Acórdão nº 415/19.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 24 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução24 de Outubro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I.

RELATÓRIO O IRN – Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.

, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 23/05/2019 que, no âmbito do processo de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, movido por K....P.....

, intimou o requerido a prestar, em dez dias, as informações requeridas, conforme teor das alíneas a) a e) do dispositivo da sentença.

Formula o aqui Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: “A) O recurso versa sobre a douta sentença proferida pelo TAF de Sintra, em 24/05/2019 que julgou procedente a intimação do Recorrente IRN, I.P. para prestar informações ao Recorrido; B) Não pode o Recorrente concordar com a douta sentença acima referida; C) Os presentes autos foram instaurados contra a Conservatória do Registo Civil da Amadora, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa; D) No Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi proferida sentença que julgou este mesmo Tribunal incompetente em razão do território, porquanto a requerida Conservatória inserir-se na circunscrição territorial do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra; E) No âmbito desta sentença, não foi dado o direito ao contraditório àquela Conservatória ou ao ora Recorrente; F) A entidade Requerida nos autos originários – a Conservatória do Registo Civil da Amadora, defendeu-se por excepção, alegando a sua ilegitimidade passiva, nos termos do n.º 1 do artigo 105.º do CPTA; G) Em sede da sentença ora em crise, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, considerou-se que “a presente intimação regularmente proposta contra o Instituto dos Registos e Notariado, I.P.”, nos termos do disposto no art. 10º, n.º 4, do CPTA; H) O Recorrente IRN, I.P. tem a sua sede na Avenida D. João II, Torre H, nº 1.08.01D, 5º, em Lisboa; I) A circunscrição territorial competente, nos termos e para os efeitos da lei processual administrativa é o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, e não o Tribunal a quo; J) A incompetência relativa é de conhecimento oficioso por parte do Tribunal a quo, que não o fez; K) A incompetência em razão do território constitui uma excepção dilatória, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 577.º, al. a) e 576.º, nºs 1 e 2, do CPC, que obstam a que o tribunal a quo conheça do mérito da causa, com a consequente remessa ao tribunal competente; L) A presente sentença padece de nulidade, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4, do CPC; Sem prescindir, M) Nos termos do n.º 5 do artigo 6.º da LADA, o acesso por terceiros a documentos nominativos depende do preenchimento de uma de duas condições: “autorização escrita do titular dos dados que seja explícita e específica quanto à sua finalidade e quanto ao tipo de dados a que quer aceder”; ou N) A demonstração fundamentada de “um interesse directo, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação”; O) O Recorrido nunca invocou qualquer razão fundamentada, nem interesse directo pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido, suficientemente relevante para justificar o pretendido direito a tais elementos de identificação de terceiro; P) Sendo que o cartão de cidadão, com as características definidas por lei, toca os fundamentos primeiros do Estado de Direito – como seja, a dignidade da pessoa humana e a liberdade e autonomia dos cidadãos; Q) É a dignidade da pessoa humana que justifica a existência de garantias contra a obtenção e utilização abusivas de informações relativas às pessoas; R) Por outro lado, a difusão de dados pessoais, como a informação constante de documentos de identificação, além de alimentar a intrusão injustificada na esfera da intimidade privada dos cidadãos, favorece, ainda, práticas criminosas como seja a usurpação de identidade e falsificação documental.

  1. Motivos pelos quais se justifica o reforço de tutela e de restrição de acesso aos dados pessoais, constantes do cartão de cidadão.

  2. Os elementos de identificação de terceira pessoa que invocou a mesma identidade do Recorrido, constam do circuito integrado do cartão de cidadão; U) O acesso a esta informação – nomeadamente a morada arquivada no chip do cartão – sem prejuízo do acesso directo das autoridades judiciárias e das entidades policiais para conferência da identidade do cidadão no exercício das competências legalmente previstas, carece de autorização do respectivo titular, nos termos do artigo 13.º, n.º 4 da Lei n.º 7/2007, de 5 de fevereiro; V) Nos termos da lei expressa, não dispõe o Recorrido de legitimidade para aceder à informação requerida, e, em consequência, não pode a mesma ser-lhe facultada, sob pena de violação da lei; X) No que respeita ao pedido de certidão de todos os dados do requerente que foram introduzidos nas diversas bases de dados a que se referem os artigos 35.º, 36.º e 37.º da Lei n.º 7/2007, de 5 de fevereiro, temos que os dados respeitantes ao aqui Recorrido, e dado ter-lhe sido recusada a emissão do cartão de cidadão, não foram tais dados confirmados, e por conseguinte, não foram (nem poderiam ser) transmitidos a quaisquer das entidades legalmente reguladas; Z) Encontram-se legalmente justificadas as razões pelas quais não foi satisfeita a pretensão formulada pelo Recorrido, uma vez que a mesma não se reconduz a mero acesso a informação administrativa procedimental, antes acesso a dados pessoais protegidos e abrangidos por especiais tutelas; AA) tal como tem vindo a ser salientado em diversos fóruns, a usurpação de identidade tem, hoje em dia, por base os dados constantes dos documentos de identificação verdadeiros, e como tal, imperativos constitucionais de segurança, direitos à identidade e à protecção de dados pessoais – consagrados nos artigos 26.º e 35.º da CRP – legitimam e impõe restrições de acesso e de obtenção deste tipo de informações; AB) A matéria subjacente aos presentes Autos, e a pretensão formulada pelo requerente extravasa o plano da informação meramente procedimental, antes se repercute no domínio da esfera jurídica fundamental dos cidadãos.

AC) No caso concreto, atenta a sensibilidade acrescida resultante do facto de estar em curso investigação criminal, de âmbito além fronteiras, impunha à entidade administrativa ainda maiores cautelas; AD) E que, os factos supervenientes vieram por corroborar já que, quanto ao próprio Requerente, se deu como … provado que a nacionalidade portuguesa em nome de K....P..... foi obtida com recurso a falsificação de documentos, qualquer indivíduo que venha posteriormente a solicitar o Cartão de Cidadão português em nome de K....P....., com base no Assento de Nascimento 68….. de 2015 da Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa, comete o crime de falsificação de documentos AF) O que determinou a instauração do processo de averiguações referente a K....P....., com o assento de nascimento n.º 68…./15, com vista o cancelamento da nacionalidade portuguesa e pendente na Conservatória dos Registos Centrais sob o n.º 42…./19 PR2-A/ACB; AG) Ao decidir como decidiu, o M.º Tribunal a quo fez, salvo o devido respeito, uma errada interpretação da lei aplicável ao caso em concreto, ordenando ao Recorrente a prática de um acto infundado e ilegal.

AH) O valor da presente causa, considerando o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 303.º, n.º 1 e 306.º n.º 1, tratando-se de interesses imateriais deveria ter sido fixado em valor equivalente a € 5.000,01.”.

Pede o provimento ao presente recurso, substituindo a sentença proferida por outra que pugne pela improcedência da intimação.

* O ora Recorrido, notificado, apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões: “I. O recorrido outorgou procuração ao advogado signatário, cuja verificação de identidade e assinatura foi feita por notário.

  1. As procurações outorgadas a advogado não carecem de reconhecimento, nem nos termos do disposto no art.º 43º,3 do Código do Registo Civil nem nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 267/92, de 28 de novembro.

  2. Não foi impugnada a procuração junta aos autos nem os poderes de representação outorgados ao advogado signatário.

  3. Não foi alegado, em nenhum momento, que o recorrido – A. nesta ação – não é o titular do assento de nascimento nº 68…. de 2015 da Conservatória dos Registos Centrais.

  4. O registo em causa não foi impugnado em nenhuma ação de Estado nem em nenhuma ação de registo, estando, por isso em vigência plena, por força do art.º 3º do Código do Registo Civil.

  5. O registo em causa faz prova plena do que nele se contém.

  6. O registo foi requerido por procuradora do aqui recorrido, como se vê da certidão.

  7. E está a ser usado para suportar a circulação de um cartão de cidadão e de um passaporte emitidos em nome do aqui recorrido a benefício de um individuo que o IRN não quer identificar.

  8. Não tem o IRN o direito de recusar a informação indispensável ao patrocínio dos direitos e interesses do recorrido, nomeadamente a certidão que o tribunal da primeira instância determinou que fosse passada.

  9. Não há nenhuma prova de que o requerente tenha usado qualquer passaporte falso, nomeadamente porque não era necessário apresentar nenhum passaporte no processo de nacionalidade e porque o processo de nacionalidade foi instruído por procurador.

  10. A postura do IRN é adequada a proteger o usurpador da identidade do aqui recorrido, a pessoa que pediu em seu nome o cartão de cidadão nº 3198….. e o passaporte nº P723…...

  11. Não há quaisquer dúvidas de que o recorrido é o titular dos dados pessoais em causa.

  12. Não se sabe é quem está a abusar...

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