Acórdão nº 1287/18.8BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 06 de Junho de 2019
Magistrado Responsável | PEDRO MARCHÃO MARQUES |
Data da Resolução | 06 de Junho de 2019 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório O Ministério da Justiça (Recorrente), interpôs recurso jurisdicional da sentença de 27.03.2019 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a acção administrativa urgente intentada pelo A.
Rui ................ (Recorrido) contra o aqui recorrente, onde peticionou a declaração de nulidade ou a anulação do despacho do Subdirector Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, que lhe foi notificado em 30.08.2018, que não qualificou como acidente ocorrido em serviço o acidente de viação por ele sofrido em 5.03.2016. Mais peticionou a condenação da Entidade demandada a reconhecer a referida situação como acidente de serviço, com o consequente reconhecimento do direito de reparação dos danos causados com efeitos reportados à data do acidente de viação.
Inconformado o Ministério da Justiça recorre da sentença do TAF de Sintra que decidiu:
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Condenar a Entidade demandada a reconhecer que o acidente de viação sofrido pelo Autor em 5.03.2016 constitui um acidente em serviço; b) Anular o despacho do Subdirector-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, de 24.06.2018, impugnado nos autos, confirmado pelo despacho da Secretária de Estado Adjunta e da Justiça de 10.12.2018.
As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões: a. Na génese da ação administrativa que culminou na sentença de que ora se recorre encontra-se o ato do Subdiretor-Geral da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, de 24 de julho de2018, que não qualificou a ocorrência de 5 de março de 2016 como acidente de trabalho in itinere; b. Ao condenar a Entidade Demandada a reconhecer que o acidente de viação sofrido pelo Recorrido em 5 de março de 2016 constitui um acidente de trabalho, a sentença impugnada incorreu em erro na interpretação dos normativos aplicáveis, em clara violação de lei; c. Como o Réu, ora Recorrente, tem sempre afirmado, o cerne da questão, o thema decidendi, radica no conceito e alcance de “residência ocasional”; d. Conceito esse que, com a devida vénia, o Tribunal a quo aprecia de uma forma muito ligeira e despida de substrato jurídico; e. No capítulo dos acidentes de trabalho in itinere (no percurso, no trajeto) relevam as ocorrências entre o local de trabalho e a residência habitual ou ocasional do trabalhador e vice-versa: f. E é precisamente pelo apelo à doutrina e à jurisprudência firmadas nesta sede que é de censurar que a douta decisão impugnada qualifique como “ocasional” a residência que o Recorrido tem na Arrifana; g. Na casa da Arrifana o Recorrido mantém o centro da organização da sua vida, sendo aí que reside o seu agregado familiar; h. É na Arrifana que o Recorrido, graças às características do horário que pratica, passa o seu tempo; i. Precisamente por ser na Arrifana que tem a sua base de vida, a sua existência organizada, é que o Recorrido procura promover as trocas das suas escalas de serviço para, deste modo, ali permanecer durante vários dias a dar apoio à família; j. Ao longo de todo o processo que culminou na não caracterização do acidente de viação como acidente de trabalho, nunca ficou esclarecida qual a real utilidade da casa situada na Marvila, Lisboa; k. Ficou por esclarecer em que circunstâncias é que o Recorrido aí ia pernoitar. Seria somente quando não conseguia trocar as escalas de serviço? Ou a morada foi dada com reserva mental, apenas com o fito de vir a perceber o subsídio de renda de casa? l. É que, graças à disponibilidade que caracteriza o exercício de funções do pessoal integrado no Corpo da Guarda Prisional, o Recorrido encontrava-se impedido de residir para além de 90 Kms do Estabelecimento Prisional de Caxias; m. Seguramente que a casa da Arrifana não poderia ser tida como residência habitual por ultrapassar a distância Atrás apontada; n. Mas, de igual sorte, não pode ser apelidada de “residência ocasional” como o douto Tribunal fez, na medida em que a “residência ocasional” é aquela que é esporádica, fortuita, temporária, o que não se verifica no caso em apreço; o. Na prática, o Recorrido mantém – ao arrepio do que lhe é determinado – residência habitual na Arrifana; p. Da concatenação dos normativos subsumíveis à situação vertente resulta a dúvida quanto á qualificação da casa da Arrifana e, consequentemente, saber se o acidente de viação registado no dia 5 de março de 2016 se verificou entre a casa e o local de trabalho, ou seja, se se tratou verdadeiramente de um acidente de trabalho in itinere; q. Também mal andou o Tribunal a quo ao não cuidar de identificar o nexo de causalidade no caso sub juditio; r. Há que procurar aferir deste nexo na relação entre o risco económico ou de autoridade e a residência do trabalhador; s. Fruto de uma ficção jurídica considera-se que a esfera de influência da entidade empregadora se desenvolve de e para a residência do trabalhador e o local de trabalho; t. Subjacente a este entendimento que alimenta aquela ficção jurídica está a salvaguarda dos interesses da entidade empregadora; u. Ora, no caso concreto, a residência na Arrifana serve os interesses de quem? Certamente que não é da entidade empregadora, tanto mais que esta não permite que se resida a mais de 90 Kms do Estabelecimento Prisional de Caxias; v. Sem aporias, a residência na Arrifana satisfaz única e exclusivamente os interesses do Recorrido; w. Continuou a laborar em erro a sentença recorrida ao descartar, sem mais, a circunstância de estarmos perante um guarda prisional que integra uma carreira especial (seja a nível de direitos, seja em sede de deveres); x. Esta realidade não podia ser, como efetivamente foi, escamoteada; y. Mandam as mais elementares regras da hermenêutica jurídica que se atendam às várias modalidades de interpretação; z. Impunha-se aqui que, antes de mais, se desenvolvesse uma interpretação sistemática dos normativos aplicáveis, não descurando, contudo, a teleologia dos comandos jurídicos, isto é, a “mischief rule” aplicável à interpretação da Statute Law do Direito Inglês; aa. Nada disso se verificou na situação em análise. O tribunal a quo ignorou por completo que o “acidentado” pertencia ao Corpo da Guarda Prisional, não assacando daí as devidas consequências; bb. É verdade que o ora Recorrente qualificou as questões atinentes à apresentação do original do Boletim de Acompanhamento Médico e das cópias do horário/escala por parte do Autor como meras minudências jurídicas; cc. Todavia este qualificativo inscreve-se no contexto em que se tinha como seguro que o acidente de viação de 5 de março de 2016 não seria tido como acidente de trabalho in itinere, o que não se veio a verificar; dd. Face à realidade com que a Entidade Recorrente ora se depara, importa significar que se assiste à exigência do sinistrado proceder à entrega do BAM logo após a alta atribuída, sendo que os dados neles constantes são indispensáveis para efeitos de justificação dos períodos de incapacidade temporária absoluta, bem como para efeitos de reembolso; ee. Por outro lado, assinala-se que as juntas médicas da ADSE ou CGA sustentam os seus pareceres em face da documentação clínica apresentada sobre registos contidos no BAM; ff. Por fim, diga-se, esclarece-se que o reembolso das despesas se faz mediante a apresentação dos originais dos documentos de despesa, inclusive das prescrições médicas.
O Recorrido apresentou contra-alegações, conforme seguidamente expendido: A. Assenta a fundamentação do recorrente em manifesto erro sobre os pressupostos de direito.
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Na verdade, as trocas de serviço são superiormente autorizadas pela entidade empregadora, através do Diretor do Estabelecimento Prisional.
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O recorrente sempre que está de serviço reside em Marvila, sendo a sua residência habitual, sendo de referir que desde inicio do ano de 2018, o horário de trabalho do corpo da guarda prisional é o vertido no Despacho 9389/2017 de 25 de outubro.
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Do procedimento administrativo consta o BAM, pendendo sobre o recorrente ao abrigo do princípio do inquisitório, dar cumprimento ao estatuído no artigo 12.º n.º 3 do D. L 503/99 de 20 de novembro e artigo 117.º do CPA, o que nunca concretizou, não obstante, este facto não ser causa de descaracterização do acidente de serviço nos termos previstos no artigo 14.º da Lei 98/2009 de 4 de setembro.
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O artigo 9.º n.º 2 alínea b) da Lei n.º 98/2009 de 4 de setembro estatui que “A alínea a) do número anterior compreende o acidente de trabalho que se verifique nos trajetos normalmente utilizados e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador entre a sua residência habitual ou ocasional e as instalações que constituem o seu local de trabalho” F. Mota Pinto defende que a residência ocasional é aquela em que a pessoa vive com alguma permanência, mas temporária ou acidentalmente num certo local (Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição, página 262). (sublinhado nosso) G. E, esta é a situação concreta do recorrido, tendo que para o efeito realizar trocas de serviço, reitere-se superiormente autorizadas pela entidade empregadora.
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O acidente de viação que o recorrido sofreu enquanto passageiro da viatura propriedade e conduzida pelo colega José ................ (falecido no acidente de viação), ocorreu pelas 5h50m quando se deslocava da sua residência ocasional para o seu local de trabalho, sito no Estabelecimento Prisional de Caxias, onde tinha que se apresentar às 7h45m.
I. O percurso da residência ocasional no dia 5.3.2016, era necessário e imprescindível para dar cumprimento à obrigação de prestar trabalho no lugar determinado pela recorrente/entidade patronal.
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Se assim não fosse, aquele trajeto não teria sido realizado.
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Para que ocorra a descaracterização do acidente em serviço, teria o recorrido que ter adotado um comportamento doloso ou negligente, o que não foi o caso.
L. O acidente ocorreu do trajeto habitualmente utilizado pelo recorrente nas...
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