Acórdão nº 397/19.9BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 24 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelSOFIA DAVID
Data da Resolução24 de Outubro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I - RELATÓRIO G........ intentou a presente acção administrativa no Tribunal Administrativo de Círculo (TAC) de Lisboa impugnando o despacho do Director Nacional (DN) do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), de 23-01-2019, que considerou infundado o pedido de protecção internacional apresentado pelo Requerente. Mais requereu a concessão do direito de asilo ou, subsidiariamente, a autorização de residência por protecção subsidiária.

Inconformado com a decisão o Recorrente apresentou as suas alegações, onde formulou as seguintes conclusões: “1) O Tribunal a quo, na douta sentença proferida, ao julgar improcedente o requerimento inicial, negou asilo e proteção subsidiária à Recorrente; 2) A douta sentença não fez análise pormenorizada da atuação política do Recorrente que ensejou a perseguição e consequentemente o pedido de asilo: 3) A douta sentença foi proferida sem a análise pormenorizada do pedido de proteção subsidiária; 4) O Recorrente corre perigo o risco de ser preso injustamente por defender ideias contrárias ao governo e ainda risco à integridade física e à sua vida no caso de retorno ao RDC; Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, com as legais consequências, fazendo-se assim JUSTIÇA!” O MAI nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “8º - Subsidiariamente, e com os fundamentos supra expostos, deve improceder o pedido de condenação do SEF de admissão do pedido de proteção internacional.

  1. O ato administrativo cuja nulidade é requerida encontra-se legalmente enquadrado face ao disposto na Lei n.º 27/2008 de 30/6.

  2. O conteúdo específico do interesse público em causa encontra completa e legítima identificação no procedimento prosseguido, que respeitou todas as garantias da Recorrente.

  3. Em suma, o recurso deve ser considerado improcedente, uma vez que a sentença impugnada foi proferida nos termos e respeito dos princípios e normas aplicáveis.” Foram os autos ao Digno Magistrado do Ministério Público, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 146.º do CPTA, que se pronunciou no sentido da improcedência do recurso.

Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

II – FUNDAMENTAÇÃO II.1 – OS FACTOS A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto, que não vem impugnada, pelo que se mantém: 1. No dia 20.1.2019, em voo proveniente de Casablanca, Marrocos, G........, ora A., chegou ao Aeroporto Internacional de Lisboa, onde se identificou como G........, de nacionalidade congolesa, e lhe foi recusada a entrada em território nacional por não ser titular de documentos de viagem válidos (uso de passaporte alheio, francês) (cfr. de fls. 2 a 25 do p.a.); 2. Em 20.1.2019 formulou pedido de asilo (cfr. de fls. 2, 26 a 29, 31 do p.a.); 3. Em 26.3.2019 foi enviado fax ao CPR informando sobre o pedido de asilo que antecede (cfr. de fls. 2 do p.a.); 4. Em 22.1.2019, o ora A., no âmbito do processo de asilo nº 100/19, prestou declarações que se encontram assim transcritas: “(...) Aos 22 de janeiro de 2018, pelas 14h00, no Posto de Fronteira do Aeroporto de Lisboa, perante mim, P........, Inspetor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, compareceu o cidadão que se identificou como G........, melhor identificado nos autos, que, na presença do intérprete de língua lingaka M……, respondeu da seguinte forma às questões que lhe foram colocadas relativas ao pedido de proteção internacional por si efetuado: Pergunta (P). Que língua(s) fala? Resposta (R). Lingala e um pouco de francês.

  1. Em que língua pretende efetuar esta entrevista? R. Lingala.

  2. Fala português também? R. Um pouco. Vivi há muitos anos em Luanda.

  3. Tem advogado? R. Não.

  4. Sente-se bem, está confortável? Sente-se capaz de conversar comigo neste momento? R. Sim.

  5. Tem algum documento que comprove a sua identidade? R. Não.

  6. Com que documento viajou? R. Com um passaporte francês que comprei em Marrocos.

  7. Não se tratava da sua identidade então, nesse passaporte francês.

  8. Não.

  9. É nacional de que país? R. Da República Democrática do Congo (RDC), Kinshasa.

  10. Quando saiu do seu país como viajou? R. Deixei a carta de eleitor e diploma de estudos, saí muito à pressa. O passaporte congolês que tinha já está caducado (...) P. Como saiu do seu país? Que documentos utilizou? R. Viajei para Brazaville sem documento. Daí para Marrocos utilizei um documento do Congo Brazaville, pois eles não precisam de passaporte para ir para Marrocos.

  11. Esse documento da República do Congo, como obteve? R. Comprei-o a um conhecido.

  12. Quando saiu de Kinshasa? R. A 18 de agosto de 2018, para Brazaville.

  13. Quanto tempo ficou em Brazaville? R. Dois meses e meio.

  14. E depois disso? R. Fui para Marrocos. Cheguei a 25 ou 26 de outubro de 2018.

  15. É casado? R. Solteiro.

  16. Tem filhos? R. Tenho três filhos.

  17. Onde se encontram? R. Sim, estão com a mãe deles, em Kinshasa.

  18. Pratica alguma religião.

  19. Católico.

  20. Sente pertença a alguma etnia? R. Sengele.

  21. Na RDC vivia onde? R. Em Kinshasa.

  22. Sempre viveu em Kinshasa? R. Sim, desde que nasci.

  23. Vivia com quem? R. Sozinho.

  24. Não vivia com a mãe dos seus filhos? R. Não, ela já é casada.

  25. Tem família na RDC, para além dos seus filhos? R. Os meus pais já morreram. Tenho duas irmãs mais novas em Kinshasa.

  26. Qual é o seu nível de estudos? R. Tenho certificado de universidade de educação física e ciência natural.

  27. Trabalhava na RDC? R. Sim, era professor de educação física e ciência natural, biologia.

  28. Onde dava aulas.

  29. No Lycee Montaigne.

  30. Antes desta viagem que o trouxe até à Europa, que iniciou em outubro de 2018, já tinha viajado para fora da RDC? R. Sim, em 1992, para Luanda.

  31. Qual foi a razão dessa viagem? R. Nessa altura ainda era estudante, havia uma greve de professores, e aventurei-me em Angola, a ver como corria.

  32. Correu bem? Permaneceu muito tempo? R. Não correu bem, houve guerra, por causa das eleições, entre Savimbi e Eduardo. Em dezembro de 1992 os estrangeiros, como eu, fomos mandados de volta para os nossos países.

  33. Porque razão abandonou a RDC e se encontra agora a pedir proteção internacional? R. Eu fui professor, ganhava 90 dólares por mês. Com mulher e filhos não é fácil sobreviver. Nós não tínhamos direito a reclamar aumento de salário. Trabalhávamos muito. Às vezes tinha cinco aulas por dia. Chegava a casa muito cansado, incapaz de satisfazer a minha companheira. Passei a ser representante sindical dos professores. Fizemos muito barulho sobre tudo isso. Não sabia que o diretor da minha escola era também alguém que fazia política, se bem que de forma indireta. Todas as vezes que fazíamos reclamações, barulho, ele fazia denúncias junto do governo. Uma vez fui interpelado pela polícia que perguntou porque fazia eu esses protestos. Eu não sabia até quem informava a polícia sobre o que fazia. Todas as vezes que programávamos algo como greve de professores já as autoridades estavam informadas. Percebemos que alguém no meio de nós estava a denunciar as coisas. Continuei a fazer barulho e comecei a ser acusado de fazer política. Eu não faço política. Não tenho essa capacidade de fazer político. Era adepto do MPR mas não fazia política. Segui uma formação de ativista de direitos humanos, de defensor de direitos humanos. Com essa formação tinha outro valor para os meus colegas e amigos. Com tudo isso comecei a ter muitas dificuldades, muitas ameaças por parte do governo. Na nossa terra quando você começa a criticar o salário, significa que você está a criticar o governo e tal não é permitido. Ouvi falar que no ano escolar de 2018/2019, no início do ano, que seríamos apanhados ou detidos. O governo estava à nossa espera, quando começássemos as aulas, que iríamos ser detidos. Eu comecei-me a perguntar, eu ainda trabalho, mas a minha família não come bem, os meus filhos não andam normais na escola, como vão ficar eles quando eu for detido? Decidi sair, fugir, evitar que essas coisas aconteçam. O conhecimento que eu tenho do meu país, eu seria detido e nunca seria julgado. Não sei como isso ia acabar, porque há quem esteja mais de 20 anos preso. Eu não tenho quem me apoie, foi por isso que decidi fugir.

  34. Quando se começou a dedicar ao sindicato? R. Em 2007.

  35. Disse que era simpatizante do MPR? Que significa essa sigla? R. Movimento Popular da Revolução.

  36. O seu sindicato qual era? R. Era o Synecat, que era só dos professores. Trabalhava também com o TT, que significa Todos ao Trabalho.

  37. Está com o Synecat desde 2007? R. Que significa Synecat? Pode escrever? R. Sindicalista Rede Qualificação.

  38. Quais são as suas funções dentro desse sindicato? R. A nível da escola onde eu dava aulas, eu era um dos representantes da escola, dos professores, junto do sindicato. Não tinha exatamente uma função, mas participava nas reuniões, onde podia dar opiniões.

  39. Onde fica localizada a escola onde lecionava? R. No bairro de Ksavubu.

  40. Onde era a sede do Synecat? R. Não tinha um espaço próprio para as reuniões, recebíamos avisos sobre o local antes das reuniões? P. E tinha algum dirigente, o Synecat, alguém que falasse em nome do sindicato? R. J…...

  41. Não recorda o nome de outros dirigentes? R. Não.

  42. O liceu onde lecionava era publico ou privado? R. Era público, do Estado.

  43. Tinha ligação à Igreja Católica? R. Não. Sem ligação alguma.

  44. Disse ter sido alvo de ameaças, de que tipo? R. Primeiro fui interpelado pela polícia, depois recebia mensagens no telemóvel, e chamadas, a dizerem- me que era melhor deixar o sindicato, que seria melhor para mim, deixar de reclamar.

  45. Quando foi interpelado pela polícia que lhe disseram? R. Que devia deixar de fazer barulho, se não quisesse ser professor para deixar esse trabalho e ir fazer outro trabalho.

  46. Quando foi alvo desse tipo de ameaças pela primeira vez? R. Logo quando me envolvi no sindicato, em 2007.

  47. E desde então, esse tipo de ameaças tem vindo a repetir-se? R. Sim...

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