Acórdão nº 401/19.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 21 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelPEDRO NUNO FIGUEIREDO
Data da Resolução21 de Novembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO M.........

intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa ação administrativa, tramitada como processo urgente, contra o Ministério da Administração Interna - Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), na qual pede: - se reconheça a nulidade / ilegalidade da decisão da Diretora Nacional do SEF de 15/02/2019 por violação do princípio da não expulsão e, consequentemente, reconhecer o Estado Português como responsável pela análise do pedido de proteção internacional formulado pelo ora impugnante; - subsidiariamente, seja anulada a decisão da Diretora Nacional do SEF de 15/02/2019, que considerou inadmissível o pedido de proteção internacional formulado pelo ora impugnante, determinando a sua transferência para Itália, e condenada a entidade demandada a instruir o procedimento, com informação fidedigna atualizada sobre o funcionamento do procedimento de asilo italiano e as condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional em Itália.

Citada, a entidade demandada apresentou contestação, na qual alega que o Estado Responsável pela apreciação do pedido de asilo em apreço é a Itália, devendo manter-se a decisão impugnada.

Por sentença datada de 02/09/2019, o TAC de Lisboa julgou improcedente a presente ação e, consequentemente, absolveu a entidade demandada do peticionado.

Inconformado com esta decisão, o autor interpôs recurso da mesma, terminando a respetiva alegação com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem: “1. Em acção administrativa especial proposta junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, veio o ora recorrente, cidadão nacional da Guiné impugnar a decisão da Exma. Senhora Directora Nacional do SEF de 13/08/2019, que considerou o pedido de protecção internacional por si formulado, inadmissível, e determinou a sua transferência para Itália, Estado-Membro responsável por retomar a cargo o requerente, nos termos das disposições do Regulamento (UE) n.º 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de Junho (Regulamento Dublin III).

  1. Considerou a douta decisão em crise que: “(…) tais falhas não estão demostradas nos autos (…), considerando in casu que não existem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes em Itália, invocando, contrariamente ao alegado e peticionado na impugnação jurisdicional apresentada pelo ora recorrente, tendo o tribunal a quo omitido os seus poderes de instrução da causa.

  2. Andou mal o Tribunal ad quo, quando a douta sentença recorrida colide, ela sim, com os princípios estruturantes do Sistema de Dublin e com Jurisprudência assente do Tribunal de Justiça da União Europeia deveria sim, ter considerado e condenado a ora recorrida à reconstituição do procedimento de determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de protecção internacional e a obrigatoriedade de apreciação das informações coligidas para efeitos de determinar se se encontram preenchidos os pressupostos de aplicação da cláusula de salvaguarda constante do artigo 3º, n.º 2, do Regulamento Dublin III.

  3. Com efeito, em matéria de competência internacional, no âmbito da União Europeia, para análise dos pedidos de protecção internacional apresentados num dos Estados-Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida rege o REGULAMENTO (UE) N.º 604/2013 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 26 de junho de 2013 [de ora em diante, simplesmente, Regulamento Dublin III], que vigora directamente na ordem jurídica portuguesa.

  4. No entanto, não andou bem o Tribunal ad quo ao considerar que foram respeitados no caso sub judice os critérios de retoma a cargo previstos no Regulamento Dublin III.

  5. De acordo com o art.º 20.º/5 do Regulamento UE, «o Estado-Membro a que tiver sido apresentado pela primeira vez o pedido de proteção internacional é obrigado, nas condições previstas nos artigos 23.º, 24.º, 25.º e 29.º e a fim de concluir o processo de determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional, a retomar a cargo o requerente que se encontre presente noutro Estado-Membro sem título de residência ou aí tenha formulado um pedido de proteção internacional, após ter retirado o seu primeiro pedido apresentado noutro Estado-Membro durante o processo de determinação do Estado responsável».

  6. Assim sucedeu no caso dos autos, conforme a factualidade dada como provada: o recorrente confirmou, aquando da entrevista, que tinha formulado um pedido de asilo em Itália e, contactadas as autoridades italianas, as mesmas nada disseram — no que parece corresponder à situação prevista no n.º 2 do citado art.º 25.º e ao estatuído pelo art.º 20.º/5 já transcrito. Com efeito, nos termos do art.º 25.º/2, em conjugação com o n.º 1, do Regulamento Dublin III, a falta daquela decisão expressa corresponde a uma aceitação tácita e determina a obrigação de o Estado Italiano retomar a pessoa em causa.

  7. Todavia, a aplicação sucessiva dos critérios previstos no Regulamento de Dublin para o apuramento do Estado responsável pela apreciação do pedido de protecção internacional é mitigada pela existência de cláusulas que permitem ou impõem aos Estados membros que tomem em consideração outros aspectos e, a final, decidam pela não transferência do requerente de asilo para o Estado que a aplicação singela desses critérios elege como responsável. Estão, por um lado, em causa as designadas “cláusulas humanitárias” dos art.ºs 16.º e 17.º do Regulamento Dublin III, referentes a dependentes ou outros membros de uma família. E, por outro lado, está em causa a actualmente conhecida por “cláusula de salvaguarda”, prevista no artigo 3.º/2, do mesmo Regulamento, que o ora recorrente reclamou para o presente caso.

  8. Assim, porque está em causa a aplicação de direito da União ─ que é, em primeira linha, direito derivado e de aplicação imediata na ordem jurídica nacional ─, todo o normativo resultante da Lei do Asilo (nomeadamente dos seus artigos 19.º-A e 37.º/2) carece de ser interpretado e compatibilizado também com a mencionada cláusula de salvaguarda.

  9. A ponderação da cláusula de salvaguarda ─ que o mesmo é dizer a verificação e apreciação das informações disponíveis e actuais, pertinentes, sobre o procedimento de asilo e sobre as condições de acolhimento praticadas no Estado, em princípio, responsável pela análise do pedido de protecção internacional ─ é um momento obrigatório de ponderação da decisão de transferência, à luz dos deveres de protecção dos direitos fundamentais que obrigam todos os Estados membros.

  10. Segundo a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça da União Europeia, os Estados-membros estão obrigados a não adoptar uma interpretação do direito derivado e, portanto...

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