Acórdão nº 2073/12.4BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 10 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelALDA NUNES
Data da Resolução10 de Outubro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: Relatório A.......... intentou ação administrativa especial contra o Ministério da Administração Interna, pedindo que seja considerada inválida a notificação do despacho do Chefe do Núcleo Regional de Vistos e Autorizações de Residência, da Direção Regional de Lisboa e Vale do Tejo, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de 22.05.2012, que indeferiu o pedido de concessão de autorização de residência, por vício de violação de lei, ou, caso assim não se entenda, a anulação do referido despacho, pelos vícios de forma e violação de lei que o inquinam, bem como a condenação da Entidade Demandada na prática do ato de concessão de autorização de residência, nos termos do artigo 122º, nº 1, alínea j), da Lei nº 23/2007de 4.7, por falta de ligação efetiva da requerida à comunidade nacional, se ordene o arquivamento do processo pendente na Conservatória dos Registos Centrais conducente ao registo da aquisição dessa nacionalidade.

Por sentença do TAC de Lisboa a ação foi julgada procedente e, em consequência, foi: i) anulado o despacho do Chefe do Núcleo Regional de Vistos e Autorizações de Residência da DRLVTA do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de 22.5.2012, que indeferiu o pedido de concessão de autorização de residência, com dispensa de visto, formulado pelo autor; e ii) condenada a entidade demandada a prosseguir com a análise do pedido de autorização de residência formulado pelo autor, em conformidade com as vinculações anteriormente enunciadas.

Inconformado, o Ministério da Administração Interna/ SEF interpôs recurso para este TCA-Sul, tendo nas alegações formulado as conclusões seguintes: «A – A decisão judicial julgou indevidamente inconstitucional a norma aplicada pelo SEF.

B – A Administração, estaria impreterivelmente vinculada à aplicação da norma em causa, por força e ao abrigo do princípio da legalidade, vide o disposto no n.º 2 do artigo 266º e n.º 1 do artigo 3º do CPA, enquanto o Tribunal Constitucional não declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma (cfr. artigos 281º e 282º da CRP).

C - Ainda que se anuísse no juízo de inconstitucionalidade, da norma, que não se anui, o facto é que a administração não estaria, ainda assim, e nessa circunstância, habilitada constitucionalmente, como sucede com os tribunais (cfr. artigo 204º da CRP), a desaplicar, na situação concreta, essa norma - sem considerar os casos excecionais relacionados com Direitos, Liberdades e Garantias, e em que tal desaplicação é comumente aceite e permitida.

D – A aplicação da norma em causa não configura uma situação de violação do princípio da proibição do efeito automático das penas, do n.º 4 do artigo 30º da CRP, em virtude de não ter afetado negativamente qualquer direito civil, profissional ou politico.

E - A aplicação da norma em questão, pela Administração, não teve como efeito necessário/automático a perda “…dos direitos civis de residência e permanência em território nacional.”, do Autor, que inexistem.

F - O direito de residência e permanência dos cidadãos estrangeiros em TN inexiste no ordenamento jurídico português.

G - A Constituição em parte alguma do seu articulado concede ou garante direitos desse tipo aos cidadãos estrangeiros que se encontrem em território nacional, mesmo considerando os princípios constitucionais e direitos fundamentais invocados.

H – O alegado direito constitucional ou legal à legalização e à concessão de autorização de residência aos cidadãos estrangeiros em território nacional inexiste no ordenamento jurídico português.

I - A entrada e permanência de cidadãos estrangeiros em território nacional é uma prerrogativa ligada à soberania dos Estados, que geralmente dela não abdicam, e que nessa medida se traduz invariavelmente na proibição constitucional de concessão indiscriminada aos cidadãos estrangeiros de qualquer direito de entrada ou permanência nos seus territórios.

J - Como referem J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA “…não só não existe um direito dos estrangeiros a entrarem e fixarem-se em Portugal, como não gozam de um direito absoluto de permanecerem em território nacional, podendo ser extraditados e, verificadas certas condições, expulsos.”.

K – Como se decidiu no Acórdão 442/936 “Não resulta, porém, violado o referido preceito constitucional quando o arguido, de nacionalidade turca e residente na Holanda, condenado ope legis na pena acessória de expulsão, como decorrência da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, não era titular do direito de entrada e permanência em território nacional português, já que a aplicação da norma de direito ordinário – determinante da expulsão automática não envolveu, ponderado o circunstancialismo do caso concreto, a perda ou privação de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos existentes.” (sublinhado nosso).

L - Como igualmente se explicita no Acórdão 288/94, que considerou violado o princípio da proibição do efeito automático das penas, no caso de expulsão de um cidadão estrangeiro autorizado a residir em território nacional, que, “…na hipótese de tais direitos inexistirem, não se poderá dizer que da expulsão resulte a respetiva privação.”.

M – Inexistindo o direito de residência e permanência dos cidadãos estrangeiros em TN, não se pode falar em perda ou privação de qualquer direito.

N - Finalmente, a aplicação da norma em causa faz soçobrar a condenação do SEF no prosseguimento da análise do pedido».

O recorrido, devidamente notificado, não apresentou contra-alegações de recurso.

A Exma. Procuradora Geral Adjunta, notificada nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º, ambos do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso, devendo ser revogada a sentença recorrida.

Colhidos os vistos vêm os autos à Conferência para decisão.

Fundamentação De facto.

Na sentença recorrida foi fixada a seguinte matéria de facto: A. «O Autor nasceu, em 12.09.1969, na República da Guiné-Bissau e tem nacionalidade guineense. – Cfr. fls. 25 do suporte físico dos autos e fls. 3 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; B. Em 11.06.2008, foi emitido, em nome do Autor, o título de residência n.º P000....., com validade até 16.05.2010, que titula a autorização de residência temporária para o exercício de atividade profissional. – Cfr. fls. 13 e 20 do suporte físico dos autos e fls. 2 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; C. Em 08.10.2009, o Autor foi condenado, por Acórdão da 2.ª Vara Criminal de Lisboa, proferido no processo n.º 36/09.6JELSB, em pena de prisão efetiva, de 4 anos 6 meses, pela prática, no dia 26.01.2009, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, decisão que transitou em julgado em 08.02.2010. – Cfr. fls. 5-7 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; D. Em 29.03.2012, por decisão do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, proferida no processo n.º 7077/10.9TXLSB-A, ao Autor foi concedida a liberdade condicional, por prazo de duração igual ao tempo de prisão por cumprir, a contar da sua libertação até 26.07.2013. – Cfr. fls. 7 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; E. O Autor foi preso no Estabelecimento Prisional de Sintra, no dia 26.01.2009, e saiu em liberdade condicional, no dia 30.03.2012. – Cfr. fls. 4 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; F. Consta assinado pelo Autor e pelo representante da M.......... Ld.ª, com data de 16.04.2012, o instrumento intitulado “Contrato de Trabalho a Termo Certo” de cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, se extrai o seguinte: “Entre: M.........., Lda (…), doravante designado como Primeiro Contraente; E A.......... (…), doravante designado como Segundo Contraente e entre os contraentes é celebrado um contrato de trabalho a termo certo que se regerá da seguinte forma: Cláusula Primeira Termo Certo e Vigência 1- O presente contrato é celebrado a termo certo pelo período de seis meses com início em 16 de abril de 2012.

2- Não havendo rescisão de ambas as partes este contrato autorrenova-se por igual período de tempo.

(…) Cláusula Terceira Objeto do Contrato/funções e Categoria 1- A primeira contraente admite ao seu serviço o segundo contraente para exercer as funções de Pintor de Segunda no âmbito de construção civil.

(…) Cláusula (…) Quarta Local de trabalho O local de prestação de trabalho de segundo contraente, será na sede da primeira contraente, sita em S.........., Forno de Algodres e, inerente à especialidade da atividade a desempenhar, em outros locais onde a primeira contraente tenha obras a seu cargo.” – Cfr. fls. 8-11 do PA; G. Em 17.04.2012, o Autor residia na rua .........., n.º 87, 1.º Esq.º, na freguesia da Penha de França, em Lisboa, com Au.........., de nacionalidade portuguesa, natural da República da Guiné-Bissau. – Cfr. fls. 17-18 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; H. Em 24.04.2012, o Autor formulou, junto à Direção Regional de Lisboa, Vale do Tejo e Alentejo do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, um pedido de autorização de residência temporária, ao abrigo do disposto no artigo 122.º, n.º 1, alínea j), da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho – Admitido por acordo; cfr. fls. 1 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente...

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