Acórdão nº 540/11.6BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelTÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Data da Resolução30 de Setembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acórdão I. RELATÓRIO A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 31.10.2012, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por H……….

(doravante Recorrido ou Impugnante), que teve por objeto a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), relativa ao ano de 2008.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos: “I. Visa o presente recurso reagir contra a mui douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida por H........

, relativamente à liquidação efectuada em sede de Imposto s/ o Rendimento das pessoas Singulares, para os exercícios de 2008, no montante total de € 11.839,48 (onze mil oitocentos e trinta e nove euros e quarenta e oito cêntimos).

  1. A fundamentação da sentença recorrida assenta, em síntese, no entendimento de que encontrando-se preenchidos os pressupostos da Lei 7/2001 de 11/5 (unidos de facto) podia o Impugnante optar, como fez, pela aplicação daquele regime à declaração de rendimentos em sede de IRS, entregue para o ano de 2008.

  2. Destarte, salvo o devido respeito que a Douta Sentença nos merece, e que é muito, somos de opinião em que esta ao ancorar-se no Douto Acórdão n.º 04550/11 de 07.04.2011 do TCA Sul procedeu à errónea interpretação numa primeira linha, dos factos e probatório constante dos autos, e numa segunda linha dos preceitos legais aplicáveis.

  3. Impõe-se assim com toda a justeza a devida notação àquele Douto Acórdão ao abrigo do qual se acolhe a Douta Jurisprudência, e à sua relação com os normativos fiscais, bem como aos pressupostos da aceitação fiscal da união de facto sendo que se tratam de normas que não admitem presunção e ilisão, conforme se verifica da leitura directa daqueles normativos.

  4. Acresce que a matéria controvertida, objecto dos presentes autos, se situa numa primeira abordagem no âmbito do exercício pessoal de direitos de opção do sujeito passivo e só posteriormente no âmbito das normas de incidência tributária, razão pela qual não são estas objecto de qualquer presunção, logo inilidíveis, precisamente pelas suas características e natureza de direitos de opção.

  5. Revertendo assim imediata e integralmente a sua prova para a esfera jurídico tributária do contribuinte nos termos gerais do ónus da prova, previsto no artigo 74.º da LGT, na medida em que se tratam precisamente de situações de direitos invocados pelo contribuinte.

  6. Constata-se então, que estamos perante uma lei que permite que aqueles que reúnam os pressupostos constantes da lei 7/2001 possam optar pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados.

  7. Contudo refere expressamente o artigo 14.º do CIRS, mormente, no seu n.º 2, que a aplicação daquele regime depende da identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos durante o período exigido pela lei, para verificação dos pressupostos da união de facto, e durante o período de tributação.

  8. Até aqui parece existir sintonia nas posições de ambas as partes, Administração Fiscal e Impugnantes, porquanto, se entende que a aplicação daquele regime depende da identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos durante dois anos.

  9. Importa então agora retirar da Lei Fiscal o conceito de domicílio fiscal, ou seja, aquilo que à luz das normas tributárias se entende por domicílio fiscal dos Sujeitos Passivos, e verificar se é o mesmo que serve de base ao reconhecimento da Lei 7/2001 de 11/5, sendo então este coincidente com o domicilio voluntário ou geral, previsto no artigo 82.º do Código Civil.

  10. E parece retirar-se da Lei 7/2001 de 11/5 que esta não é muito exigente na prova desses pressupostos de residência conjunta, contudo, em termos fiscais, verifica-se a exigência do cumprimento de alguns pressupostos para esse efeito.

  11. Para efeitos de ser considerado para efeitos fiscais o estado de unidos de facto, mostra-se necessário e obrigatório que previamente os unidos procedam à entrega à AT duma comunicação de domicilio fiscal conjunto, mediante impresso disponibilizado pela AT, sendo ineficaz qualquer mudança de domicilio fiscal, desde que não participada.

  12. E daqui derivam imediatamente duas obrigações fiscais, ou seja, é obrigatória a comunicação do domicilio conjunto e este ultimo só produz efeitos a partir da data da sua apresentação, não produzindo a mesma quaisquer efeitos rectroactivos, imediatamente anteriores à sua entrega.

  13. Temos então que se faz depender a aplicação do regime da união de facto, para efeitos fiscais, na conjugação de três pilares basilares, que são, Identidade de residência, por um período de dois anos, a obrigatoriedade de comunicação do domicílio fiscal das partes à Administração Tributária mediante impresso próprio e a ineficácia da identidade de residência antes de decorridos dois anos sobre a sua competente participação em impresso normatizado próprio.

  14. Ou seja, e dito de outro modo, só depois de decorridos dois anos após participação fiscal de identidade de residência em termos de número de contribuinte, é que os Sujeitos Passivos podem exercer o direito de opção pelo regime da união de facto em sede fiscal.

  15. Temos então que o artigo 14.º do CIRS é um comando normativo de natureza totalmente imperativa, como tal trata-se de um comando que se impõe directa e imediatamente aos particulares, sendo insusceptível de ser afastado pela vontade destes, sendo também assim insusceptível de ilisão, porquanto, a lei refere expressamente que se trata duma obrigação, que só produz efeitos a partir da sua apresentação, sendo ainda consabido que só as presunções e nunca as obrigações, são passíveis de serem ilididas.

  16. Portanto, facilmente concluímos que imediatamente antes de qualquer exercício de opção pelo regime da união de facto, e em sede de IRS, o Impugnante tem a prévia obrigação de comunicação do seu domicílio fiscal à Administração Tributária e a sua manutenção pelo prazo de dois anos.

  17. Conclui ainda o sobredito preceito com chave de ouro quando consagra no seu n.º 3, a ineficácia da mudança de domicílio enquanto esta não for comunicada à Administração Tributária situação que mais uma vez revela o cuidado havido pelo legislador na construção da figura legal dos requisitos subjacentes quer à opção pelo regime dos unidos de facto, quer à obrigação de participação do domicílio fiscal.

  18. O que não surpreende, dado que todo o sistema fiscal Português se encontra suportado no n.º fiscal de contribuinte.

  19. Podemos então concluir com segurança que os ora Impugnantes não cumpriram com a sua obrigação fiscal de participação de domicilio, como tal prevista nos artigos 14.º do CIRS e 19.º da LGT, apresentando-se esta assim totalmente ineficaz, já que em termos fiscais não se encontram reunidos os pressupostos ordenados por Lei.

  20. Podemos também concluir ainda com segurança que não há qualquer presunção implícita nestes normativos que admita ilisão, antes sim, tratam-se de comandos imperativos directos de obrigação de comunicação de domicilio fiscal à Administração Tributária, da qual se faz depender totalmente a possibilidade de opção por aquele regime da união de facto em sede tributária.

  21. Não se podendo argumentar qualquer incompatibilidade dos sobreditos preceitos legais, artigos 14.º do CIRS e 19.º da LGT com a Lei 7/2001, porquanto, o n.º 3 do artigo 7.º do Código Civil, consagra expressamente e com força obrigatória geral, que a lei geral não revoga a lei especial.

  22. Verificamos assim que não se mostram reunidas as condições impostas pelos artigos 14.º do CIRS e 19.º da LGT, para aplicação aos ora Impugnantes do regime de união de facto.

  23. No mesmo sentido do que atrás vem sendo explanado, o Douto Acórdão do TCA Sul n.º 04550/11 de 07.04.2011 que consagra e reconhece expressamente essa exigência legislativa prevista nos artigos 14.º do CIRS e 19.º da LGT.

  24. Porém, e salvo o devido respeito que nos merece a Doutíssima Jurisprudência, padece esta de erro na respectiva conclusão, por Vício de Violação de Lei e por Vício de Interpretação, porquanto, conclui que a Administração Fiscal têm o poder dever de alterar oficiosamente a morada dos contribuintes.

  25. Neste sentido, Francisco Ferrara, traduzido pelo Professor Manuel de Andrade in "Interpretação e Aplicação das Leis" 4. a Edição, Arménio Amado — Editor, Sucessor Coimbra -1987, a fls. 134, que passamos a citar: (...) A finalidade da interpretação é determinar o sentido objectivo da lei, a vis ac potestas legis. A lei é expressão da vontade do Estado, e tal vontade persiste de modo autónomo, destacada do complexo dos pensamentos e das tendências que animaram as pessoas que contribuíram para a sua emanação.

    O intérprete deve apurar o conteúdo de vontade que alcançou expressão em forma constitucional, e não já as volições alhures manifestadas ou que não chegaram a sair do campo intencional. Pois que a lei não é o que o legislador quis ou quis exprimir, mas tão somente aquilo que ele exprimiu em forma de lei.(...) (...) O ponto directivo nesta indagação é, por consequência, que o intérprete deve buscar (…) aquilo que na lei aparece objectivamente querido: a men legis (...) XXVII. Ainda por consulta directa a um dicionário de Português corrente retira-se, e passamos a citar: Poder, v. tr. ter a possibilidade de; ter autorização para; s. m. autoridade; domínio.

  26. Assim, e com a devida vénia que o Douto Acórdão nos merece, à opção pelo verbo "poder", no tempo e modo verbais adoptados, não pode deixar de...

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