Acórdão nº 9207/15.5BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 11 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelTÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Data da Resolução11 de Julho de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acórdão I.

RELATÓRIO A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Impugnante ou AT) veio apresentar impugnação da decisão arbitral proferida a 03.11.2015, pelo tribunal arbitral coletivo constituído no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no processo a que aí foi atribuído o n.º 98/2015-T, ao abrigo dos art.ºs 27.º e 28.º do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – RJAT).

Nesse seguimento, a Impugnante apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos: “1.ª A presente impugnação visa reagir contra a decisão arbitral proferida a 2015-11-03 pelo Tribunal Arbitral Coletivo constituído no âmbito do processo n.° 98/2015-T que correu termos no CAAD; 2.ª A decisão arbitral enferma de nulidade, nos termos do artigo 28.°/1-c), 1ª parte, do RJAT, por se ter pronunciado sobre questão sobre a qual não se deveria pronunciar.

  1. Em causa está o segmento da decisão arbitral que julgou improcedente a questão prejudicial suscitada pela AT e o segmento subsequente em que o Tribunal Arbitral chamou a si a apreciação de matéria para cujo conhecimento não é de todo competente.

  2. A questão decidenda relativa à isenção prevista na 2ª parte da alínea b) do nº 1 do art. 10º do CIRC compreende a questão prejudicial de saber se a Recorrida é uma entidade legalmente equiparada a IPSS.

  3. A AT deduziu na sua Resposta a excepção da questão prejudicial, com enquadramento no art. 15° do CPTA, "ex vis" alínea d) do n° 1 do art. 29° do RJAT, por entender que a qualidade da Recorrida enquanto entidade legalmente equiparada a IPSS constitui uma questão autónoma da questão principal, sendo que o conhecimento desta depende, necessariamente, do conhecimento daquela.

  4. Trata-se de uma questão que representa um antecedente lógico-jurídico da decisão da questão principal, ou seja, o pretendido benefício fiscal constitui uma matéria de direito tributário que depende do entendimento que, a montante, vier a ser acolhido quanto ao enquadramento da Requerente naquele perfil de entidade legalmente equiparada a IPSS.

  5. Mais, constitui uma questão autónoma, no sentido de, por si só, pelo seu objeto ou natureza, legitimar a instauração de uma ação independente, sendo competente para a sua apreciação a título principal, com a consequente produção de caso julgado material, os tribunais de jurisdição administrativa.

  6. Na verdade, o presente tribunal arbitral, constituído sob a égide do CAAD, não tem competência para julgar a questão ora em apreço a título principal, conforme decorre do disposto no art.° 2.° do RJAT.

  7. Ou seja, muito embora tenha uma natureza automática, a isenção prevista na alínea b) do n° 1 do art.° 10° do CIRC pressupõe o preenchimento de pressupostos que extravasam o âmbito tributário, e cujo controlo envolve a aplicação de outros ramos do direito e de outras entidades legalmente competentes para efeitos do reconhecimento de pressupostos de que depende aquela isenção.

  8. Por fim, a questão ora em análise apresenta-se como necessária, no sentido de a sua resolução ser plausível e não meramente dilatória.

  9. Em abono da suspensão da instância que ora se requer militam vários argumentos desenvolvidos na doutrina e na jurisprudência, os quais se entende têm pleno cabimento nos presentes autos, devendo, por conseguinte, ser objeto de ponderação pelo Tribunal.

  10. Desde logo, a natureza da arbitragem em matéria tributária, como uma forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, e a preocupação, de que faz eco o preâmbulo do RJAT, em fixar com rigor quais as matérias sobre as quais se pode pronunciar o tribunal arbitral aconselham a que aquela questão seja decidida pelos tribunais administrativos com competência para a sua decisão a título principal.

  11. À falta de especialização para matérias que não sejam especificamente tributárias acresce a importância da coerência entre julgados, ou melhor, o princípio da homogeneidade das decisões.

  12. No que toca aos presentes autos, a possibilidade de pronúncias não coincidentes sobre a mesma questão é potenciado pelo facto de estarem pendentes correções semelhantes a efectuar à Requerente pela Inspeção Tributária, com referência a anos subsequentes, às quais a Requerente tem reagido regularizando voluntariamente a sua situação, reclamando graciosamente da autoliquidação, em moldes que se encaminham para os tribunais.

  13. Veja-se, ainda, que o princípio da irrecorribilidade na arbitragem em matéria tributária não garante a uniformização de julgados, a qual resulta particularmente garantida junto dos tribunais administrativos, pela possibilidade de recurso para instâncias superiores.

  14. Muito embora uma decisão incidental sobre a questão prejudicial em apreço tenha os seus efeitos restritos ao âmbito do processo (caso julgado formal), ainda assim entende-se conveniente que o Tribunal Arbitral suspenda a instância, sobrestando na decisão do pedido principal até decisão do tribunal competente para o seu julgamento ao título principal.

  15. Sucede, porém, que o Tribunal Arbitral julgou improcedente a questão prejudicial deduzida pela ora Recorrente por entender, referindo, para o efeito, duas coisas: - "Não se antevê (...) que tal esteja dependente de qualquer procedimento de apuramento prévio em acção autónoma da competência da jurisdição administrativa", sem explicar, porém, a natureza dos factos que suportam tal conclusão nem a base legal que a sustenta; - "Não pode ser confundido o âmbito material da arbitragem (artigo 2°, do RJAT) com as limitações de competência dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD em relação a actos de segundo ou terceiro graus que comportem a apreciação da legalidade de actos", asserção cuja relação com a questão prejudicial em apreço não se entende minimamente.

  16. A AT não põe em causa a Competência do Tribunal Arbitral para, ao abrigo da alínea a) do n° 1 do art. 2° do RJAT, se pronunciar sobre a legalidade da liquidação controvertida, objecto do pedido de pronúncia arbitral, para o que teria deduzido a excepção de incompetência do tribunal arbitral, o que de todo não fez.

  17. A questão que a AT suscita a título prejudicial, não apenas na presente instância arbitral, mas também já anteriormente em sede administrativa, é a da incompetência da AT para reconhecer o estatuto da ora Recorrente ao abrigo do Decreto-Lei n° 119/83, de 25/02, a título de IPSS ou de entidade legalmente equiparada, 20.ª Assim, ao chamar a si a questão prejudicial controvertida, o Tribunal Arbitral incorreu em vício de pronúncia indevida, 21.ª Uma vez que o âmbito da arbitragem em matéria tributária não compreende matérias atinentes ao enquadramento jurídico da ora Recorrida ao abrigo quer do Estatuto das IPSSS, quer à luz da própria Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa, apreciando quando é que as instituições religiosas são consideradas entidades equiparadas a IPSS e apreciando, ainda, quando é que as entidades canonicamente erectas têm personalidade jurídica.

  18. A arbitragem em matéria tributária está limitada à apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração seja cometida à DGCI ou à DGAIEC, estando o seu âmbito de actuação definido pelo n° 1 do art. 2° do RJAT e pela Portaria 112-A/2011, de 22/03, portaria de vinculação ao CAAD da DGCI e da DGAIEC.

  19. Conforma consta daqueles diplomas legais, a arbitragem tributária consiste numa forma alternativa de resolução de jurisdicional de conflitos no domínio fiscal, nos litígios que opõem a administração tributária ao sujeito passivo.

  20. Sobre a questão da incompetência material do tribunal arbitral enquanto fundamento para impugnação da decisão arbitral ao abrigo do vício de pronúncia indevida previsto na 1ª parte da alínea b) do art. 28° do RJAT, transcreve-se jurisprudência e doutrina elucidativa da posição que aqui se defende.

  21. Face às posições acima transcritas, dúvidas não podem restar quanto à integração da questão da incompetência material do Tribunal Arbitral Coletivo no conceito de pronúncia indevida enquanto fundamento de impugnação de decisão arbitral.

  22. O acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral Coletivo constituído no CAAD padece ainda de nulidade pelo facto de não ter conhecido de questão essencial sobre a qual se deveria ter pronunciado [artigo 28.°/1-c) do RJAT]; 27.ª Por via do pedido de pronúncia arbitral visou a lmpugnada colocar em crise o indeferimento do Recurso Hierárquico n.° 35222………. por sua vez deduzido contra o indeferimento da Reclamação Graciosa n.° 352220…….. apresentada contra a autoliquidação de IRC de 2009; 28.ª A Impugnante deduziu Resposta ao pedido de pronúncia arbitral no qual sustentou a legalidade do ato tributário: (i)levantando uma questão prejudicial (cfr. artigos 4.° a 22.° da Resposta); (ii) elencando a factualidade mais relevante para a boa decisão da causa (cfr. artigos 23.° a 24.° da Resposta); (iii) defendendo (por impugnação) que a questão da violação de lei aventada pela Impugnada resultava de uma errada interpretação das normas legais aplicáveis ao caso (cfr. artigos 25.° a 100.° da resposta); (iv) suscitando a inconstitucionalidade da interpretação feita pela Impugnada relativamente ao artigo 10.°/2-b) do CIRC, por violadora dos princípios da igualdade e legalidade tributárias (cfr. artigos 101.º a 111.º da Resposta); e (v) pronunciando-se pela desnecessidade de produção de prova testemunhal (cfr. artigos 112.° a 114.° da Resposta); 29.ª Cada uma destas questões (i) foi devidamente desenvolvida pela Impugnante ao longo do seu articulado, (ii) encontrava-se inequivocamente inserida em capítulos autonomizados e, por conseguinte, (iii) era perfeitamente identificável por parte de qualquer leitor; 3o.ª O Tribunal Arbitral Coletivo entendeu (cfr. pág. 24 do acórdão) que a questão a decidir se limitava tão singelamente ao seguinte: «A questão jurídica principal que é colocada tem a ver com a possibilidade de aplicação da alínea b) do n.º 1 do art. 10.º do CIRC»; 31.ª Contudo, (i) não só aquela...

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