Acórdão nº 689/19.7BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 24 de Outubro de 2019
Magistrado Responsável | ANA CELESTE CARVALHO |
Data da Resolução | 24 de Outubro de 2019 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO O…..
, devidamente identificado nos autos de ação administrativa urgente instaurada contra o Ministério da Administração Interna, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 09/06/2019, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou a ação improcedente, relativa ao pedido de impugnação da decisão de 18/03/2019 que considerou o pedido de asilo inadmissível, assim como o pedido de proteção subsidiária e determinou a sua transferência para Espanha, por ser o país responsável pela análise e apreciação do pedido.
* Formula o Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: “1.ª O art. 17º, nº 1 prevê que o SEF elabora um relatório escrito com as informações essenciais, sendo sobre este relatório que ao requerente é facultada a possibilidade de se pronunciar, no prazo de 5 dias, sendo ainda esse relatório comunicado ao representante do ACNUR e ao CRP (nºs 2 e 3).
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Tal significa que o requerente do pedido de protecção internacional tem direito a ser ouvido sobre as informações essenciais ao seu pedido constantes de um relatório escrito que as indique, assim se assegurando a audiência do interessado.
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No entanto, do procedimento administrativo seguido (e que se encontra descrito nos factos provados), verifica-se que não foi elaborado o relatório contemplado no art. 17º, nº 1 da Lei 27/2008, sobre o qual o requerente se pudesse ter pronunciado, não podendo considerar-se como “relatório”, as declarações do próprio requerente.
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A falta da elaboração desse relatório, tem que ser considerada como preterição de uma formalidade essencial que a lei prescreve, e que determina, consequentemente, que não tenha sido possível ao requerente pronunciar-se nos termos do nº 2 do referido art. 17º.
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Ao contrário do que refere a douta sentença recorrida, o resumo da entrevista efectuada pelo R/Recorrido ao A/Recorrente na sequência da formulação do seu pedido, não pode assumir a forma de relatório, nem a informação quanto aos critérios de determinação do Estado Membro responsável pela análise do seu pedido de protecção internacional pode ser considerada como equivalente à audiência prévia, não bastando a possibilidade de pronúncia, no momento da entrevista, quanto à eventual decisão de tomada a cargo a proferir pelo Estado onde o pedido foi apresentado.
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Há, como tal, preterição da audição do interessado, porque não foi respeitado o formalismo previsto no art. 17º, nºs 1 e 2 da Lei nº 27/2008, o que conduz à anulação do acto impugnado (art. 163º, nº 1 do CPA) – cfr. Ac. STA, de 18 de Maio de 2017, processo n.º 0306/17, disponível em www.dgsi.pt.
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A aplicação o artigo 17º, n.º 2, da Lei de Asilo não pode ser afastada pelos artigos 36º e seguintes da referida Lei, não se verificando qualquer especialidade.
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Como foi decidido pelo douto Ac. STA supra-referido, o pedido de protecção internacional (cfr. artigos 3º, 4º e 7º da Lei de Asilo) tem um procedimento único, estando a sua tramitação prevista nos artigos 10º a 22º da referida Lei, se o pedido de protecção internacional for formulado junto do Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF.
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“In casu”, foi o que aconteceu, pelo que o Recorrido encontrava-se obrigado a elaborar o relatório previsto no artigo 17º, n.º 1 da Lei de Asilo e notificá-lo ao requerente, ora recorrido, para pronúncia deste em 5 dias.
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Igualmente, nos termos do n.º 3, do art.º 17º, da Lei de Asilo, tal relatório devia ter sido notificado ao ACNUR e ao CPR, o que não aconteceu.
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O recorrido tinha o direito a ser ouvido sobre as informações essenciais ao seu pedido, pelo que, ao preterir tal formalidade, o recorrente violou o artigo 17º, n.ºs 1, 2 e 3 da Lei de Asilo.
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Assim, a douta sentença recorrida violou o artigo 17º, n.ºs 1, 2 e 3, da Lei de Asilo.”.
Pede que o recurso seja julgado procedente e a sentença recorrida seja revogada.
* O Recorrido contra-alegou o recurso, tendo formulado as seguintes conclusões: “1ª – Deve improceder o pedido de condenação do SEF de admissão do pedido de proteção internacional.
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– De harmonia com o art.º 13º nº 1 do Regulamento (UE) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, e o art.º 37º nº 1 da Lei de Asilo, o ora recorrido procedeu à determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo, procedimento regido pelo art.º 36º e seguintes da Lei 27/2008, de 30 de Junho (Lei de Asilo) tendo, no âmbito do mesmo, sido apresentado, aos 27/02/2019, pedido de tomada a cargo às autoridades espanholas, que culminou com a aceitação, aos 18/03/2019, por parte das referidas autoridades; 3ª – Consequente e vinculadamente, por despacho da Diretora Nacional do ora recorrido, proferido aos 18/03/2019, nos termos dos artºs 19º-A nº 1 a) e 37º nº 2 da citada lei, foi o pedido considerado inadmissível e determinada a transferência do requerente para Espanha, Estado-Membro responsável pela análise do pedido de Asilo nos termos do citado regulamento, motivo pelo qual o Estado português se torna apenas responsável pela execução da transferência nos termos dos artºs 29º e 30º do Regulamento de Dublin; 4ª – O ora recorrido deu início ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de asilo, que culminou com o apuramento de que essa responsabilidade pertencia à Espanha (cf. art.º 13º n.º 1 do citado Regulamento (UE) 604/2013 e art.º 37º nº 1 da Lei n.º 27/2008 (Lei de Asilo)), que a aceitou, impondo a lei como consequência imediata (vinculada) que fosse proferido o ato de inadmissibilidade e de transferência; 5ª – “Estamos, portanto, perante um ato estritamente vinculado, sendo que a validade dos atos praticados no exercício de poderes vinculados tem de ser feita em função dos pressupostos de facto e de direito fixados por lei, ou seja, pela confrontação da factualidade dada como provada com a consequência jurídica imediatamente derivada da lei (…) é a própria Lei nº 27/2008, de 30 de Junho, que no seu artigo 37.º, n.º 2, lhe impunha a atuação levada a efeito” (cf. Acórdão do TCA SUL de 19/01/2012, proc. nº 08319/11); 6ª – Resulta, pois, incompreensível o alegado pela ora recorrente da anulabilidade do ato administrativo, por considerar que “(…) verifica-se “in casu”, a preterição de formalidade essencial, como seja a falta de elaboração do relatório e a audição do interessado, nos termos do art.17.º, n.º 1 e 2 da Lei do Asilo (…)” (…), porquanto, ao arrepio do aí sustentado, à situação vertente não se aplicam os trâmites procedimentais (comuns) do pedido de proteção internacional previstos na Secção I do Capitulo III da Lei de Asilo (entre as quais o art.º 17º); 7ª – Pelo contrário, porque se procedeu à determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo, aplica-se-lhe o disposto no art.º 36º e seguintes, ou seja, as disposições do Capitulo IV da citada lei, que regem sobre o procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, art.º 17º nº 2 da citada lei; 8ª – A alegada violação do art.º 17º nº 2 da Lei de Asilo não procede, pois não é aqui aplicável, afastada pela natureza “especial” do procedimento plasmado no art.º 36º e seguintes da Lei de Asilo, tal como se comprova do nº 7 do art.º 37º que estipula que “Em caso de resposta negativa do Estado requerido ao pedido formulado pelo SEF, nos termos do nº 1, observa-se o disposto no Capítulo III”; 9ª – Ou seja, no teor literal da lei, só na eventualidade da Espanha declinar a tomada a cargo é que haveria lugar, por expressa determinação, á aplicação do Capítulo III, mormente do art.º 17º, mas como in casu, a Espanha aceitou a retoma, tal afasta decisivamente a aplicabilidade das normas do capítulo III, incluindo o art.º 17º, à situação vertente; 10ª – O procedimento de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional (que culminou com a aceitação da tomada a cargo por parte do estado requerido-Espanha) antecede e fundamenta que o pedido apresentado seja considerado inadmissível e seja determinada a transferência da análise do pedido; 11ª – Em sede do dito procedimento (de determinação), regulado no art.º 37º não se encontra legalmente previsto qualquer relatório, e por maioria de razão, qualquer notificação do mesmo para efeitos de pronúncia, pelo contrário, do mesmo decorre, de acordo com o seu nº 2, a vinculação do ora recorrido a proferir a decisão de inadmissibilidade, bem como de dar execução á transferência, de acordo com o art.º 38º da lei de Asilo; 12ª – “1 – A matéria relativa à audição do interessado relativamente às decisões de inadmissibilidade do pedido de proteção Internacional e transferência de um requerente de proteção internacional, proferidas na sequência de uma decisão de aceitação de retoma a cargo por parte de um outro Estado-Membro, encontra-se regulada no art.º 5°, do Regulamento (UE) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de junho de 2013. II — Nesse art.º 5°, do Regulamento (UE) n.º 604/2013, não se encontra prevista a obrigação da autoridade nacional, e antes da prolação das decisões de inadmissibilidade do pedido de proteção internacional e transferência de um requerente de proteção internacional, informar o interessado de que pretende considerar inadmissível o seu pedido e transferi-lo para outro Estado-Membro e comunicar-lhe os argumentos com que pretende fundamentar tais decisões.
” – cfr. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 18/10/2018, proc. 1177/18.4BELSB.
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– Verifica-se, assim, que a Entidade Demandada, observou as exigências previstas no artigo 5º do Regulamento supra mencionado, tendo realizado, antes da decisão que determinou a transferência, uma entrevista pessoal com o ora Recorrente e, bem assim, elaborado um resumo escrito, através de...
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