Acórdão nº 29/09.3BEALM de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelTÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Data da Resolução30 de Setembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acórdão I. RELATÓRIO A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 29.09.2016, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por B…….. - Empreiteiro da Construção Civil e Obras Pública, Lda (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto o indeferimento do recurso hierárquico que versou sobre o indeferimento da reclamação graciosa que, por seu turno, versou sobre as liquidações adicionais de IVA, atinentes aos anos de 2002, 2003 e 2004.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos: “I. Não pode a Autoridade Tributária conformar-se com a decisão de procedência da presente Impugnação entendendo que a, aliás Douta Sentença, fez uma incompleta fixação da factualidade relevante, errada análise da factualidade que fixou, bem como consequente incorreta aplicação do direito; II.Quanto à factualidade que se entende relevante e cuja fixação foi pelo Tribunal omitida, o facto de a Impugnante, utilizadora das faturas com imposto dedutível desconsideradas pela Autoridade Tributária, não ter a sua contabilidade e documentação que a suportava, devidamente organizada de acordo com a legislação comercial e fiscal – o que a Impugnante confessou, atribuindo tal situação a doença do técnico de contas e a uma inundação; III.Tal facto foi omitido pelo Tribunal, revelando-se, no entanto, de importância fundamental, quando o Tribunal “a quo” vem afirmar presunção de veracidade da declaração do contribuinte “desde que esteja apresentada nos termos previstos na lei e sejam fornecidos à Administração tributária os elementos indispensáveis à verificação da sua situação tributária” – o que manifestamente não ocorreu; IV.E a verdade dos factos (ainda que omitidos na fixação da matéria relevante para a boa decisão da causa), é que não estava tal contabilidade da Impugnante devidamente organizada, ou devidamente suportada por documentação que tivesse sido fornecida à Autoridade Tributária, não existindo desta forma qualquer presunção de veracidade; V.Por outro lado, tendo em conta apenas os factos que fixou, a Douta Sentença não fez dos mesmos uma correta análise, pois entende a Fazenda Pública terem os serviços de Inspeção Tributária tanto da Direção de Finanças do Porto, quanto da Direção de Finanças de Setúbal, recolhido indícios suficientes que provam que as faturas em causa nos Autos não titularam verdadeiras prestações de serviços e, como tal, não conferem direito à dedução do imposto; VI.A título meramente exemplificativo (com melhor explanação nos artigos 20 a 25 das presentes alegações) foi possível apurar: . Instalações – Pelo menos desde o ano de 2002 que o Sr. J….. (emitente das faturas) não desenvolve no armazém sito em Ermesinde uma atividade que, em função da sua habitualidade, se possa caracterizar como comercial ou industrial – terá prestado alguns serviços esporadicamente, a particulares, socorrendo-se unicamente do trabalho de um seu filho, sendo aquele o local que os supostos adquirentes dos serviços continuam a indicar como sendo aqueles onde os mesmos foram prestados; . Equipamentos – As faturas recolhidas no que diz respeito à utilização de máquinas ou equipamentos agrupam-se em três conjuntos de bens ou serviços: - Os que exigem uma atividade de fabricação (ex. carroçarias) – quanto a estes, como referido pelos adquirentes a fabricação teria ocorrido no armazém de Ermesinde e o Sr. A……… declarou que não existiram quaisquer máquinas ou equipamentos que não fossem os afetos à atividade do Sr. C……; - Os que se materializam na disponibilidade de equipamento (ex. aluguer de restroescavadora) – o Sr. C……… afirmou nunca ter estado no armazém de Ermesinde tal veículo; - Os que são meramente comerciais (comércio de sucata) – também no armazém nunca foi vislumbrado qualquer veículo com capacidade para o transporte de milhares de toneladas de mercadoria; . Pessoal – os bens e serviços exigiriam que o senhor J…… se socorresse de uma força laboral que seguramente ultrapassaria a dezena de unidades e teria de ter necessariamente um conjunto de trabalhadores tecnicamente apetrechados tendo em consideração a pluralidade dos serviços prestados – em contradição com a existência desta suposta força laboral, registese a informação recolhida junto da Segurança Social e o testemunho do Sr. C…… – teria um único trabalhador – o filho.

- Variabilidade dos serviços prestados – reveladora quanto à efetiva ocorrência das transmissões faturadas, na medida em que essa mesma variabilidade exigiria do Sr. J…… uma capacidade de direção, um conhecimento dos diversos mercados e uma disponibilidade física para acompanhar o desenrolar da atividade (nas instalações que supostamente utilizaria como suas, nas frentes de obra, nos mercados abastecedores, que se transformaria numa tarefa desmesurada; - Documentos emitidos – abundantes incongruências entre a numeração e a datação das faturas é claro indício de que a emissão destas não correspondeu ao efetivo exercício de uma atividade comercial ou industrial; VII.O Tribunal “a quo” suporta-se a título principal nas declarações de duas das testemunhas inquiridas (ambos funcionários da Impugnante), assim formando a sua convicção, de nada relevando para a decisão da causa quem, externo à Impugnante, e que nos anos em causa exercia a sua atividade na oficina onde J…… também a terá exercido, não se apercebeu que ali tivessem lugar serviços, nomeadamente de serralharia, mas apenas de “reparação de carroçarias” e nada mais; VIII.Veja-se que é a própria Impugnante quem veio afirmar, na petição inicial que “O tinha oficinas próprias que a Recorrente, repete-se, visitou e conforme pode verificar-se pelos documentos/fotografias que em anexo se juntam (…)” – cfr. artigo 32 da petição. Chega a Impugnante a afirmar que, nos documentos que junta, se pode verificar a existência de espaço oficinal com amplidão, existência de maquinaria leve e pesada, existência de trabalhadores em laboração, existência de equipamentos vários afetos à laboração oficinal – cfr. artigo 33 da petição e que “Foi neste espaço oficinal. Com estas máquinas e equipamentos e com os trabalhadores ali visíveis e cuja identificação se faz (pelo próprio nome) que as encomendas e os trabalhos faturados pela Recorrente ao J...... e à sua empresa C…….., Ld.ª foram executados” – artigo 34 da petição; IX.Ao contrário, as testemunhas indicadas pela Impugnante levaram o Tribunal a concluir que “resulta que a maior parte dos serviços facturados pelo sujeito passivo J....... foram prestados fora das instalações da oficina cita na localidade de A….., em Ermesinde, tratando-se antes de serviços prestados nos próprios locais das obras que a Impugnante tinha a seu cargo (…)” – cfr. fls. 18 da, aliás, Douta Sentença. A contradição que existe entre o que consta da petição e o declarado pelas testemunhas da mesma Impugnante, por si só, deveria desde logo “abalar” os testemunhos prestados, desconsiderando-os; X. No entanto, vem o Tribunal a afirmar não ter ficado assente que os serviços faturados implicassem necessariamente maquinaria utilizada pelo “fornecedor”, ou que “a reparação de máquinas e viaturas tivesse que ser efectuada por si ou funcionários seus em oficinas que lhe pertencessem”, ou que “o sujeito passivo tivesse necessariamente que possuir uma estrutura permanente de apoio”; XI. Sendo que, tudo o que assim fica afirmado pelo Tribunal, contraria a fundamentação utilizada pela Impugnante na sua petição para prova da veracidade dos serviços que lhe foram faturados. E foi precisamente procurando provar a existência de tal (ou tais) oficina(s) onde o trabalho teria sido desenvolvido, com o tal pessoal, com as máquinas do “fornecedor”, que até teria estrutura, que veio a Impugnante juntar documentos/fotografias nos Autos; XII.A Douta Sentença parece afastar tal fundamentação, mas fá-lo paradoxalmente para afirmar que a Impugnante tem razão – as faturas são verdadeiras porque os serviços foram prestados, mas sem oficinas, sem trabalhadores, sem máquinas, sem estrutura; XIII. E ainda que, quanto aos “serviços” constantes das faturas utilize a Sentença recorrida expressões como “desenvolvimento irregular dessa atividade”, considerando que a veracidade da faturação pode suscitar dúvidas, “tendo em conta os valores envolvidos e a falta de comprovação dos meios de pagamento” – cfr. fls. 19 da Sentença, decide que “tais dúvidas terão de ser valoradas contra a Administração Tributária, sobre a qual recaía o ónus da prova da sua actuação.

”; XIV.Atento o disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 75.º da LGT, não estando devidamente organizada a contabilidade do contribuinte – como não estava – não existe qualquer presunção de boa fé que caiba à Autoridade Tributária afastar e, afirmando a Impugnante ter direito à dedução de IVA (ainda para mais sem que tenha os seus elementos contabilísticos ou fiscais devidamente organizados, como verificado pelos Serviços de Inspeção Tributária), caber-lhe-á sempre vir fazer prova do direito que se arroga; XV.Por outro lado, quanto à simulação, como bem afirmado na Sentença, “não é necessário que a Administração Tributária prove os pressupostos da simulação previstos no art.º 240 do Código Civil (…), sendo prova suficiente a recolha de elementos indiciários que levem a concluir nesse sentido, isto é, de elementos sérios e objectivos que traduzem uma probabilidade elevada de que os documentos não titulam operações reais”- cfr. fls. 14 da Sentença recorrida e Acórdão para o qual ali se remete – Acórdão do Tribunal Central Administrativo (TCA Sul, de 04.10.2005, proc.º 849/03). Pelo que, no caso, existem “indícios fundados” devidamente explicitados pela Autoridade Tributária. Inexiste, da parte do contribuinte “escrita ou contabilidade organizada de acordo com a lei”, da...

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