Acórdão nº 02180/17.7BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 28 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução28 de Junho de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO FMMA, devidamente identificada nos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [doravante T.A.F. do Porto], de 18.10.2018, proferida no âmbito da Ação Administrativa que a Recorrente intentou contra a CÂMARA MUNICIPAL P…, rectius, MUNICÍPIO P…, que julgou a mesma improcedente, e, em consequência, absolveu o Réu do pedido.

Em alegações, a Recorrente formula as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso: “(…) Salvo o devido respeito, a D. Sentença recorrida ao assentar em erro nos pressupostos de direito e de errada aplicação do mesmo esteve mal e incorreu numa deficiente aplicação, ao: a) ...“beliscar" o principio constitucional do direito à habitação, previsto e consagrado no artigo 65.° n.° 1 da C.R.P. quando estende a prática de certos comportamentos de outros ao titular do arrendamento apoiado para resolvê-lo; b) ... fazê-lo ceder perante o direito de outros candidatos ao mesmo locado, numa interpretação e conjugação excessivas dos artigos 25.°, n.° 1 da Lei 82/2014 e 1083°, n° 2 al. b) do CC; c) ...legitimar, com tal entendimento, uma prática integrável no instituto jurídico do abuso de direito, previsto no artigo 334.° do CC; d) estender, para o efeito descrito, a responsabilidade criminal do filho da recorrente à mesma, pondo em causa os princípios da intransmissibilidade das penas e da presunção de inocência, previstos nos artigos 30.° n.° 3 e 32.° n.° 2 da C.R.P.: e) ...não reconhecer a caducidade do direito de resolução do arrendamento, ao fazer uma conjugação desconforme do artigo 1085,° n.° 1 do Código Civil com o art° 25.° n.° 3 da lei 81/2014; f) ...não aplicar o regime da nulidade ou da anulação dos atos administrativos, conforme a aplicabilidade de um ou do outro, previstos, respetivamente, nos artigos 161 0 n.°2 e 163.°, n.° 1 e 3 do N.C.P.A..

Nestes termos e nos melhores de Direito aplicáveis, deverá a Douta Sentença recorrida ser revogada em conformidade, conhecendo-se dos vícios de erro nos pressupostos e de aplicação do direito, do despacho do Ex.° Sr. Diretor Municipal da Presidência da Câmara P… e Presidente do Conselho de Administração da Domus Social, EM, de 1/8/2017, impugnado nos presentes autos, com todas as legais consequências.

É o que se pede e se espera desse tribunal, assim se fazendo a habitual e requerida JUSTIÇA.

(…)”.

*Notificado que foi para o efeito, o Recorrido contra-alegou, embora de forma não conclusiva, nos seguintes termos: “(…) A apelante insurge-se contra a decisão do Tribunal a quo que determinou a absolvição das Rés da instância, resultado da não verificação dos vícios assacados ao ato administrativo que em caso de verificação dos mesmos determinaria a anulabilidade do ato de resolução do contrato de arrendamento apoiado.

Mas não lhe assiste, salvo o devido respeito, razão.

Apesar dos esforços argumentativos que a apelante faz nas suas alegações de recurso, é manifesto que os vícios assacados por esta não se verificam.

De facto, a apelante fundamenta a tese de que o ato administrativo padece de diversos vícios nomeadamente, a violação do direito constitucional à habitação ( artigo 65° da CRP), do princípio da intransmissibilidade das penas e da presunção da inocência e também da caducidade do direito de resolução do arrendamento.

Ora, Como decorre do Acórdão criminal, já transitado em julgado, proferido no processo N° 108/10.4BEPRT ficou provado que o filho da Apelante, FMAG, utilizava a residência onde habitava e que era o locado em causa nestes autos (bloco x, Entrada xx9, casa x1, Bairro de F..., P…) para armazenar e guardar os estupefacientes, que depois transportava, entregava e vendia, tendo sido consequentemente condenado pelo crime de tráfico de estupefacientes.

A Apelante não foi de facto a autora material da prática de crime de tráfico, mas o certo é que o seu filho, uma das pessoas que o habitava e que se encontrava autorizado a habitar, importando atentar que não se vislumbra da lei que esta exija que o agente da utilização do prédio contrária à lei, aos bons costumes ou à ordem pública seja, apenas e só, o arrendatário, antes abrangendo quem com ele nele habite, pois o que releva é a situação objetiva de "utilização do locado de forma contrária à lei, aos bons costumes ou à ordem pública”.

Portanto, toda esta atividade ilícita era feita em contexto de bairro social, ou seja, no contexto de casas cedida pela Ré a pessoas sem condições económicas para providenciarem pela sua habitação de outra forma.

O facto de a habitação em causa ser usada para o negócio de bando onde o filho da Apelante se inseria e, ainda, deste usar um fogo de um bairro social (no qual habitava, ao contrário do que alega a apelante) para traficar droga é censurável numa dimensão criminal - e por isso o seu filho foi punido - e também numa perspetiva da relação jurídico administrativa de concessão da habitação.

Daí que tendo ocorrido o armazenamento de estupefacientes no locado, tal comportamento constitui, à luz do art. 1083.°, n.° 2, al. b) do CC, fundamento bastante para a resolução do contrato de arrendamento apoiado em causa, por parte do senhorio.

E o facto de ser duplamente relevante não faz com que a punição seja a dobrar.

Por outro lado, não se vislumbra que tal interpretação dos normativos citados viole o princípio da presunção da inocência (artigo 32.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa) ou da intransmissibilidade da responsabilidade criminal (artigo 30.°, n.° 3 da CRP), porquanto o filho da A. foi este Já condenado por decisão penal transitada em julgado na qual se deu como provado que usava o locado para o tráfico de droga, não beneficiando de qualquer presunção de inocência, sendo que como já se disse o facto de a atuação do filho da Apelante ser duplamente relevante não faz com que a punição seja a dobrar. Trata-se tão só de retirar as consequências legais de uma utilização proibida do fogo em causa. Acresce que, contrariamente ao que a Apelante faz transparecer a resolução do contrato de arrendamento não consubstancia uma transmissão da pena a que foi condenado o seu filho, mas unicamente de retirar as consequências legais da utilização indevida do fogo habitacional em causa.

Aliás, isso mesmo ficou decidido ainda este não pelo TEDH - ARTIGO 6.° DA CONVENÇÃO Presunção de inocência Güç c. Turquia - queixa n° 15374/11, Acórdão de 23.01.2018 [Secção II].

Ainda, relativamente à alegada violação ao direito a habitação, a apelada prossegue o interesse público de proporcionar habitação em locais que não permita a prática de ilícitos desta natureza, em locais onde se possa conviver em paz, cada um levar a sua vida e as crianças não serem obrigadas conviver com a criminalidade e seus perigos e pressões, pois que não existe qualquer sobreposição de direitos, mas tão só a prossecução do interesse público a que está adstrita a aqui apelada.

Esquece a Recorrente que o direito de habitação não é um direito absoluto e foi precisamente e é precisamente por isso que á decisão recorrida não deve ser assacada qualquer crítica.

De qualquer das formas, como bem discerniu o Tribunal a quo, a situação quanto à caducidade não se enquadra nos termos descritos pela Apelante.

Vejamos, O contrato de arrendamento que está em causa nos presentes autos, é um contrato que se rege pelo seu diploma próprio, nomeadamente a Lei 81/2014 de 19.12, e apenas em caso de omissão na regulamentação por parte deste mesmo diploma se irá aplicar supletivamente o disposto no Código Civil.

Deste modo, prescreve o artigo 25° do mesmo diploma que “não caduca o direito à resolução do contrato ainda que o arrendatário ponha fim à causa que a fundamentou”, não operando como se percebe a caducidade.

Acresce que não pode a Recorrente utilizar em sede de recurso fundamentos que não usou no processo que produziu a decisão recorrida, e por isso, não pode ser apreciada pelo Tribunal ad quem a invocação do abuso de direito relativo ao ato de resolução, uma vez que a Recorrente não se fundamentou nesse vício quando intentou a ação ou mesmo em momento ulterior do processos cognitivo de declaração.

Assim sendo, é entendimento das apeladas que a decisão recorrida não enferma de qualquer vício devendo consequentemente manter-se.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO IMPROCEDENTE E, CONSEQUENTEMENTE, SER MANTIDA A DECISÃO RECORRIDA.

(…)”.

*O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida, que não vincula este Tribunal Superior [cfr. artigo 641º, nº. 5 do CPC].

*O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso.

*Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

*II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT