Acórdão nº 729/19.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 07 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução07 de Novembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I.

RELATÓRIO A Administração Central do Sistema de Saúde, I.P.

, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 20/06/2019 que, no âmbito do processo de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, movido por S……….

, julgou a intimação procedente e intimou a Requerida a prestar, em dez dias, a informação requerida.

Formula a aqui Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: “1ª O presente recurso versa sobre a errónea apreciação de factos e errada aplicação de regras, em particular, pela incorreta aplicação das regras legais da Lei de Acesso a Documentos Administrativos (LADA) que subjazeram à decisão recorrida – a Sentença do Tribunal a quo, de 20 de junho de 2019; 2ª Os presentes autos remontam à Decisão de Indeferimento da ora Recorrente, perante o pedido de acesso a informação administrativa formulado pela Intimante. A informação requerida prende-se com os encargos com os tratamentos a doentes com Hepatite C, com os fármacos sofosbuvir e daclatasvir.

  1. A Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), teve a oportunidade de emitir o Parecer n.º 190/2018, de 22 de maio de 2018 onde considerou “não ser impossível fornecer informação sobre a despesa sem incorrer nos perigos e riscos [apontados pela ACSS].

    ” Desta Conclusão, também extrai ora Recorrente a possibilidade de que a informação requerida a ser fornecida, possa contribuir e materializar precisamente os riscos apontados.

  2. Subsequentemente, após ser dirigido pela Intimante o referido pedido de informação, a ora Recorrente indeferiu-o, com base na existência de uma cláusula de confidencialidade nos acordos celebrados com as empresas que comercializam os fármacos de sofosbuvir e daclastavir; pela possibilidade de determinação do preço dos medicamentos e das consequências daí decorrentes, quer pelo prejuízo às referidas empresas, quer no risco de retirada dos fármacos e no respetivo risco para a integridade física e vida dos doentes que deles carecem.

  3. Compulsados os autos, a decisão recorrida considerou não ter sido invocada pela ora Recorrente nenhuma norma legal que consagrasse a restrição de acesso à informação requerida, nem deu por verificada qualquer restrição de acesso nos termos da LADA.

  4. De igual modo, acrescentou que os alegados prejuízos que a concessão poderia causar às empresas responsáveis pela comercialização dos medicamentos em causa não consubstanciam uma restrição legalmente prevista ao acesso da informação requerida.

  5. O Tribunal a quo terminou pugnando pela inexistência de qualquer restrição de acesso à informação requerida, julgando procedente a intimação e condenando a ora Recorrente a prestar à Intimante a informação solicitada.

  6. Na visão da ora Recorrente, o Tribunal a quo laborou em erro. É incorreta a afirmação de que não foi trazida qualquer disposição legal que consagrasse alguma restrição de acesso à informação requerida. Das considerações feitas pela ora Recorrente, quer na decisão de indeferimento quer na Resposta à Intimação retira-se precisamente o contrário, em particular pela existência de acordos de confidencialidade por referência aos contratos de fornecimento celebrados entre o Estado Português e as empresas que comercializam sofosbuvir e daclatasvir.

  7. Dessas considerações resulta desde logo os prejuízos para as mencionadas empresas, por violação dos acordos de confidencialidade, uma vez que é possível a obtenção dos preços dos medicamentos através de uma operação aritmética tendo por base os dados da informação requerida e o número de pacientes tratados, conhecido através de nota pública do INFARMED, I.P.

  8. Essa possibilidade permite descurar uma plausível decisão por parte dessas entidades em retirar os fármacos do mercado nacional, lesando a final, os pacientes com Hepatite C, verificando-se, assim, nessa eventualidade, uma atuação contrária à imposição constitucional dirigida ao Estado em promover o direito à saúde, nos termos do artigo 64.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e, no limite, a própria vida e integridade física dos utentes em causa – artigo 24.º da CRP.

  9. A própria LADA consagra importantes exceções ao direito de acesso a documentos administrativos, nomeadamente quando estejam em causa factos suscetíveis de abalar segredo comercial, como aliás é transcrito na própria decisão recorrida. São, portanto, as disposições do n.º 2, n.º 6 e al. c) do n.º 7 do artigo 5.º do referido diploma.

  10. Dos elementos coligidos pelos autos, era devido um juízo ponderativo, à luz do n.º 6 do artigo 5.º da LADA, o que não se verificou de todo, uma vez que o Tribunal a quo procedeu a um juízo liminar de inexistência de restrição ao acesso a documentos administrativos pela Intimante, olvidando as considerações efetuadas pela ora Recorrente.

  11. O facto de a Intimante não requerer a identificação das empresas que comercializam os referidos medicamentos não deveria ter fundado a decisão do Tribunal a quo em ter por não verificada qualquer prejuízo a ter em consideração, por respeito ao segredo comercial inserido em cada um dos contratos de fornecimento.

  12. Como se viu, pese embora a Intimante não tenha solicitado tais informações adicionais, tem conhecimento direto e qualificado sobre a identidade daquelas empresas, como se poderá alcançar dos pontos 9. e 10. do Documento n.º 5 da Intimação. Tal identidade também é do conhecimento público, uma vez que é mencionada em notas públicas do INFARMED, I.P.

  13. Assim, nunca poderia ser considerado pelo Tribunal a quo não resultar do probatório a identificação de quaisquer terceiros a quem a concessão da informação pudesse causar danos graves e dificilmente reversíveis. Esses terceiros são diretamente as empresas que comercializam os fármacos, a saber: a G…… S….. I….., Ltd. e a B….-M….. S…. P….., EEIG.

  14. Atenta a eficácia terapêutica dos referidos fármacos e os princípios perante os quais assentam as normas terapêuticas emanadas da Direção-Geral da Saúde, em particular, a Norma DGS n.º 028/2017, de 28 de dezembro de 2017, poderá constatar-se que os tratamentos em doentes com Hepatite C radicam em primeira e última análise pela administração de fármacos, apenas se individualizando a dosagem e os momentos de administração medicamentosa o controlo de reações e adesão terapêutica pelos sujeitos elegíveis.

  15. Neste sentido, sendo essa operação aritmética possível, deveria ter o Tribunal a quo efetuado a devida ponderação exigida por lei, nos termos do n.º 6 do artigo 5.º da LADA e do artigo 18.º da CRP e ter tido em conta, não só o confronto entre o segredo comercial e o direito ao acesso a documentos administrativos, mas também as considerações feitas pela Recorrente, nomeadamente quanto à promoção da saúde e o respeito pela vida e integridade física dos utentes com Hepatite C, atentos os artigos 64.º e 24.º da CRP, o que não foi efetuado.

  16. Pesados e ponderados todos os interesses identificados, como dirige o n.º 6 do artigo 5.º, entende a Recorrente que a decisão recorrida poderia ter sido outra que não a tomada, através da prevalência do direito à saúde, da integridade física e vida dos pacientes com Hepatite C, associados ao segredo comercial protegido daquelas empresas em detrimento do acesso aos documentos administrativos solicitados pela Intimante, sendo este bem jurídico derrotado por aqueles, após a devida ponderação.

  17. Pois que, tomando tudo em consideração, como bem eleva o n.º 6 do artigo 5.º da LADA, reconhecida a possibilidade de identificação do preço dos medicamentos inseridos nos tratamentos, quedava não só a ponderação entre os dois bens em confronto (direito ao acesso a documentos administrativos vs. segredo comercial), mas também as decorrências expressas em caso de divulgação, nomeadamente a inserção do conflito à luz da possível lesão do direito à saúde, na sua modalidade de imposição ao Estado em promover o acesso a cuidados de saúde, nos termos do artigo 64.º da CRP, bem como a plausível lesão, em caso de retirada subsequente dos medicamentos, do direito à integridade física e vida dos pacientes com Hepatite C, individualmente considerados, atento o disposto no artigo 24.º da CRP.

  18. Tampouco poderia ser ignorada a vertente do princípio da igualdade (art. 13.º da CRP) que seria posta em causa num cenário de retirada dos fármacos na sequência da divulgação, isto é, pelo diferente acesso aos fármacos em apreço entre os utentes que já foram tratados e efetivamente curados e aqueles que, atenta a possível retirada, deixariam de o ter.

  19. Precisamente, é essa omissão ponderativa que justifica em última análise o presente Recurso, devendo o resultado dessa ponderação ser o de atribuir menor peso relativo ao direito da Intimante e reconhecer por verificada a restrição constante do n.º 6 do artigo 5.º da LADA e, em conformidade, ser revogada a decisão recorrida e ser julgada improcedente a Intimação, absolvendo a ora Recorrente do pedido.”.

    Pede que o recurso seja julgado procedente e, em consequência, revogada a decisão recorrida, julgando-se a intimação improcedente e absolvendo-se a Entidade Demandada do pedido.

    * A ora Recorrida, notificada, apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões: “1. No presente recurso a Recorrente coloca em crise a decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que julgou procedente a intimação de prestação de informação requerida pela Recorrida, isto é, saber qual o valor despendido pelo Estado português no tratamento de pacientes com Hepatite C com os fármacos sofusbuvir e daclatasvir.

    1. Tal informação foi ilegalmente recusada à Jornalista, ora Recorrida, em ofensa ao direito fundamental de acesso à informação administrativa e ao princípio da administração aberta, consagrados nos artigos...

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