Acórdão nº 00811/17.8BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 12 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução12 de Julho de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO CGR, devidamente identificado nos autos, intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [doravante T.A.F. do Porto] a presente Ação Administrativa contra o FUNDO DE GARANTIA SALARIAL, peticionando o provimento do presente meio processual por forma a ser o ato administrativo de indeferimento do requerimento para pagamento de créditos laborais declarado nulo ou anulado, e, em consequência, ser o Réu condenado a pagar à Autora a quantia peticionada.

O T.A.F. do Porto julgou esta ação totalmente improcedente, absolvendo o Réu dos pedidos.

É desta sentença que o CGR vem interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL, para o que alegou, apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso: “(…) I. No processo aqui em causa importa saber, no essencial, se o requerimento apresentado pelo recorrente junto do Fundo de Garantia Salarial respeitou o prazo legal para a sua apresentação.

  1. Para o efeito sustentou o A. a ilegalidade dos despachos proferidos pela Ré que tiveram como alegado fundamento para o indeferimento o facto dos requerimentos de pagamento dos créditos laborais apresentados o terem sido decorrido mais de um ano após a data da cessação dos respetivos contratos de trabalho, porquanto em violação do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, mais concretamente do disposto no artigo 2° , n.° 8 do Decreto-Lei n.° 59/2015 de 21/04.

  2. Com efeito, o M.mo Juiz que proferiu a Sentença recorrida entendeu que todos créditos laborais do Autor se encontram, fora do período de referência, ou seja, venceram-se há mais de seis meses da data da instauração da ação de insolvência, pelo que não são devidos.

  3. Resultando daí que, a presente ação não pode ser julgada procedente, uma vez que não preenche os pressupostos legais para o efeito; no caso, o vencimento dos créditos laborais dentro do período de referência.

  4. De facto, conforme resulta dos despachos em crise nos presentes autos, a razão que levou a Ré a indeferir o peticionado não é o facto dos créditos terem vencido há mais de 6 meses, mas sim o facto de ter decorrido mais de um ano após a data da cessação dos respetivos contratos de trabalho, porquanto em violação do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, mais concretamente do disposto no artigo 2° , n.° 8 do Decreto-Lei n.° 59/2015 de 21/04.

  5. Facto relativamente ao qual oferecemos igualmente a nossa total discordância, pelos fundamentos de facto e de Direito que serão expendidos infra.

  6. Ora, sobre o referido prazo de um ano que os créditos laborais sejam reclamados junto do Fundo de Garantia Salarial, dúvidas não subsistirão que tal prazo somente se aplica aos contratos de trabalho que cessem após o dia 4 de maio de 2015.

  7. Sendo esse o prazo que levou ao indeferimento do peticionado pelo A. à Ré.

  8. Sendo certo que, salvo o devido respeito por opinião diversa, entendemos não ser de aplicar ao caso concreto o prazo de 6 meses, prazo esse que não foi sequer motivo alegado pela Ré para o indeferimento.

  9. No mais, nos termos do artigo 325.° CC, a interrupção da prescrição ocorre com o reconhecimento do direito, efetuando perante o respetivo titular, por aquele contra quem o direito pode ser exercido.

  10. Começando a correr novo prazo de um ano a partir daqueles reconhecimentos, nos termos do artigo 326.° n.° 1 CC.

  11. Isto posto, a proteção dos créditos dos trabalhadores em caso de insolvência ou processo de revitalização do empregador é uma obrigação do Estado resultante, desde logo, da transposição da Diretiva 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados.

  12. Refere-se no artigo 3.° da Diretiva que os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para que, em caso de insolvência do empregador (ou PER) as instituições de garantia assegurem o pagamento dos créditos em divida dos trabalhadores assalariados emergentes de contrato de trabalho ou de relações de trabalho, incluindo, sempre que o direito nacional o estabeleça, as indemnizações pela cessação do contrato de trabalho.

  13. Mais refere a aludida Diretiva que os créditos a cargo da instituição de garantia consistem em remunerações em divida correspondentes a um período anterior e/ou, posterior a uma data fixada pelos Estados/Membros.

  14. Correspondentemente, refere o artigo 336.° CT que “o pagamento de crédito de trabalhador emergente de contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, que não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil, é assegurado pelo Fundo de Garantia Salarial, nos termos previstos em legislação especifica.” XVI. Atentos os fundamentos expostos, não se vislumbra pois que a interpretação adotada pela recorrida de indeferimento do peticionado se mostre sequer em harmonia com o regime jurídico com o qual necessariamente tem de se compatibilizar, sendo certo que a referida Diretiva, uma vez transposta, constitui Direito Interno Português.

  15. Por tudo o exposto, salvo o devido respeito por opinião diversa, o Despacho de Indeferimento que recaiu sobre o pedido de pagamento do recorrente partiu de pressupostos errados e assentou numa incorreta interpretação da Lei no seu conjunto no que tange à matéria em questão.

  16. Pelo que outra decisão no caso não poderia deixar de ter existido, que não fosse a procedência da ação, devendo o ato administrativo de indeferimento de pagamento dos créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho outorgado com a BAM ser declarado nulo ou, sem prescindir, anulado, com todas as consequências legais que daí advêm.

  17. Devendo, em consequência, ser a recorrida condenada a pagar ao recorrente a quantia peticionada.

Termos em que com a procedência do presente recurso se fará JUSTIÇA (…)”.

*Notificado que foi para o efeito, o Recorrido apresentou contra-alegações que concluiu da seguinte forma: “(…) 1. O regime jurídico do Fundo de Garantia Salarial regulado pelo Decreto-Lei nº. 59/2015, de 21.04, impõe determinado requisitos, de cumprimento cumulativo, para que o Fundo de Garantia Salarial possa assegurar a um trabalhador o pagamento dos créditos requeridos.

  1. Desde logo, um desses requisitos, impostos pela citada legislação no art. 1º, é que o Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente.

  2. No presente caso, o Processo Especial de Revitalização da entidade BAM LDA foi intentada no dia 07.07.2015.

  3. Mas não são todos e quaisquer créditos que o Fundo de Garantia Salarial assegura, na medida em que o n.° 4, do art. 2 o da citada legislação, impõe que apenas é assegurado o pagamento de créditos vencidos nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação ou da entrada do requerimento do procedimento de conciliação, se for o caso.

  4. Na presente situação, e de acordo com a legislação, o Fundo de Garantia Salarial assegura os créditos vencidos entre 07.07.2016 e 07.02.2016.

  5. O contrato de trabalho do Autor cessou em 14.06.2012.

  6. Portanto, não existem créditos vencidos dentro do período de referência.

  7. Pelo que, não foram assegurados os créditos requeridos porque se encontravam vencidos fora do período de referência.

  8. Nesse sentido bem decidiu o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto na sentença aqui posta em crise.

    Termos em que, deverá o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, uma vez que o ato praticado pelo Exmo. Senhor Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial não padece de qualquer vício que o inquine com anulabilidade ou nulidade. (…)”*O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida, que, todavia, não vincula este Tribunal Superior [cfr. artigo 641º, nº. 5 do CPC].

    *O Ministério Público neste Tribunal não emitiu o parecer a que alude o nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.

    *Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

    *II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

    Examinando as conclusões espraiadas no presente recurso, logo se constata que as mesmas assentam, no mais essencial, no reiterar da argumentação que havia já sido esgrimida em sede declarativa, quando é certo que aquilo que aqui está em causa em sede de Recurso Jurisdicional é a sentença proferida pelo tribunal a quo.

    O que, não fora a circunstância de se detetar nos pontos I) a IV) das conclusões de recurso uma incompatibilidade parcial com o agora decidido pelo Tribunal a quo [exclusivamente] em matéria de vencimento dos créditos laborais reclamados fora do prazo de referência previsto no artigo 319º nº.1 da Lei nº. 35/2004, de 29 de 29.07, imporia, na pior das hipóteses, o não conhecimento do recurso.

    Assim, decide-se extrair a seguinte questão que cumpre conhecer: erro de julgamento de direito da sentença recorrida, por não se mostrarem os créditos laborais reclamados nos autos vencidos fora do período de referência de seis meses da data de instauração da ação de insolvência/processo especial de revitalização.

    *III – FUNDAMENTAÇÃO III.1 – DE FACTO Na decisão recorrida deram-se como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte: “(…) 1.

    O Autor foi trabalhador da empresa «BAM, Lda.», desde outubro de 2007, até ao dia 14 de junho de 2012, data em que foi cessado o contrato por aquela empresa; 2.

    O Autor intentou ação no Tribunal de Trabalho (Processo n.° 422/12.4TTGDM), peticionando o reconhecimento da existência de contrato de trabalho, a...

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