o que denota, mais uma vez, que os autos contêm todos os elementos suficientes e necessários para a decisão da exceção no despacho saneador.

  6. Está provado documentalmente que a A. nasceu em 06.08.1997, que o sinistro ocorreu em 10.12.2004, que à data do sinistro a ora recorrida tinha 7 anos de idade, que a mesma perfez 18 anos, atingindo a maioridade, em 06.08.2015, que a ação deu entrada em juízo em 01.08.2016 e que o MVNC foi citado para a ação como interveniente principal em 06.06.2017.

  7. Tendo em conta o disposto no art. 5.º/1 do DL n.º 48 051 de 21.11.1967, em vigor à data dos factos, e nos arts. 320.º/1 e 498.º/1 do C.C, o prazo de prescrição iniciou-se e decorreu durante a menoridade da A. e ora recorrida, completando-se um ano depois de ter atingido a maioridade, ou seja, em 06.08.2016.

  8. A A. e ora recorrida, em 01.08.2016, instaurou a ação para efetivação de eventual responsabilidade civil extracontratual contra o pretenso responsável pelo sinistro que a vitimou, o Estado Português, ou seja, dentro do prazo estabelecido no art. 320.º/1 do C.C., mas não em relação ao MVNC, o qual apenas foi citado para a ação enquanto interveniente principal em 06.06.2017, ou seja, muito após o termo do prazo de um ano a partir da maioridade da ora recorrida.

  9. Não releva, para o efeito, a data de propositura da ação, posto que não foi interposta contra o MVNC, pelo que, tendo a menor atingido a maioridade em 06.08.2015, o prazo de um ano para que se completasse a prescrição (de três anos) terminou em 06.08.2016, data em que ocorreu a prescrição em relação ao MVNC, muito antes do seu chamamento aos autos ter sido deduzido e muito antes de o mesmo ter sido citado.

  10. Na data de ocorrência do sinistro a ora recorrida, primeiro através dos seus legais representantes, seus pais, e depois, com a maioridade, por si própria, teve conhecimento do direito que lhe assistia, bastando-se aqui um conhecimento empírico dos factos constitutivos do direito, sendo suficiente que o lesado saiba que foi praticado ato que lhe provocou danos, e que esteja em condições de formular um juízo subjetivo, pelo qual possa qualificar aquele ato como gerador de responsabilidade pelos danos que sofreu.

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