Acórdão nº 48/18.9BEPDL de Tribunal Central Administrativo Sul, 19 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCHÃO MARQUES
Data da Resolução19 de Junho de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório F............, S.A. (ora Recorrente), intentou no TAF de Ponta Delgada acção administrativa de contencioso pré-contratual contra a S............, S.A.

, e contra a Secretaria Regional da Saúde da Região Autónoma dos Açores, Unidade de Saúde de Ilha (USI) de Santa Maria, USI São Miguel, USI Terceira, USI São Jorge, USI Pico, USI Graciosa, USI Faial, USI Flores, USI Corvo, Hospital do Divino Espírito Santo, Hospital Santo Espírito da Ilha Terceira, Hospital da Horta, mais indicando como Contra-interessada a sociedade V............

.

Deduziu, a final, os seguintes pedidos: “(…) ser anulado/declarado nulo o ato de adjudicação e a Entidade Demandada condenada a praticar novo ato de adjudicação da proposta da Autora.

Caso assim não se entenda, deverá ser anulado todo o procedimento de adjudicação relativo ao Lote n.º 1 e a Entidade Demandada condenada a repetir o procedimento de adjudicação desse Lote.

Em todo o caso devem ser declarados nulos/anulados os contratos públicos de aprovisionamento que tenham sido – ou venham a ser – celebrados com base no ato de adjudicação impugnado.”.

Por despacho de 13.09.2018do TAF de Ponta Delgada, foi admitida a ampliação da instância ao acto de revogação da decisão de contratar.

Foi proferido saneador-sentença em 30.11.2018 pelo tribunal a quo que julgou: i) Procedente a invocada excepção de ilegitimidade passiva da Secretaria Regional da Saúde da Região Autónoma dos Açores, Unidade de Saúde de Ilha Santa Maria, Unidade de Saúde de Ilha de São Miguel, Unidade de Saúde de Ilha Terceira, Unidade de Saúde de Ilha São Jorge, Unidade de Saúde de Ilha Pico, Unidade de Saúde de Ilha Graciosa, Unidade de Saúde de Ilha Faial, Unidade de Saúde de Ilha Flores, Unidade de Saúde de Ilha Corvo, Hospital do Divino Espírito Santo Ponta Delgada, Hospital Santo Espírito da Ilha Terceira e Hospital da Horta, absolvendo-os da instância; ii) A acção improcedente, absolvendo a Demandada e a Contra-interessado dos pedidos.

O tribunal a quo fixou no saneador-sentença o valor da acção em EUR 112.510,69.

A F............

vem agora interpor recurso jurisdicional da decisão que julgou a acção improcedente, bem como da fixação do valor da causa.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões: A.

O ato de adjudicação impugnado viola, ao contrário do decidido na Sentença recorrida, a alínea b) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP, uma vez que não houve qualquer violação de parâmetros base do caderno de encargos (através dos atributos propostos pela Recorrente).

B.

O Tribunal a quo errou na elementar distinção entre "atributo" e "termo ou condição", uma vez que o material utilizado para os tubos objeto do procedimento de contratação sub iudice - plástico ou vidro - não era objeto de avaliação (cf. artigo 20.º do Programa do Procedimento) e, portanto, não pode ser atributo.

C.

Como se sabe, apenas podem ser qualificados como atributos das propostas as prestações ou tarefas concretamente definidas (pela sua espécie, qualidade e quantidades e por quaisquer outros elementos ou características) que, em relação aos aspectos de execução do contrato submetidos à concorrência pelo caderno de encargos (artigo 56.!1/2) e aí valorizados como factores de avaliação das propostas (artigo 75.9/1).

D.

Ao decidir que o lapso existente quanto ao material constituinte dos tubos incidia sobre um atributo da proposta, o Tribunal a quo violou o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP.

E.

Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, a indicação do material constituinte dos tubos reflete-se não num fundamento para a exclusão da proposta da Recorrente, mas num manifesto erro de escrita que poderia ter sido corrigido - caso tal oportunidade tivesse sido dada à Recorrente - já que resulta evidente que o que se pretendia (e pretende propor) são tubos de plástico.

F.

Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo ignorou o valor jurídico da "Declaração de Aceitação do Conteúdo do Caderno de Encargos pelo Concorrente" (cfr. DOC.12 da P.1.) e, bem assim, as mais elementares regras de interpretação da declaração negocial constantes dos artigos 236.º e seguintes do Código Civil, assim como a teoria dos vícios da vontade, que se mostram violadas pela Sentença recorrida.

G.

O Tribunal a quo deveria ter concluído que o declaratário [a Recorrida] conhecia a vontade real do declarante [da Recorrente], que era a de propor tubos de plástico e que, portanto, teria de ser de acordo com essa vontade real que vale a declaração emitida.

H.

A decisão do Tribunal a quo, além de violar a Lei, ignora reiterada jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, de acordo com a qual "o princípio da intangibilidade ou estabilidade das propostas, corolário da concorrência que vigora, em especial, no direito de contratação pública, (...) não obsta à correção de lapsos e erros materiais que as propostas apresentem, quando manifestos, sendo até de correcão oficiosa e a todo o tempo, como impõem os artigos 249.º do Código Civil e 148.º do Código de Procedimento Administrativo que consagram um princípio geral de direito" (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 22 de março de 2011 (processo n.º 1042/10).

"é de admitir não só a rectificação de erros manifestos nos documentos, mas também quaisquer lapsos ou incorrecções de pormenor (...) [sendo que] pode haver casos em que, não existindo lesão de valores e interesses em jogo, deve[rá] admitir-se excepcionalmente a correcção, emenda ou alteração (em sentido amplo) das propostas " (cf. Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul, de 01.06.2011, processo 07643/11).

I.

Errou, por isso, o Tribunal a quo ao não considerar que o lapso presente na proposta da Recorrente deveria ter sido oficiosamente corrigido ou, pelo menos, desconsiderado, pelo Júri do júri, uma vez que se está perante um inegável lapsus linguae na expressão da vontade da Recorrente, relativamente a um aspeto que a Recorrente não estava sequer obrigada a incluir na sua proposta (dado tratar-se de uma obrigação a cumprir na execução do contrato).

J.

Tal erro reflete-se, também e de acordo com a jurisprudência deste Alto Tribunal, numa violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 7.º do CPA.

K.

Por outro lado, o Tribunal a quo decidiu também erradamente quanto ao dever, que impendia sobre o Júri do procedimento (nos termos do disposto no artigo 72.º do CCP), de solicitar esclarecimentos quanto ao material constituinte dos tubos, assunto que não contende com qualquer parâmetro da proposta que fosse avaliável {mas sim com um aspeto de execução do contrato).

L.

Pelo contrário e porque não se tratava de um esclarecimento que pudesse incidir sobre um parâmetro da proposta ou qualquer outro aspeto concorrencialmente relevante, o Tribunal a quo violou o artigo 72.º do CCP.

M.

Pelas mesmas razões, violou a Sentença recorrida o princípio do inquisitório, atualmente consagrado no artigo 58.º do CPA.

N.

O Tribunal a quo, além de errar quanto ao julgamento da ilegalidade da exclusão da proposta da Recorrente - e não realização do pedido de esclarecimento pelo Júri do procedimento - errou também quanto ao dever de excluir a proposta que veio a ser adjudicada.

O.

Com efeito, a proposta adjudicada enferma de grave causa de exclusão, uma vez que não apresentava as características, requisitos e especificações dos artigos, conforme exigido pela alínea c),do ponto 11.1do Programa do Procedimento, falha que afetava, essa sim, a possibilidade de à luz do fator "qualidade técnica", avaliar a proposta da Contrainteressada.

P.

O Tribunal a quo entendeu, erradamente, que o Código de Dispositivo Médico do produto proposto permitia tal avaliação, obnubilando, assim, que as características, requisitos e especificações dos artigos e o Código de Dispositivo Médico constituíam "elementos documentais" da proposta perfeitamente distinguidos nos termos do Programa do Procedimento -cfr. alínea f) e c),do ponto 11.1do artigo 11.Do Programa do Procedimento - que não permitiriam, de resto, a avaliação técnica necessária, de acordo com o critério de adjudicação.

Q.

Pelo que a Sentença recorrida padece de erro de julgamento ao não considerar que a proposta da Contrainteressada V............ deveria ter sido excluída, violando a alínea a), do n.º 2 do artigo 70.º do CCP e a alínea b), do n.º 1do artigo 57.º do CCP.

R.

Mesmo que se considerasse que a falha identificada na proposta da V............ não se referia a um atributo da proposta (o que apenas se concede por mera cautela de patrocínio), então estar-se-ia perante uma violação da alínea b), do n.º 2 do artigo 70.º e da alínea c), do n.º 1do artigo 50.º do CCP.

S.

É que, ao contrário do que é referido na Sentença recorrida, não se alcança, da proposta adjudicada, onde se podem encontrar os elementos necessários à avaliação da proposta nem o Tribunal a quo o identifica, limitando-se a afirmá-lo, sem mais -quando resulta, claramente, das peças do procedimento o grau de "densificação" do que haveria de constar de tal documento, pelo que os concorrentes teriam obrigatoriamente de integrar na proposta os mencionados elementos, os quais respeitam, necessariamente, às características, requisitos e especificações dos artigos que o concorrente se propõe fornecer.

T.

É, por isso, inteiramente aplicável a jurisprudência deste Alto Tribunal que conclui, para situações idênticas, existir um dever legal de exclusão das propostas (cf. Acórdão de 21.10.2010, processo n.º 6658/10, e também Acórdão de 07.03.2013, processo n.2 09093/12).

U.

Assim, verifica-se erro de julgamento por parte do Tribunal a quo ao não reconhecer a existência de uma causa de exclusão da proposta da V............, nos termos conjugados do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 57.º do CCP e da alínea b), do n.º 2,do artigo...

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