Acórdão nº 1536/18.2BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 04 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelALDA NUNES
Data da Resolução04 de Julho de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo, do Tribunal Central Administrativo Sul: Relatório E…….. - A….. E……, SA (recorrente) requereu contra a Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) (recorrido) providência cautelar de suspensão de eficácia do despacho de 11.7.2018, que aplicou à requerente a penalidade pecuniária no montante de €: 7.271.394,40, por incumprimento, nos meses de fevereiro, março, abril e maio de 2018, do contrato denominado «Aquisição dos serviços de operação, de gestão da continuidade da aeronavegabilidade e de manutenção dos meios aéreos pesados próprios do Ministério da Administração Interna, celebrado em 6.2.2015.

A 4.3.2019 o tribunal de 1ª instância recusou a produção de prova testemunhal e as declarações de parte do representante da requerente e proferiu sentença que indeferiu o pedido cautelar, por julgar não verificado o periculum in mora, ficando prejudicado o conhecimento do fumus boni iuris e a ponderação de interesses indicada no art 120º, nº 2 do CPTA.

Inconformada a requerente interpôs recurso para este TCA Sul.

Nas alegações de recurso que apresentou concluiu: «1ª. O artigo 392º do C. Civil prevê que a prova por testemunhas é admitida em todos os casos em que não seja direta ou indiretamente afastada, inexistindo qualquer norma que imponha que a análise da consequência de um facto na situação financeira de uma dada sociedade comercial apenas possa ser efetuada por documento escrito, porquanto os resultados anteriores dessa sociedade são indiferentes para a apreciação das potenciais consequências futuras para a sociedade; - Cf. texto supra n.ºs 1 e 2; 2ª O despacho e sentença de 04.03.2019, ao impedir a produção de prova testemunhal e declarações de parte, de forma a fazer valer os seus direitos e demonstrar as suas pretensões quanto à verificação do requisito do periculum in mora, bem como a realização de uma audiência para que tivesse contacto direto com a prova produzida, violaram o princípio da igualdade e do contraditório, no plano da prova e, em consequência, o principio da tutela jurisdicional efetiva (art.º 20º da CRP), pelo que são nulos - Cf. texto supra n.ºs 1 a 5; 3ª Aliás, caso assim não se entendesse – o que se impugna e apenas de invoca por dever de patrocínio –, in casu, nunca poderia ser proferida a decisão de dispensa de produção de prova nos termos proferidos pelo Tribunal a quo em 04.03.2019 sem ser efetuado convite prévio à Parte para juntar os documentos contabilísticos pretensamente relevantes, nos termos do artº 87º do CPTA - Cf. texto supra n.º 6; 4ª A sentença recorrida não se pronunciou sobre questão essencial para a decisão do presente litígio, cujo conhecimento a lei impõe, devendo ter sido apreciadas e decididas todas as questões relativas a prejuízos invocados pela Recorrente, aqui se incluindo os prejuízos causados com o imediato pagamento de penalidade, pelo que sempre seria nula por omissão de pronúncia (arts. 608.º e 615.º/1/d) do CPC; - Cf. texto n.ºs 7 a 8; 5ª A douta sentença recorrida enferma ainda de erros de julgamento, sendo manifesto que o requisito do periculum in mora se encontra verificado in casu, pois poderá ver-se obrigada a apenas manter atividade para aguardar uma eventual indemnização por parte do Estado Português, sem trabalhadores ou qualquer outro material ou instalações e tal resulta simplesmente de um mero juízo de probabilidade e regras de experiência comum, não sendo necessária mais prova do que a já junta aos autos a qual, quanto aos atos praticados no procedimento administrativo em causa nos presentes autos é suficiente (fls. 1 da sentença recorrida), verificando-se o fundamento para o decretamento da providência requerida nos termos do n.º 1 do art. 120º do CPTA não sendo necessária mais prova do que a que resulta dos atos do procedimento administrativo em causa - Cf. Texto supra n.ºs 9 a 11; 6ª A sentença recorrida violou, ainda, o princípio da proporcionalidade, constitucionalmente protegido, ao decidir que o pagamento imediato de penalidade superior a sete milhões de euros para uma sociedade que ficou sem atividade não constituía qualquer prejuízo de difícil reparação - Cf. Texto supra n.ºs 9 a 11; 7ª Deve assim ser deferida a providência cautelar requerida e, em consequência, ser ordenada a suspensão de eficácia do despacho do Presidente da Autoridade Nacional de Proteção Civil, Exmo. Senhor Tenente-General C…….., de 11.07.2018, o qual decidiu aplicar penalidades em valor superior a sete milhões de euros; 8ª A sentença recorrida enferma assim de manifestos erros de julgamento, tendo violado frontalmente, além do mais, o disposto nos arts. 87º, 90º, 118º e 120.º do CPTA, art.º 3º do CPC aplicável ex vi do art.º 1.º do CPTA, arts. 346º e 392º do C. Civil e arts 20º e 202º da CRP.

NESTES TERMOS, Deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida.

A recorrida, notificada da interposição do recurso, contra-alegou nos termos que se sumariam: «1. Por sentença proferida a 4 de março de 2019, o Tribunal a quo decidiu não decretar a providência cautelar requerida pela E…….. de suspensão de eficácia do Despacho do Presidente da ANPC, de 11 de julho de 2018, pelo qual a E…… foi notificada para proceder ao pagamento de penalidades contratuais aplicadas pela ANPC, em virtude e na sequência de graves e reiterados incumprimentos do contrato de aquisição dos serviços de operação, de gestão da continuidade da aeronavegabilidade e de manutenção dos meios aéreos pesados próprios para missões do Ministério da Administração Interna.

  1. O Tribunal recorrido dispensou a produção de prova testemunhal e de declarações de parte, ao abrigo do disposto no artigo 118.º, n.º 5, do CPTA, nos termos do qual “[m]ediante despacho fundamentado, o juiz pode recusar a utilização de meios de prova quando considere assentes ou irrelevantes os factos sobre os quais eles recaem ou quando entenda que os mesmos são manifestamente dilatórios”.

  2. A crítica da Recorrente ao juízo do Tribunal de 1.ª instância assenta num pressuposto específico: o de que num processo cautelar, e independentemente do cumprimento do ónus de alegação pelas partes no processo, o Tribunal está sempre obrigado a abrir uma fase de produção de prova. Na tese da Recorrente, mesmo quando o Tribunal entende que o requerente não alega uma realidade factual suficientemente densificada para corporizar a causa de pedir da sua pretensão cautelar — i.e., por exemplo, quando considera, como sucedeu no caso em apreço, que a requerente não logrou concretizar através de factos objetivos e verosímeis ou de circunstâncias suficientemente determinadas os prejuízos que concretizam o periculum in mora — o juiz está, ainda assim, obrigado a admitir a produção de prova, para então, nesse momento, se proceder à concretização e densificação (isto é, à complementação) da alegação da E……… .

    Ora, este pressuposto é erróneo, contrariando totalmente a jurisprudência assente dos nossos tribunais administrativos.

  3. Com efeito, é sabido que o ónus geral de alegação da matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão de providências cautelares cabe ao requerente, nos termos do disposto no artigo 342.º do Código Civil e nos artigos 114.º, n.º 3, alínea g), 118.º e 120.º do CPTA (neste sentido, entre muitos outros, veja-se os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de julho de 2008 (proc. n.º 0381/08), de 19 de novembro de 2008 (proc. n.º 0717/08) e de 22 de janeiro de 2009 (proc. n.º 06/09), todos disponíveis em www.dgsi.pt). Uma das consequências da existência deste ónus é a de que “não pode o tribunal substituir-se [ao requerente] porquanto o dever de investigação que a lei processual comete ao juiz apenas abarca a matéria de facto trazida ao processo (cfr. artigo 664.º, 2.ª parte do CPC [a que corresponde atualmente o n.º 1 do artigo 5.º do CPC], tendo como única exceção os factos notórios ou de conhecimento geral” (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 25 de janeiro de 2013 (proc. 01056/12.9), disponível em www.dgsi.pt).

    Na verdade, a circunstância de estar em causa uma providência cautelar suprime a responsabilidade das partes pela alegação dos factos constitutivos da sua pretensão, distinguindo-se esse ónus de alegação do ónus de demonstração através de meios probatórios dos factos alegados nos articulados. De facto, e no que respeita, designadamente, ao requisito do periculum in mora, o “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses a tutelar no processo principal” a que o artigo 120.º, n.º 1 do CPTA se refere deve ser “apoiado em factos que permitam afirmar, com objetividade e distanciamento, a seriedade e atualidade da ameaça e a necessidade de serem adotadas medidas tendentes a evitar o prejuízo. Não bastam, pois, simples dúvidas, conjeturas ou receios meramente subjetivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade” (cf. ANTÓNIO ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. III, 3.ª ed., p. 103).

    De resto, os nossos tribunais têm entendido que “se quanto ao juízo de probabilidade da existência do direito invocado se admite que o mesmo seja de mera verosimilhança, já quanto aos critérios a atender na apreciação do “periculum in mora” os mesmos devem obedecer a um maior rigor na apreciação dos factos integradores de tal requisito visto que a qualificação legal do receio como “fundado” visa restringir as medidas cautelares, evitando a concessão indiscriminada de proteção meramente cautelar com o risco inerente de obtenção de efeitos que só podem ser obtidos com a segurança e ponderação garantidas pelas ações principais”. (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 2 de julho de 2009 (proc. 00109/09.5), disponível em www.dgsi.pt). Assim, à “semelhança da petição inicial numa ação administrativa (comum ou especial), o requerente de uma providência...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT