Acórdão nº 546/10.2BECTB de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelCRISTINA FLORA
Data da Resolução30 de Setembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: PROCESSO Nº 546/10.2BECTB I. RELATÓRIO A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Castelo Branco que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade A....., LDA, na sequência do indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra os actos de liquidação adicional de IVA e respectivos juros compensatórios, referentes ao ano de 2005, no montante global de €122.111,48.

A Recorrente apresentou as suas alegações e formulou as seguintes conclusões:«CONCLUSÕES Assim, nos termos do artigo 639° do Código de Processo Civil:

  1. A douta sentença ora recorrida enferma dos vícios de erro de julgamento, violação do princípio da verdade material, incorrecta apreciação da prova produzida nos autos, violação de lei, designadamente, dos artºs 74º, 81º a 83º, 87º b), 88º e 90º da LGT, bem como dos artºs 615º, nº1 c) do Cod. Proc. Civil e artº125º do CPPT.

  2. Pese embora a matéria de facto ter sido dada integralmente provada, todos os factos apurados na acção inspectiva foram considerados factual idade assente, a decisão do tribunal "a quo" incorreu em contradição uma vez que, ao decidir como decidiu, substituiu-se ao impugnante, que não logrou provar ou contrariar a origem das entradas e saídas dos fluxos financeiros das contas tituladas pelos sócios, nem sequer logrou provar ou contrariar que aquelas contas não estavam afectas ao giro comercial da sociedade.

  3. Como tal, foi violado o artº74° da LGT.

  4. O recurso à avaliação indirecta, subsidiária da avaliação directa, deve ser feito apenas em situações específicas, nas quais a existência de um conjunto de omissões e irregularidades verificadas na contabilidade indiciem uma capacidade contributiva superior à declarada. Não existe discricionariedade da AT, na escolha da metodologia para tributação.

  5. Não podemos concluir que, sempre que verificados erros e irregularidades na contabilidade, seja garantida a legitimidade do recurso a métodos indirectos.

  6. A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o rendimento real, pelo que a avaliação directa surge como um instrumento útil na descoberta da verdade material.

  7. Posto que, a contabilidade, embora formalmente organizada de acordo com as normas contabilísticas e fiscais, pode não evidenciar o rendimento real.

  8. Por isso, compete à AT em sede do procedimento inspectivo mostrar que o rendimento real não é o declarado, isto é, que a contabilidade não reflecte todos os rendimentos e gastos, ou seja, a real actividade do contribuinte.

  9. As correcções à matéria tributável foram efectuadas numa perspectiva de balanço, ou seja, analisaram-se os recebimentos e pagamentos da sociedade, através de contas bancárias, afectas ao giro comercial da mesma, compararam-se com os valores constantes da contabilidade e apuraram-se as divergências.

  10. O resultado tributável pode ser apurado de duas maneiras, ou pela via da demonstração de resultados, que corresponde à diferença entre gastos e rendimentos, ou pela via do balanço, a diferença entre activos e passivos (fluxos de financeiros de entrada e de saída).

  11. Nunca se quantificaram litros de leite ou quilos de queijo; quantificaram-se entradas e saídas de fluxos financeiros.

  12. Na inspecção, acedeu-se a toda a informação bancária (extractos, cópias de cheques e movimentos), suporte dos fluxos financeiros, quer em nome da sociedade, quer em nome dos sócios e familiares. Acederam-se a todos os elementos da contabilidade, designadamente, facturas e recibos emitidos, destacando-se os emitidos aos produtores de leite, não sujeitos passivos.

  13. Destaca-se, ainda, o cruzamento e análise de dados, no procedimento inspectivo, que foi exaustiva. Aliás, a amostra seleccionada foi de 95% (quase a totalidade) dos recibos de aquisição do leite aos produtores não sujeitos passivos, fazendo-se o cruzamento com o valor unitário dos cheques descontados nos extractos bancários das contas tituladas pelos sócios nos bancos B…… nº500……., B…. nº121…..e B…. nº29….

  14. Demonstrou-se que estas contas estavam afectas à actividade da empresa: (i) Foram analisadas as contas bancárias da sociedade, designadamente, os pagamentos e recebimentos registados nessas contas; (ii) Foram analisados os movimentos de saída e detectou-se que se destinavam a compras da actividade, designadamente pela análise dos recibos de aquisição do leite; (iii) Essas mesmas saídas não correspondiam a pagamentos de despesas de carácter pessoal (iv) Quanto às entradas, verificou-se a existência de depósitos de clientes da sociedade, com ou sem factura emitida na contabilidade; (v) Quanto aos depósitos em numerário, pela sua natureza, a origem não é passível de ser conhecida.

  15. Os movimentos bancários nunca foram contrariados pela impugnante. Caberia ao contribuinte demonstrar a falta de aderência à realidade, sob pena de a dúvida sobre esta matéria se revelar desfavorável à sua pretensão. E não tendo feito tal prova e nem tendo mesmo chegado a colocar em dúvida séria, fundada, os pressupostos de facto em que a Administração Fiscal se fundou para concluir pela existência daquele montante de proveitos, a causa tem de ser decidida contra o impugnante.

  16. Ao decidir como decidiu, a douta sentença não teve em conta o iter cognoscitivo do relatório de inspecção, desprezou a prova documental junta e fez tábua rasa da confissão dos valores pela impugnante e assumiu como presunções aquilo que, sobejamente, foi demonstrado por documentos.

  17. Deturpou as conclusões do relatório, impondo a demonstração de pressupostos para o recurso a métodos indirectos, pressupostos esses que não existem ou ainda impondo soluções de tributação (por manifestações de fortuna) que se revelariam, no caso concreto, totalmente inverosímeis.

  18. Violou o disposto nos artº81º a 83º e 87º a 90º da LGT, abdicando do princípio da subsidiariedade da avaliação indirecta.

Pelo que, com o mais que Vossas Excelências se dignarão suprir, deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, deve ser revogada a decisão recorrida, devendo, ainda, manter-se na ordem jurídica os actos tributários impugnados, só assim se fazendo inteira JUSTIÇA!» ****Não foram apresentadas contra-alegações.

****Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

**** Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

****A questão invocada pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir, consiste em indagar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito por incorrecta apreciação da prova produzida nos autos e ao concluir que a Administração tributária recorreu a juízos presuntivos sem, contudo, lançar mão da metodologia indirecta, uma vez que se ancorou a meras correcções técnicas, facto que determina a ilegalidade das correcções subjacentes às liquidações impugnadas.

  1. FUNDAMENTAÇÃO Para conhecimento dos fundamentos do recurso importa ter presente que a decisão recorrida fixou a seguinte matéria de facto: «IV.FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA Dos autos considera-se como assente a seguinte factualidade com relevância para a decisão a proferir: 1) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.ºOI20…., de 31-03-2009, a Administração Tributária levou a cabo uma inspecção externa à aqui impugnante, incidente sobre IRC e IVA, referente ao exercício de 2005 – cfr. resulta de fls. 54 do processo administrativo [Doravante PA] apenso; 2) A acção de inspecção interna teve início em 03-07-2009 e viria a culminar com a elaboração, em 07-12-2009, do Relatório Final constante de fls. 123 a 154 do PA apenso [e respectivos anexos], cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e donde se destaca, além do mais, o seguinte “(texto integral no original: imagem)” 3) Da acção de inspecção mencionada no ponto anterior resultaram correcções em sede de IVA/2005 conforme o quadro seguinte: Cfr. fls. 126 do PA apenso; 4) As conclusões propostas e mencionadas nas alíneas antecedentes mereceram parecer e despacho concordantes – cfr. fls. 123 do PA apenso; 5) A impugnante foi notificada para efectuar o pagamento até ao dia 28-02-2010, a quantia global de €122.111,84, referente às liquidações de IVA e juros compensatórios, emitidas em 07-12-2009, atinentes ao exercício de 2005, e que constam de fls. 73 a 96 dos autos; 6) Em 28-06-2010, deu entrada no SF de Seia a reclamação graciosa constante de fls. 369 a 385 do PA apenso, apresentada pela ora impugnante; 7) Em 11-08-2010, sobre a reclamação graciosa mencionado no ponto anterior, recaiu decisão de indeferimento – cfr. fls. 400 do PA apenso; 8) Em 20-08-2010, foi a ora impugnante notificada da decisão aludida na alínea antecedente – cfr. fls. 402 e 402vº do PA apenso [A/R]; 9) Em 23-09-2010, deu entrada no SF de Seia a presente impugnação judicial – cfr. carimbo aposto no rosto de fls. 4 dos autos.

    10) Por despacho de 02-06-2008, do Procurador Adjunto do Ministério Público de Seia, proferido no âmbito do Inquérito-crime nº10/08.0IDGRD, para investigação da prática do crime de fraude fiscal qualificada, prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 103º e 104º, nº1, alíneas a), d) e g) do RGIT, foi derrogado o sigilo bancário da impugnante, e de A….., M….., M….., M…., M….. e A…..

    – cfr. 467 a 473 do PA apenso [designadamente a fls. 471 e 472];***Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa.

    ***O Tribunal alicerçou a sua convicção com base no exame crítico dos documentos juntos aos presentes autos e ao PA apenso, os quais não foram impugnados.

    Quanto aos...

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