Acórdão nº 00741/05.6BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 03 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução03 de Maio de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO INT instaurou contra os HUC (HUC), ambos melhor identificados nos autos, acção administrativa comum, peticionando o pagamento da soma de €631.463,85 (seiscentos e trinta e um mil quatrocentos e sessenta e três euros e oitenta e cinco cêntimos) a título de responsabilidade civil extracontratual por acto ilícito.

Por sentença proferida pelo TAF de Coimbra foi julgada improcedente a acção e absolvidos do pedido a Entidade Demandada e os Intervenientes.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões: I.

A Autora não se conforma com a sentença que absolveu o Réu HUC e demais Intervenientes do pedido contra eles formulado.

  1. Verificou-se um erro na apreciação da prova, que influencia o julgamento.

    III.

    O ponto 57 dos factos dados como provados deve passar a ter a seguinte redação: “O eletromiograma deve ser feito decorridos vinte dias sobre os sinais de lesão”, estando assim consentâneo com o depoimento da Testemunha Dr. LN.

    IV.

    Os factos não provados em A e J foram erradamente julgados.

    V.

    O Tribunal, sem o justificar, desvalorizou as declarações da Autora.

    VI.

    O princípio de livre apreciação da prova não significa que o julgador possa, no momento valorativo da mesma, tomar uma decisão consoante o seu livre arbítrio, sem que aquela corresponda materialmente a um suporte probatório.

    VII.

    Deverá ser aditado aos factos provados um ponto com a seguinte redacção: “Em 29 de Janeiro de 2001 a Autora sofreu uma dor intensa” o qual está de acordo com as declarações da Autora e o depoimento da Testemunha prestado me sede de audiência de julgamento.

    VIII.

    Deverá ser aditado aos factos provados um ponto com a seguinte redacção: “No dia seguinte à intervenção cirúrgica de 30 de Janeiro de 2001 a Autora voltou a queixar-se ao Dr. CM que estava com dores muito fortes e que não conseguia mexer os dedos”, tal como resultou das declarações da Autora em sede de audiência de discussão e julgamento e não ter o Tribunal justificado a sua não valorização.

    IX.

    O momento da lesão do nervo radial há de situar-se na segunda cirurgia, em 30 de Janeiro de 2001, uma vez que previamente a esta, a Autora não apresentava qualquer défice neurológico.

    X.

    A causa concreta do ato que provocou a lesão não tenha foi concretamente apurado, podendo ter sido causada por variados motivos, desde o excessivo aperto de um garrote, à manipulação durante o ato cirúrgico, à atividade dos afastadores e, ainda, por algum dos topos ósseos durante as manobras de redução e estabilização.

    XI.

    Procedimento diferente deveria ter sido adoptado pelos agentes intervenientes na intervenção cirúrgica e, em particular, pelo médico interveniente, o Interveniente Dr. CM. Nomeadamente, durante a intervenção cirúrgica, maior cuidado na manipulação do nervo radial por qualquer dos intervenientes na mesma e, no pós-operatório, deveria o Dr. CM ordenado a realização do eletromiograma decorridos 20 dias sobre os sinais de lesão, mesmo que tal implicasse a prévia retirada do gesso ou tala.

    XII.

    A situação concreta da Autora, designadamente, uma fratura e refratura em tão breve espaço de tempo, a sua idade e antecedentes médicos, determinariam a um bonus pater familiae cuidados adicionais para além daqueles que seriam pelo seguimento estrito das leges artis e, designadamente, um acompanhamento mais próximo e preventivo de eventuais danos ou seu agravamento. O que não aconteceu! XIII.

    A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (n.º 2 do art. 487º do CC) XIV.

    Não obstante o ónus de prova, quanto à culpa, recair sobre o lesado, este ónus deverá ser mitigado pela exigência do esforço probatório do presumível lesante em demonstrar que agiu em conformidade com a sua leges artis, pois é quem está em melhores condições para o fazer (v. Ac. STJ, de 29.10.2015, Proc. N.º 2198/05.2TB FIG.C1.S1, in dgsi.pt).

    XV.

    Sendo como é entendida a culpa, enquanto juízo normativo de censura ético-jurídica, referida, não a uma deficiente formação de vontade, mas sim a uma deficiente conduta, há que apurar onde esteve, ou não esteve, a deficiente conduta profissional dos médicos.

    XVI.

    As leges artis são essencialmente técnico-científicas e correspondem às condutas que um médico comum, em situação equiparável, tendo em conta o estado da ciência e a doença em causa, teria assumido XVII.

    O médico deve agir – Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Outubro de 2001, CJ, 2001, Tomo III, pág. 166 e seguintes - segundo as exigências da legis artis e os conhecimentos científicos então existentes, actuando de acordo com um dever objectivo de cuidado, assim, como certos deveres específicos, como seja o dever de utilizar a técnica adequada ou ainda o dever de informação sobre tudo o que interessa à saúde do doente (Ac. STA, de 22.01.2004, Proc. N.º 01665/02, in www.dgsi.pt).

    XVIII.

    Se se tratar de médico especialista (v.g. um médico obstetra), sobre o qual recai um específico dever do emprego da técnica adequada, se torna compreensível a inversão do ónus da prova, por se tratar de uma obrigação de resultado – devendo o mesmo ser civilmente responsabilizado pela simples constatação de que a finalidade proposta não foi alcançada (prova do incumprimento), o que tem por base uma presunção da censurabilidade ético-jurídica da sua conduta.

    XIX.

    Estando em causa a actuação de médicos especialistas - v.g. ortopedistas - sobre os mesmos recaía o dever de emprego de técnica adequada, o que in casu não se verificou, resultando daqui a responsabilidade do médico em indemnizar os prejuízos causados ao doente ou paciente.

    XX.

    Segundo a doutrina da causalidade adequada, na sua formulação negativa, consagrada no art. 563.º do CC, o facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum, se mostrar (de todo) indiferente para a verificação desse dano.

    XXI.

    Se depois de uma intervenção cirúrgica simples as condições da Autora são piores do que as anteriores, como ficou provado na sentença, só pode entender-se que houve uma intervenção ou terapia inadequada ou negligente execução profissional, cabendo ao médico o ónus da prova de que a execução operatória foi diligente.

    XXII.

    Se a lesão do nervo radial pode ser causada por variados motivos, desde o excessivo aperto de um garrote, à manipulação durante o ato cirúrgico, à atividade dos afastadores e, ainda, por algum dos topos ósseos durante as manobras de redução e estabilização e se ficou demonstrado que tal lesão decorreu durante a segunda cirurgia, conclui-se, então, que qualquer interveniente na mesma poderá ter causado a lesão, violando as regras que deveriam observar nas cirurgias, manipulando com o cuidado devido o nervo radial, isto caso fosse necessária essa manipulação, o que se desconhece e os RR não alegaram sequer.

    XXIII.

    os RR não alegaram/provaram também quaisquer factos demonstrativos de que cumpriram, e designadamente que em momento prévio a qualquer uma das cirurgias tenham advertido a Autora para os riscos inerentes às mesmas.

    XXIV.

    E, designadamente, de que das referidas cirurgias pudesse resultar a neuropraxia, a qual corresponde a uma limitação da passagem do influxo porquanto o nervo foi estirado ou foi comprimido por edemas circunda (ponto 39 e 40 dos factos provados).

    XXV.

    Donde resultaria que ainda que a sentença não decidisse, como não decidiu, que na segunda cirurgia não foram desrespeitadas as leges artis sempre teria que entender haverem sido preteridos os deveres de informação.

    XXVI.

    Aos RR não basta para cumprir o ónus que lhe cabe a prova de que o tipo de intervenção efectuada importa um determinado risco, é necessário fazer a prova de que a sua conduta profissional, o seu rigoroso cumprimento das “leges artis”, foi de molde a poder colocar-se o concreto resultado dentro da margem de risco considerada e não dentro da percentagem em que normalmente a intervenção teria êxito – o que não se verificou! XXVII.

    Em momento algum, os RR alegaram e a sentença referiu que os RR tenham cumprido com o dever de prestar toda a informação sobre a natureza, características, técnicas a usar no exercício do acto médico, alterativas e riscos.

    XXVIII.

    A intervenção sem consentimento (ou o consentimento sem informação adequada) traduz-se tecnicamente numa ofensa corporal.

    XXIX.

    O direito ao consentimento livre e esclarecido é um postulado axiológico e normativo reconhecido por muitas ordens jurídicas e indubitavelmente consagrado no Direito português.

    XXX.

    A declaração de Lisboa sobre os Direitos do Doente da Associação Médica Mundial proclama: "O Doente tem o direito de aceitar ou recusar tratamento após ter recebido informação adequada" (alínea c).” XXXI.

    Na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia consagra-se expressamente o direito ao consentimento informado (art. 3º).

    XXXII.

    No direito interno português, o art. 25º da Constituição da República consagra o direito à integridade pessoal, afirmando que “a integridade moral e física das pessoas é inviolável” e o art. 26º, n. 1, estabelece o direito ao livre desenvolvimento da personalidade e o n.º 3 garante a “dignidade pessoal e a identidade genética do ser humano, nomeadamente na criação, desenvolvimento e utilização de tecnologias e na experimentação científica.” O direito à integridade moral e física e o livre desenvolvimento da personalidade são expressões concretizadas desse axioma fundamental que é a Dignidade Humana (art. 1º CRP).

    XXXIII.

    A Lei de Bases da Saúde confere aos utentes o direito a “ser informados sobre a sua situação, as alternativas possíveis do tratamento e a evolução provável do seu estado.” (Base XIV, n. 1, al. e) da Lei n. 48/90, de 24 de Agosto).

    XXXIV.

    O dever de esclarecer também está previsto no Código Deontológico da Ordem dos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT