Acórdão nº 02247/14.3BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 03 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução03 de Maio de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO JAAP, N.I.F. 13…70, residente na Rua S…, Fragoso, Barroselas, instaurou acção administrativa especial contra o Ministério da Defesa Nacional, pedindo que: -seja anulado o acto deste que indefere o seu pedido de qualificação como Deficiente das Forças Armadas, por violar o preceituado nos artigos 2º e 268º/3 da Constituição da República Portuguesa, bem como nos artigos 6º-A, , 124º e 125º do Código do Procedimento Administrativo, e ainda o estatuído nos artigos 1º/2 e 3, e 2º/1, 2 e 3, do DL 43/76, de 20 de janeiro; -seja o Ministério da Defesa Nacional condenado na prática do acto administrativo devido, reconhecendo que a sua doença foi adquirida em cumprimento do serviço militar obrigatório e por motivo da sua exposição a factores traumáticos de stress.

Por sentença proferida pelo TAF de Braga foi anulado o acto impugnado e condenado o Réu a praticar novo acto, munido da fundamentação adequada.

Desta vem interposto recurso.

*Alegando, o Réu concluiu: A.

Considerando o quadro factual, dado como provado, e bem assim, da factualidade apurada ao nível do serviço militar prestado pelo Autor no Ultramar, é manifesto que o mesmo não preenche os requisitos exigidos no Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro, designadamente os previstos no n.º 2 do artigo 1º, por não ter sido estabelecido nexo de causalidade entre a doença e o cumprimento do serviço militar e ainda que tivesse sido, não integraria os conceitos descritos nos nºs 2 e 3 do artigo 2º, para ser qualificado DFA.

  1. As entidades médicas competentes após apreciação de todos os elementos que compõem o processo clínico do A., designadamente a avaliação levada a cabo na clínica de psiquiatria do HMR1 e o relatório de psicometria forense realizado no mesmo hospital, elaboraram os respetivos pareceres que obtiveram despacho de homologação por parte das entidades respetivamente competentes.

  2. As juntas de saúde de cada ramo das forças armadas são as únicas com competência para julgar a aptidão para todo o serviço ou para verificar a eventual diminuição permanente exprimindo-a em percentagem de incapacidade, como decorre do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro.

  3. Para a tomada de decisão quanto ao não estabelecimento do nexo de causalidade entre a doença e o serviço militar, foram considerados todos os elementos clínicos que integram o processo clínico o qual inclui o parecer da JHI/HMR1.

  4. A questão de saber se a doença se encontra ou não diretamente relacionada com a prestação do serviço militar constitui matéria de perícia médica, inserida no domínio da chamada “discricionariedade técnica” essencialmente médica, salvo ocorrência de erro manifesto ou grosseiro. Como decidiu o STA no Acórdão de 06.10.2011, Processo n.º 0502/11 (in www.dgsi.pt).

  5. Foi, ainda, devidamente fundamentado de facto e de direito, o ato que indeferiu o pedido do A. para ser qualificado DFA., na parte relativa às condições em que prestou o serviço militar, resultando amplamente provado que o A. não prestou serviço nas condições exigidas no n.º 2 do artigo 1.º do referido Decreto-Lei n.º 43/76, pelo que a doença, ainda que tivesse sido adquirida ou agravada no cumprimento do serviço militar, o que não foi considerado, nunca poderia ser considerada como adquirida “em serviço de campanha”, o que por si só inviabilizaria o pedido.

  6. Verifica-se, assim, que a douta sentença se ficou por uma análise perfunctória do quadro jurídico aplicável, fazendo uma incorreta aplicação do direito ao caso “sub judice”, pelo que se impõe a devida sanação.

Nestes termos e nos demais de direito, que suprirão, deve ser dado provimento à presente alegação e, consequentemente, ser anulada a sentença recorrida, com a prolação de novo aresto que confirme o ora impugnado ato do Secretário-geral do MDN, assim se mantendo na ordem jurídica o indeferimento do pedido de qualificação do autor como deficiente das Forças Armadas, com as demais consequências legais associadas.

*Não foram juntas contra-alegações.

*O MP, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

*Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS DE FACTO Na sentença foi fixada a seguinte factualidade: 1. O Autor, ex-Soldado JAAP, foi alistado em 12 de junho de 1967 e incorporado em 5 de fevereiro de 1968 como recrutado, tendo cumprido uma comissão de serviço na ex - Província Ultramarina (PU) de Angola, no período de 6 de agosto de 1968 a 7 de setembro de 1969, tendo integrado o Pelotão de Artilharia Antiaérea 2xx8, com a especialidade de Condutor de Auto-Rodas, tendo passado à disponibilidade em 3 de janeiro de 1969 – cfr. fls. 108 a 119 do PA apenso; 2. O processo para qualificação como DFA do Autor foi impulsionado pela Repartição Técnica de Saúde (RTS) da Direção dos Serviços de Saúde (DSS), por ter sido recebido naquela Repartição um processo clínico respeitante ao ex-Soldado JAAP, para admissão à Rede Nacional de apoio aos militares e ex-militares portugueses portadores de perturbação de pós-stress traumático – cfr. fls. 123 e 124 do PA apenso; 3. Do processo consta uma informação do Núcleo de Stress Traumático do Serviço de Psiquiatria do Hospital Militar Regional N.º 1 (HMR1), datada de 16 de outubro de 2008, em que se refere que foi recebido naquele Serviço um Relatório Médico do Serviço de Psiquiatria do Hospital de S. Marcos – Braga, com o diagnóstico definitivo “Perturbação de Stress Pós Traumático” – cfr. fls. 126 a 155 do PA apenso; 4. Considerou aquela RTS/DSS ser “necessário provar, no âmbito da instrução do processo, com a finalidade de estabelecer nexo causal entre a situação clínica atual e as vivências traumáticas ocorridas durante o serviço militar” a eventual atividade operacional do Autor e a ocorrência de episódios potencialmente traumáticos no decurso do serviço militar – cfr. fls. 123 e 124 do PA apenso; 5. Foi instruído um processo por Stress Pós-Traumático, na Escola Prática dos Serviços, do Comando da Instrução e Doutrina, ao qual para além da folha de matrícula, foi junto um Processo de Averiguações por Doença em Serviço, instaurado na sequência de um requerimento do Autor de 17 de julho de 1979 – cfr. fls. 156 a 209 do PA apenso; 6. Nesse requerimento, o Autor expôs que “Quando prestava serviço na ex-Província de Angola, foi acometido, da doença de paludismo, tendo como consequência da mesma sido tratado de problemas psiquiátricos. Motivado por tal doença, foi evacuado para o HMP [Hospital Militar Principal] de Lisboa sendo pelo mesmo, dado incapaz de todo o serviço militar, tendo desde essa data, sofrido de constantes dores de cabeça, alteração fácil dos nervos e bastante falta de memória. Uma vez, (…) não existir processo por doença; vem requerer (…) se digne conceder-lhe a abertura do mesmo (…) juntando para tal uma declaração do seu médico assistente.

” – cfr. fls. 159 do PA apenso; 7. Em Informação da DSS n.º 17/80, de 21 de fevereiro de 1980, refere-se o seguinte “ (…) 02-Consultados o ficheiro que nos foi enviado por aquele Hospital [Hospital Militar de Luanda] foi localizada uma ficha do referido militar em que consta que - Baixou à Enfermaria de Psiquiatria em 02JUL69 e teve alta a 08 SET69 por ter sido transferido para o Hospital Militar Principal. 03- Consultados os livros de actas da JHI daquele hospital, (…) onde consta: - Presente à JHI em 14AGO69. – Nome da lesão: Esquizofrenia (sic). – Opinião da Junta: Transferido para o Serviço de Psiquiatria do H.M.P. em Lisboa para continuação de observação e tratamento. Evacuação não urgente e não grave.”- cfr. fls. 122 do PA apenso; 8. Recebida a cópia do Boletim Clinico do HML onde consta o Relatório Médico do Serviço de Psiquiatria do mesmo hospital de agosto de 1969, alusivo ao Autor, no mesmo conclui-se que “01- O soldado JAAP é portador de uma esquizofrenia inicial.

” – cfr. fls. 168 a 174 do PA apenso; 9. Foi proposta a sua presença a uma Junta Hospitalar de Inspeção (JHI) a fim de ser transferido para o HMP, tendo a evacuação do Autor sido autorizada a 14 de agosto de 1969 – cfr. fls. 168 a 174 do PA apenso; 10. Em 28 de outubro de 1969 o Autor foi considerado pela JHI do HMP “Incapaz de todo o serviço militar (…) apto para o trabalho e para angariar meios de subsistência” pelo diagnóstico de esquizofrenia – cfr. fls. 162 a 164 do PA apenso; 11. No âmbito do processo instrutório, o Autor foi ouvido em auto de declarações três vezes – cfr. fls. 160 a 187 do PA apenso; 12. A primeira em 14 de fevereiro de 1980, referindo que “(…) foi destacado para Noqui. Aqui passou a desempenhar os serviços normais da sua especialidade que era a de condutor; fazendo também serviços no posto de sentinela da secção à qual pertencia. Refere que não participou em colunas ou missões operacionais por tais serviços não lhe competir uma vez que pertencia à secção de Radar que tinha como principal missão o controlo da aviação. Que em Maio de mil novecentos e setenta o declarante foi em gozo de licença para Malange e uma vez aí teve um surto de paludismo tendo por essa razão sido evacuado para Luanda onde permaneceu cerca de dois meses e meio e daqui para o Hospital Militar Principal Lisboa, não tendo por conseguinte voltado a Noqui.

” – cfr. fls. 160 e 161 do PA apenso; 13. Em 18 de julho de 1980 é de novo ouvido destacando-se o seguinte, “que confirma as declarações das folhas 4 e quatro verso apenas rectificando (…) para fins de Junho de mil novecentos e sessenta e nove, data em que teve o surto de paludismo.

” – cfr. fls. 186 do PA apenso; 14. E uma outra vez em 19 de setembro de 1980 acrescentando o seguinte “que durante cerca de onze meses que permaneceu em Noqui, nunca participou em actividade operacional fazendo apenas serviço de sentinela na secção de Radar a que pertencia” – cfr. fls. 187 do PA apenso; 15. No âmbito da instrução do processo por doença foram inquiridas testemunhas, das quais apenas uma se...

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