Acórdão nº 751/19.6BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 26 de Setembro de 2019
Magistrado Responsável | SOFIA DAVID |
Data da Resolução | 26 de Setembro de 2019 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I - RELATÓRIO O Ministério da Administração Interna (MAI) interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa, que anulou o despacho da Directora Nacional (DN) do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), de 22-04-2019 - que considerou inadmissível o pedido de protecção internacional formulado por M...... e ordenou a sua transferência para Itália - e que condenou o SEF a retomar o procedimento administrativo com a elaboração do relatório escrito referido no art.º 17.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2008, de 30-06.
O Recorrente formulou as seguintes conclusões de recurso: “1.º - Resulta evidente que O Tribunal a quo na sua ponderação e julgamento do caso sub judice, e refutando a decisão do recorrente, não deu cumprimento às normas legais vigentes em matéria de asilo, mormente no que respeita ao mecanismo da Retoma a Cargo, ao qual a Itália está vinculada; 2a-Também não é consentânea com a jurisprudência da E.U. e do STA; 3a - In casu, não existe qualquer preterição, designadamente quanto ao referido relatório a que atenta 0 art.° 17o da Lei 27/2008, porquanto, à situação vertente não se aplicam os trâmites procedimentais (comuns) do pedido de proteção internacional previstos na Secção 1 do capítulo III da lei de asilo, entre as quais o art.° 17o; 4a - Ao invés, é-lhe aplicado o disposto no art.° 36º e ss. ou seja, as disposições do Capítulo IV da citada lei, que regem sobre o procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional; 5a - O ora recorrente deu início ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de asilo, que culminou com o apuramento de que essa responsabilidade pertencia à Itália (cf. art.° 18º, n.° 1 b) do citado Regulamento (UE) 604/2013 e art.° 37º, n° 1 da Lei n.° 27/2008 (Lei de Asilo)), impondo a lei como consequência imediata (vinculada) que fosse proferido o acto de inadmissibilidade e de transferência; 6a - De harmonia com o art.° 18,º n° 1, b) do Regulamento (UE) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, e o art.° 37o, n° 1 da Lei de Asilo, a ora recorrente procedeu à determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo, procedimento regido pelo art° 36º e seguintes da Lei 27/2008, de 30 de junho (Lei de Asilo),, tendo, no âmbito do mesmo sido apresentado, aos 24/01/2019, pedido de retoma a cargo às autoridades italianas, o qual foi tacitamente aceite, atento o estatuído no n° 2 do artigo 25º do referido Regulamento Dublin.
7a - Consequente e vinculadamente, por despacho da Diretora Nacional, do ora recorrente proferido aos aos 22.04.2019, nos termos dos art°s i19°-A, n° 1, a) e 37o n° 2 da citada lei, foi o pedido considerado inadmissível e determinada a transferência do requerente para Itália, Estado-Membro responsável pela análise do pedido de Asilo nos termos do citado regulamento, motivo pelo qual o Estado português se torna apenas responsável pela execução da transferência nos termos dos art°s 29o e 30o do Regulamento de Dublin; 8a - "Estamos, portanto, perante um ato estritamente vinculado, sendo que a validade dos atos praticados no exercício de poderes vinculados tem de ser feita em função dos pressupostos de facto e de direito fixados por lei, ou seja peta confrontação da factualidade dada como provada com a consequência jurídica imediatamente derivada da lei (...) é a própria Lein0 27/2008, de 30 de Junho, que no seu artigo 37°, n.° 2, lhe impunha a atuação levada a efeito " (cf. Acórdão do TCA SUL de 19/01/2012, proc. n° 08319/11); 9a - Com a devida Vénia, afigura-se ao recorrente que a Sentença, ora objeto de recurso, carece de fundamentação legal, porquanto não logrou fazer a melhor interpretação do regime que regula os critérios de determinação do estado membro responsável, em conformidade com o Regulamento (EU) que o hospeda.
10a - Na verdade, não pode o ora recorrente aceitar o veredicto plasmado na Sentença que considerou boa a tese do recorrido (Autor).
11a - Estamos perante um procedimento em que o Estado Membro responsável já estava determinado, sendo este Estado a Itália, Estado onde foi apresentado o pedido de proteção internacional pela primeira vez. Ao deslocar-se para Portugal, cabe às autoridades portuguesas, ora Recorrente, aplicar vinculadamente as regras da retoma a cargo, previstas no artigo 23o do Regulamento (UE) n° 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de julho, e ao Estado italiano cumprir com as obrigações previstas no artigo 18o, do mesmo Regulamento.
12a - Estatui a alínea a) do n° 1 do art.° ig°-A da Lei 27/2008, de 30 de junho, que "O pedido é considerado inadmissível, quando se verifique que está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, previsto no capítulo IV".
13a - Sob a epígrafe «Procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional", o capítulo IV estabelece no art.° 36o que "quando haja lugar à determinação do Estado responsável peta análise de um pedido de proteção internacional é organizado um procedimento especial regulado no presente capítulo”.
14a - Quer isto dizer que, recebido o pedido de Proteção Internacional e verificando que, nos termos do n° i do art.° 37o, "a responsabilidade peta análise do pedido de proteção internacional pertence a outro Estado membro" as autoridades portuguesas, em conformidade com o legalmente estabelecido, iniciam um "procedimento especial", de acordo com l previsto no Regulamento (EU) n° 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho”; 15a - Nesse sentido e em sede de garantias dos requerentes, o regulamento Dublin vem estabelecer no art.° 4° o Direito à informação e, no art.º 50, a realização de uma Entrevista pessoal "Afim de facilitar o processo de determinação do Estado-membro responsável (...). A entrevista deve permitir, além disso, que o requerente compreenda devidamente as informações que lhe são facultadas nos termos do art.o 4° 16a - No caso em escrutínio, e em cumprimento do disposto no art.° 5.o do Regulamento 604/2013 (Regulamento Dublin) ex vi art.0 36º, n.° 1 da Lei 27/2008, a 14/02/2019, foi realizada entrevista pessoal ao requerente (cf. pág. 27 a 34 do PA) que deu origem ao respetivo Relatório; 17a - A Entidade Demandada, ora Recorrente, observou as exigências previstas no artigo 50 do Regulamento supra mencionado, tendo realizado, antes da decisão que determinou a transferência, uma entrevista pessoal com o requerente, ora Autor e, bem assim, elaborado um resumo escrito, através de relatório/formulário, do qual constam as principais informações facultadas pelo requerente; 18a - Por outro lado, no âmbito desta entrevista, o requerente foi informado da aplicação do referido Regulamento quanto aos critérios de determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional que formulou, tendo-lhe sido facultada a possibilidade de pronuncia quanto à eventual decisão de retoma a cargo a proferir pelo Estado onde o pedido foi apresentado, bem como alegar elementos suscetíveis de afastar a aplicação dos critérios de responsabilidade e, consequentemente, a sua transferência para Itália; 19a - No âmbito do Procedimento Especial previsto no Capítulo IV da Lei de Asilo (artigos 36.º a 40.º) relativo à determinação do Estado-membro responsável pela análise do pedido, na medida em que não se vai analisar o mérito do pedido nem os fundamentos em que se baseiam a pretensão do requerente, não se impõe à Administração que adotasse quaisquer outras diligências de prova ou de instrução do pedido; 20a - Não é aplicável o disposto no art. 17º n° 2 da lei do Asilo, afastada pela certeza “especial" do procedimento plasmado no art.º 36º e ss. da referida Lei, tal como se comprova no n° 7 do art.º 37º, que estipula que: "em caso de resposta negativa do Estado requerido ao pedido formulado pelo 5EF, nos termos do n°i observar-se-á o disposto no capitulo 111".
21a - A tramitação do procedimento de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional obedece a regras de procedimento diferente, que são as estabelecidas pelo Regulamento (EU) n° 604/2013, do parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho (Regulamento Dubíin). In casu, a Itália aceitou tacitamente a retoma a cargo, o que afasta decisivamente a aplicabilidade das normas do capítulo III (e de todas as suas normas), à situação vertente.
22a - "1 — A matéria relativa à audição do interessado relativamente às decisões de inadmissibilidade do pedido de proteção Internacional e transferência de um requerente de proteção internacional', proferidas na sequência de uma decisão de aceitação de retoma a cargo por parte de um outro Estado- Membro, encontra-se regulada no art.05°, do Regulamento (UE) n.° 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de junho de 2013. II — Nesse art.° 5° do Regulamento (UE) n.° 604/2013, não se encontra prevista a obrigação da autoridade nacional, e antes da prolação das decisões de inadmissibilidade do pedido de proteção internacional e transferência de um requerente de proteção internacional, informar 0 interessado de que pretende considerar inadmissível o seu pedido e transferi-lo para outro Estado-Membro e comunicar-lhe os argumentos com que pretende fundamentar tais decisões."- cfr. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 18/10/2018, proc. 1177/18.4BELSB.
23a - Aliás, também a jurisprudência do Tribunal de justiça assim vem entendendo, eg. — Acórdão de 16.02.2017-, proferido no âmbito do Processo C-578/16 PPU e, na mesma linha, o Supremo Tribunal Administrativo — cf. recente Acórdão de 11 de janeiro, proferido no âmbito do Proc. 807/18.2BELSB - perfilha que "(...) no procedimento especial para «determinação do Estado responsável» (arts. 36o e ss da Lei n° 27/2008, de 30/06), está...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO