Acórdão nº 00283/11.0BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Outubro de 2019
Magistrado Responsável | Rog |
Data da Resolução | 18 de Outubro de 2019 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: Infraestruturas de Portugal, S.A.
veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, de 13.02.2019, pela qual foi julgada parcialmente procedente a presente acção administrativa comum, intentada por CP – Comboios de Portugal, E.P.E contra a Recorrente (que sucedeu às Rés REFER e Estradas de Portugal, atenta a fusão, por incorporação, operada pelo Decreto-Lei nº 91/2015, de 29.05) e Município de M...
, peticionando a condenação dos Réus a pagarem-lhe a quantia de 946.611,94 €, acrescida de juros de mora vincendos à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento, e que se cifravam em 229.365,37 € à data da propositura da acção; por requerimento datado de 17.06.2014, veio a Autora pedir a redução do valor do pedido para 391.524,73 €; o Município de M... foi absolvido do pedido, por, quanto a ele, se encontrar prescrito o direito de indemnização.
Invocou a Recorrente para tanto, e em síntese, que a decisão recorrida não fez uma correta apreciação das questões de facto e de natureza jurídica que foram presentes ao Tribunal, e, por isso, sofre de vícios que decisivamente interferiram na prolação da sentença; concluiu que a sentença condenou além do que podia conhecer, cometendo nulidade (artigo 609, n.º 1 e 615º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil); a sentença recorrida violou o disposto no Decreto-lei n.º 48051, de 21.11.67, os artigos 483º nº 1, 487.º, 493º nº 1 e 563.º, todos do Código Civil.
A Recorrida CP – Comboios de Portugal, E.P.E.
apresentou contra- alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
O Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer.
* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1. A decisão de que se recorre merece ser censurada, porque não fez uma correta apreciação das questões de facto e de natureza jurídica que foram presentes ao Tribunal, e, por isso, sofre de vícios que decisivamente interferiram na prolação da sentença.
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A sentença do Tribunal “a quo” julgou parcialmente a ação administrativa comum parcialmente procedente e, em consequência, condenou a R. a pagar à A.: a) a quantia de € 117.423,76, a título de danos emergentes, acrescidos de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos, desde a respetiva citação e até efetivo e integral pagamento; b) 1/3 da quantia que se vier a liquidar, em sede de execução da sentença, a título de dano de privação de uso da UTE sinistrada, durante o período de tempo indispensável à sua reparação, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a sua liquidação definitiva e até efetivo e integral pagamento;” 3. Recorre a IP, por não poder conformar-se, quer de facto quer de direito, com a sentença proferida em primeira instância, assim impugnando quer a decisão aí proferida sobre a matéria de facto e respetiva fundamentação, quer a aplicação que do direito fez a Mmª. Juiz a quo.
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A Recorrida, por requerimento datado de 17/06/2014, veio pedir a redução do valor do pedido para € 391.524,73, calculado da seguinte forma: - € 116.211,50, a título de danos materiais, acrescidos de € 28.260,09 a título de juros de mora, desde a data da citação até 16/06/2014; - € 194.902,07, a título de indemnização pela privação do uso e imobilização e € 47.395,91 a título de juros de mora, desde a data da citação até 16/06/2014; e - € 3.825,00, a título de peritagem do reboque e € 930,16 a título de juros de mora, desde a data da citação até 16/06/2014.
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Como objeto de litígio, cumpre, apreciar e decidir da verificação do preenchimento dos pressupostos de responsabilidade civil extracontratual da Ré, especificamente, e em caso afirmativo, do grau de imputação à Ré e sua relevância, bem como da fixação do quantum indemnizatório.
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Da douta decisão proferida pelo Tribunal Judicial de M...
, decorre que a responsabilidade do acidente foi exclusivamente imputável ao comportamento voluntário ilícito e efetivamente culposo do condutor do camião. “(…) Em suma, a responsabilidade do acidente é exclusivamente imputável ao comportamento voluntário ilícito e efetivamente culposo do condutor do camião, sendo certo que não se provou a existência de qualquer defeito da via rodoviária ou férrea causal do acidente. (…) 7. Com relevância para o conhecimento da presente ação, resultou provada a seguinte factualidade: Q) Perante a imobilização do veículo pesado na PN, o seu condutor tentou ligar, através de telemóvel, para o número de telefone xxxxxxxxx, constante do sinal de aviso ali existente, sem que todavia alguém atendesse; 8. Assim, ao que interessa para o presente recurso e no que concerne ao erro de julgamento quanto à matéria de facto, sendo desta parte e apenas de que se recorre, para fundamentar a prova do facto Q), a douta sentença considerou o seguinte: “Já aqueles descritos no ponto Q) resultaram provados atento os depoimentos prestados pelas testemunhas P. G., A. S. e F. F.
.
Esta última testemunha revelou conhecimento direto da matéria em discussão nos presentes autos pelo facto de exercer a atividade de topógrafo e, no exercício de tais funções, se ter deslocado ao local no dia seguinte ao da ocorrência do sinistro, para a realização de um levantamento.
Aquelas duas primeiras testemunhas afirmaram que, no dia do sinistro, e antes da ocorrência da colisão, o condutor do veículo pesado tentou, por várias vezes e sem sucesso, contactar com o número de emergência assinalado e disponibilizado pela Ré, tendo aliás a testemunha A. S. indicado que o telemóvel daquele apresentava os registos das tentativas de contacto.” 9. Da inquirição das testemunhas, P. G., A. S. e F. F.
, cujos depoimentos se identificaram e transcreverem, infere-se que nenhum, viu o motorista efetuar qualquer ligação para o número de telefone que se encontrava afixado na Passagem de Nível.
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Em abono da verdade, todos os depoimentos se basearam no que lhes foi dito, não através de conhecimento direto.
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O conhecimento deste facto, da alegada ligação para o número de telefone que se encontrava afixado numa placa na Passagem de Nível, é indireto, na medida em que as testemunhas P. G., A. S. e F. F.
, todas referiram o que lhes foi dito, não tendo estado presentes aquando da alegada ligação para o número de emergência, como se infere dos depoimentos.
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Em nenhum depoimento, aquelas testemunhas afirmaram ter visto o condutor ligar para o referido número de emergência, nem tão pouco visualizaram o telefone do motorista.
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Salvo melhor entendimento, a douta sentença recorrida julgou incorretamente a matéria de facto na resposta dada na al. Q), dos factos provados, por a fundamentação não corresponder à prova testemunhal produzida, errando também na aplicação do direito à factualidade em causa.
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O depoimento das testemunhas P. G., A. S. e F. F.
, conjugado com a demais prova produzida e as regras do bom senso, levam necessariamente a concluir que nenhum deles visualizou qualquer contacto telefónico, sendo o conhecimento do ouviu dizer, o que impossibilita a conclusão do não funcionamento do telefone para aquele dia.
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Percorrendo o elenco factual relativo à eclosão do acidente não se vê que o embate tivesse ocorrido especificamente por causa de qualquer falta ou insuficiência da sinalização ou equipamento de segurança, designadamente, em virtude e só porque o número de telefone, alegadamente, não funcionou.
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Ainda que não tivesse sido cumprido esse dever genérico de prevenção do perigo, na medida em que aquela linha telefónica de emergência, alegadamente, não funcionou, não é seguro que este facto negativo tivesse sido a condição necessária do embate, pelo que não existe nexo de causalidade entre essa omissão e o dano.
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Portanto, na comprovada dinâmica do acidente o, alegado, não funcionamento da linha telefónica não pode efetivamente, à luz do critério da causalidade adequada, ser tido como causa real do dano.
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Para se apurar se há ou não responsabilidade por facto ilícito e consequente obrigação de indemnizar torna-se necessário que se verifiquem os seguintes pressupostos da responsabilidade civil: - o facto voluntário, a ilicitude da conduta, o nexo de imputação do facto ao lesante (culpa), a existência de um dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano, conforme decorre do disposto no n.º 1, do artigo 483º, do CC.
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Nos termos do disposto, neste artigo, é estabelecida uma cláusula geral de responsabilidade civil subjetiva, que faz depender a constituição da obrigação de indemnização da existência de uma conduta do agente (facto voluntário), a qual represente a violação de um dever imposto pela ordem jurídica (ilicitude), sendo o agente censurável (culpa), a qual tenha provocado pelo dano (dano), que sejam consequência dessa conduta (nexo de causalidade entre o facto e o dano).
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Percorrendo a matéria de facto assente releva quanto à dinâmica do acidente a circunstância do reboque, tracionado pelo trator, propriedade da empresa “T.
F.
V., Lda. e conduzido por P. S.
, ter ficado assente nos carris e ali ter ficado preso e impossibilitado de sair o reboque atravessava a passagem de nível.
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Estabelece o n.º 2, do artigo 3.º, do Código da Estrada, o dever de diligência, o qual recai sobre os denominados utentes da via que abrange os condutores, peões, passageiros (…) e todos aqueles que, muito embora possam encontrar-se em domínio privado, de algum modo, possam afetar a segurança ou a comodidade dos utentes das vias.
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Nos termos do disposto no artigo 3º, n.º 2, do Regulamento das Passagens de Nível, temos que: “sempre que pretenda atravessar uma PN, o utente é obrigado a respeitar as prescrições da legislação rodoviária e do presente Regulamento, os avisos e sinais afixados nos lugares próprios e as ordens e instruções dadas pelos agentes da entidade gestora da infraestrutura ferroviária.” 23. Decorre...
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