Acórdão nº 1660/13.8BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 31 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelTÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Data da Resolução31 de Outubro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acórdão I. RELATÓRIO A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 29.05.2015, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a oposição apresentada por J.......

(doravante Recorrido ou oponente), ao processo de execução fiscal (PEF) n.º 306……, que o Serviço de Finanças (SF) de Lisboa 1 lhe moveu, por reversão de dívidas de IRC do ano de 1999 da devedora originária E...., Lda.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos: “A.

Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a oposição deduzida no processo de execução fiscal nº306……, por dívidas de IRC, do ano de 1999, instaurado contra a originária devedora E......., NIPC 502……, onde foi efectuada a reversão contra o oponente e aqui recorrido, julgando a douta sentença de que se recorre procedente a oposição por o Oponente ter logrado demonstrar que não lhe foi imputável a falta de pagamento das dívidas tributárias, porque os poderes de gestão que lhe foram conferidos não envolviam as áreas financeira e de tesouraria, não estando na sua disponibilidade decidir pagar ou não os impostos.

B.

Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, porquanto considera existir erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, por errada valoração dos elementos constantes dos autos de execução e deficiente análise crítica das provas que lhe cumpria conhecer, e consequente, erro na aplicação dos disposto nos art.s º 74º da LGT e 342º do CC, bem como violou o princípio da investigação plasmado no artº13º, nº1 do CPPT.

C.

A questão a decidir é a de saber se a sentença incorreu em erro de julgamento ao considerar que o Oponente logrou afastar a presunção (legal) de que a falta de pagamento das dívidas tributárias exequendas lhe é imputável.

D.

As dívidas em causa nos presentes autos respeitam aos anos de 1999, pelo que o regime de responsabilidade subsidiária aplicável é o que decorre dos artigos 23º e 24º da LGT, cfr.

Ac. TCAS de 18/12/2008, Recurso nº 02699/08 E.

Tendo a reversão em apreço sido efectuada ao abrigo do disposto na alínea b), do nº1, do artigo 24º da LGT, cabia ao revertido o ónus de alegar e provar factos que permitissem demonstrar que a insuficiência do património da sociedade executada para satisfazer as dívidas em causa nos autos não se deveu a culpa sua, cfr. Ac. do TCAN de 06.04.2006, proferido no processo 00082/01.

F.

Ora, a culpa aqui em causa é a prevista no artº.24, nº.1, da L.G.T., a qual deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - isto, quer se entenda que a responsabilidade em causa tem natureza contratual ou extra-contratual (cfr.artºs.487, nº2, e 799, nº2, do C.Civil) - e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano.(..) Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável, cfr. acórdão do TCA Sul de 21.05.2015, proc. 08445/15.

G.

A culpa relevante na insuficiência do património da empresa não se limita ao incumprimento da obrigação do pagamento imposto mas também a que advém do incumprimento das disposições legais destinadas à protecção dos credores, que impliquem a insuficiência do património societário.

H.

Ora, no caso sub judice não bastava que o Oponente criasse a dúvida no que concerne à sua culpa pela insuficiência patrimonial da originária devedora mas impunha-se que demonstrasse que a situação de insuficiência se ficou a dever a factores exógenos, e que no exercício da gerência, usou da diligência de um bónus pater familiae, consubstanciada em actos susceptíveis de acautelar essa situação.

I.

Com efeito, não resultou da factualidade alegada pelo Oponente concretizada na produção de prova produzida que a devedora originária não dispunha de fundos para pagar os impostos e que a ausência de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável, mediante prova positiva da sua actuação, designadamente que diligências que encetou com vista à manutenção da sustentabilidade da devedora originária.

J.

É por demais evidente que no caso em apreço não foram respeitados estes deveres e o que se sucedeu é que na constância dessas situações de crise, o oponente não tomou as providências judiciais e extrajudiciais com vista à cobrança dos créditos em incumprimento, alheando-se da gestão e do destino da sociedade bem como dos credores.

K.

Ademais, nos autos o que se encontra demonstrado, nomeadamente da audição das testemunhas, é que o Oponente se desinteressou da gestão e do destino da sociedade, bem como dos credores, tal como defende a Digna Procuradora da República acima referida, deixando a gestão da mesma “nas mãos” de outros, aceitando e acatando “planos”, independentemente dos resultados que daí adviessem, conduta totalmente reprovável e contrária à que resulta da diligência de um “bom pai de família”.

L.

Ficou provado nos autos que o Oponente, além de ter assumido, no início de 1999, o cargo de Director Geral juntos das empresas participadas do Grupo C.......em Portugal, foi gerente de facto por procuração desde 24.02.1999, por mandato conferido por deliberação de 29.07.2002 e gerente de facto e de direito desde 22.12.2003.

M.

Da douta sentença de que se recorre resultou que o Oponente exerceu efectivamente a gerência de facto da Originária Devedora, tendo sido apurado que tais actos de gestão foram-lhe conferidos por procuração constante dos presentes autos, a qual incluía designadamente a condução e direcção dos negócios da empresa, contratar e despedir empregados, designaras suas funções e retribuições, bem como actos bancário (..)e. Constituir e levantar depósitos em dinheiro sem qualquer limitação. Efectuar pagamentos e cobranças a qualquer título e quantidade (..).

N.

Daqui resulta inequivocamente que, o Oponente possuía amplos poderes de gestão para a condução do destino da sociedade, mormente para proceder a todos os pagamentos necessários ao giro comercial, aliás passando todos os actos de gestão pelo Oponente, abrangendo todas as áreas da empresa, desde a financeira, aos recursos humanos, ficando assim demonstrado que a sua actuação enquanto gerente não se limitou às áreas comercial e de marketing.

O.

Apesar do Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo ter dado como não provada a interferência do Oponente na elaboração dos planos de tesouraria, a verdade, e conforme consta da factualidade assente, é que aquele limitava-se a verificar que aquele valor que lhe era proposto pagar estava no plano de tesouraria aprovado pela casa-mãe e assinava o cheque respectivo, ou melhor dizendo, era ele que os executava atentos os poderes que lhe tinham sido conferidos por procuração, poderes que o próprio aceitou.

P.

Atento o exposto, ficou devidamente demonstrado que o Oponente tinha pleno conhecimento dos planos de tesouraria e do seu conteúdo, os quais incluíam, de forma discriminada, além de outros pagamentos, os impostos a pagar, compactuando-o assim com as ordens quanto ao seu não pagamento ao executar esses planos e assim conformando-se com o incumprimento inerente, não usando da diligência de um bónus pater familae para evitar aquela situação, abstendo-se de adoptar quaisquer medidas no sentido de obviar aquela situação.

Q.

Desta forma, da factualidade constante dos autos resulta, insofismavelmente, que o Oponente não logrou provar que não agiu com culpa na insuficiência do património social da executada nem na falta de pagamento das obrigações tributárias, antes pelo contrário, citando-se, a propósito, o douto aresto do Ac. TCAN de 09.03.2006, processo nº00067/01.

R.

Não obstante, a falta de comprovação da actuação positiva por parte do Oponente, no tocante à instrução do processo, prescreve o artº13, nº1, do C.P.P.T., corporizando o principio do inquisitório, que enforma todo o processo tributário, que: “Aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer.

S.

Acresce que, o princípio da investigação consagrado no artº99º, nº1 da Lei Geral Tributária e no artº13º, nº1 do CPPT, traduz o poder/dever que o Tribunal tem de esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das contribuições das partes, os factos sujeitos a julgamento, criando assim as bases para decidir.

T.

Em sentido idêntico defende Helena Cabrita [In “A fundamentação de facto e de direito da decisão cível”, Coimbra Editora, pág. 116.], que os poderes inquisitórios conferidos ao juiz na fase de instrução, permite-lhe realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio (artigo 411º do CPC).

U.

“In casu”, atenta a factualidade assente elencada no ponto 2. Matéria de Facto. 2.1. X a BB) do probatório, para que a mesma fosse considerada assente deveria ter sido complementada com prova documental, designadamente os documentos onde eram reportadas todas as receitas à casa mãe; de que forma eram comunicadas as decisões de quais os fundos a destinar a cada uma das unidades e onde eram aplicados; os documentos onde constavam as previsões mensais de tesouraria de todas as receitas e de todas as despesas enviadas a Espanha e respectivas decisões de pagamento emanadas por Espanha e a aprovação de todos os pagamentos, e por conseguinte concluiu-se que o Tribunal “a...

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