Acórdão nº 716/18.5BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Agosto de 2019

Magistrado ResponsávelCRISTINA SANTOS
Data da Resolução30 de Agosto de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

O Ministério Público, no exercício da acção de inibição temporária para o exercício de cargos políticos e equiparados, inconformado com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de leiria dela vem recorrer, concluindo como segue: 1. . A não apresentação atempada dá declaração de património, rendimentos e cargos sociais, tem sido considerado pela jurisprudência como um comportamento qualificado gravemente culposo, e o art. 38º da Lei na 04/83, de 2/4, basta-se com a negligência, para tal violação.

  1. . Os aspetos dados como provados nos pontos AA) e CG) - A Ré vivenciou um estado ... de alheamento total da realidade ...” e “... estando a mesma num estado de grande alheamento...”, e a conclusão plasmada na sentença de que a omissão em causa da demandada se ficou a dever a uma “falta de vontade/capacidade de agir conforme o direito,” demonstrada pelo “diagnóstico médico comprovado de depressão e crises de pânico”, estão em manifesta contradição com os teores dos atestados médicos que sustentaram essas asserções e não correspondem à realidade.

  2. . Com efeito, o quadro de “Depressão Mayor”, sem sintomas psicóticos, não implica ausência de capacidade de avaliar a natureza e as consequências do comportamento, no momento em que este tem lugar, tendo, por isso, a pessoa com síndrome dessa doença pleno conhecimento de consciência da licitude/ilicitude dos seus comportamentos, conseguindo discernir o bem do mal e o correto do incorreto, com conhecimento das normas da sociedade e dos seus deveres, e com plena capacidade para se determinar de acordo com a sua avaliação.

  3. Não estamos perante um evento que tenha impedido a demandada de atempadamente ter praticado o acto em causa, sendo que a simples dificuldade da sua realização não é causa justificativa dessa omissão, pelo que a demandada omitiu o dever pessoalíssimo, especial e político e de cuidado de cumprimento da obrigação alheando-se do seu cumprimento, mostrando-se, por isso, preenchido o pressuposto subjetivo de negligência 5. . Ademais, os diversos atestados médicos apenas atestam a impossibilidade de exercício dos deveres profissionais, sem que especifiquem o impedimento para a prática do ato omitido, nem deles resulta que a demandada estivesse ininterruptamente impossibilitada de o praticar, durante mais de 2 meses, quer por si só, quer mediante terceira pessoa, como depois o veio a fazer.

  4. . Ao não decidir de tal forma, fez a sentença recorrida errada interpretação e aplicação do disposto nos art.s 607º, n°s 3, 4 e 5 do CPC e 3º/1 da Lei nº 4/83 de 2/4 devendo a mesma ser revogada e substituída por outra que dê como provado a culpa grave da aqui recorrida no incumprimento da obrigação de apresentação da declaração de rendimentos, com a consequente procedência da ação.

    *A Recorrida contra-alegou, concluindo como segue:  1. O sentido da sentença recorrida deve ser mantido.

  5. A fundamentação das alegações feitas pelo MP é deficitária, limitando-se a apresentar generalidades sem qualquer aplicação ao caso concreto.

  6. A fisiopatologia catalogada de determinada doença não prevê ou impede a manifestação de sintomas específicos em cada indivíduo.

  7. A Recorrida, embora o tenha feito intempestivamente, deu cumprimento à obrigação de apresentar declaração dos seus rendimentos, património e cargos sociais.

  8. O quadro clínico em que se encontrava a Recorrida constitui fundamento para a intempestividade mencionada.

  9. Não havendo incumprimento culposo por parte da Recorrida não se encontra preenchida a previsão do nº 1 do artº 3º da Lei 4/83 de 2 de Abril, in fine.

  10. Pelo que deverá ser confirmada na íntegra a sentença do Tribunal a quo.

    *Com dispensa legal de vistos substituídos pela entrega das competentes cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.

    * Ao abrigo do regime do artº 663º nº 6 CPC ex vi artº artº 140º nº 3 CPTA, remete-se para o probatório fixado em 1ª Instância, na medida em que não vem impugnada nem há lugar a qualquer alteração da matéria de facto.

    DO DIREITO 1.

    decisão singular de mérito do relator - reclamação para a conferência; O regime da decisão singular de mérito apenas proferida pelo Relator foi introduzido pelo DL 329-A/95, podendo a parte afectada pela decisão reclamar desta para a conferência conforme disposições conjugadas dos artºs. 705º e 700º nº 3 CPC, hoje, artºs. 656º ex vi 652º nº 1 c) e nº 3 CPC da revisão de 2013.

    Deduzida reclamação para a conferência “(..) o colectivo de juízes reaprecia as questões que foram objecto da decisão singular do Relator e, nesse sentido, caso se esteja perante a decisão sumária do recurso, reaprecia novamente o recurso, naturalmente sem qualquer vinculação ao anteriormente decidido.

    No entanto, se assim é, ou seja, se normalmente a intervenção da conferência, no caso em que se reclama de uma decisão sumária, faz retroagir o conhecimento do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão, importa ter presente que, nos termos gerais, no recurso ou na reclamação, o Recorrente ou o Reclamante podem restringir o seu objecto, isto é, o requerimento para a conferência (mesmo resultante de convolação do requerimento de interposição de recurso de revista) pode restringir o objecto próprio da reclamação, concretamente identificando a parte da decisão sumária de que discorda (da qual se sente prejudicado) (..)” – doutrina constante do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 23.02.2015, tirado no rec. nº RP201502231403/04.7TBAMT-H.P1.

    * No citado Acórdão da Relação do Porto é feita referência expressa aos termos gerais de direito no que respeita à possibilidade de, em sede de reclamação da decisão singular do Relator, o Recorrente restringir o abjecto do recurso, “(..) identificando os segmentos decisórios sobre os quais demonstra o seu inconformismo. Trta-se, na prática, de uma solução que se encaixa na possibilidade de desistência do recurso, nos termos que constam do artº 632º nº 5, com a especificidade de a extinção da instância ser, aqui, parcial. (..)” (1) O que implica precisar o pressuposto legal de delimitação do âmbito da pretensão recursória e das hipóteses legais de modificação. A delimitação objectiva do recurso é dada pelas conclusões, cfr.

    artºs. 635º nº 4, 637º nº 2 e 639º nºs 1 e 2 CPC, na medida em que “(..) A motivação do recurso é de geometria variável, dependendo tanto do teor da decisão recorrida como do objectivo procurado pelo recorrente, devendo este tomar em consideração a necessidade de aí sustentar os efeitos jurídicos que proclamará, de forma sintética, nas conclusões. (..) Mas, independentemente do âmbito definido pelo recorrente no requerimento de interposição, é legítimo restringir o objecto do recurso nas alegações, ou, mais correctamente, nas respectivas conclusões, indicando qual a decisão (ou parte da decisão) visada pela impugnação. (..) A restrição pode ser tácita em resultado da falta de correspondência entre a motivação e as alegações, isto é, quando, apesar da maior amplitude decorrente do requerimento de interposição de recurso, o recorrente restrinja o seu âmbito através das questões que identifica nas conclusões. (..)”, cfr.

    artº 635º nº 4 CPC.

    (2) No tocante à ampliação do objecto do recurso, o artº 636º nº 1 CPC permite que, embora a decisão seja favorável à parte e a parte vencida interponha recurso, caso no Tribunal a quo não tenha acolhido todos ou alguns dos fundamentos da acção (de facto ou de direito) suscitados pela parte vencedora, essas questões serão reapreciadas pelo Tribunal ad quem a requerimento do Recorrido em alegações complementares, isto é, o Tribunal de recurso reapreciará os fundamentos do segmento da sentença recorrida em que a parte vencedora tenha decaído.

    * Do complexo normativo citado se conclui que o acto processual de convocação da conferência no regime do artº 652º...

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