Acórdão nº 1006/18.9BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 06 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelPAULO PEREIRA GOUVEIA
Data da Resolução06 de Junho de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul I – RELATÓRIO FARMÁCIA I........... intentou processo cautelar (depois convertido nos termos do art. 121º do CPTA) contra o INFARMED, IP.

É contra-interessado PAULO ....................

A pretensão formulada ao T.A.C. foi a seguinte: - Suspensão da eficácia da decisão pela qual o INFARMED determinou a suspensão do procedimento de transferência da farmácia da requerente.

- No processo principal, a anulação desse mesmo ato administrativo, a condenação da E.D. a retomar o procedimento iniciado pela requerente e a declarar a aptidão da localização da nova farmácia.

Após a discussão da causa, o T.A.C. decidiu absolver os demandados do pedido.

* Inconformada, a autora interpôs o presente recurso de apelação contra aquela decisão, formulando na sua alegação as seguintes longas conclusões: A.

Vem o presente recurso interposto da sentença que indeferiu o procedimento cautelar e, por essa via, a ação principal.

B.

Constitui fundamentos do mesmo (i) O erro de julgamento de direito; (ii) O erro de julgamento nos pressupostos de facto; (iii) Pontos de fato incorretamente julgados; (iv) Impugnação da decisão de antecipar o juízo sobre a causa principal; (v) Pedido de condenação do contrainteressado como litigante de má-fé e (vi) Impugnação do valor da causa.” C.

Ab ovo para invocar que a sentença enferma de nulidade, nos termos dos artigos 195.º/1 e 615.º/1 al. d) do CPC, na medida em que não se pronunciou expressis verbis sobre a necessidade de produção de prova do alegado pelos recorridos “…de que o processo do contrainteressado estava corretamente instruído…”, com o que inquinou todo o julgamento.

D.

Tal omissão influi decisiva e negativamente na decisão da causa, já que tal alegação, em face dos documentos entretanto obtidos e cuja necessidade de junção hic et nunc resulta do julgamento efetuado, vem, afinal, revelar-se como não verdadeira, sendo que o contrainteressado não só alterou a verdade como induziu o tribunal a quo e, admite-se, a entidade demandada, a representar uma situação fática distinta da realidade.

E.

De todo o modo, da matéria de facto dada por assente, vemos que a recorrente apresentou no dia 11.05.2018 um pedido de transferência da sua farmácia, tendo o contrainteressado apresentado um outro requerimento no dia 18.05.2018.

F.

Do elenco dos fatos assentes, mais resulta provado que no dia 21.05.2018, a recorrente foi notificada para juntar documentos, tendo a mesma cumprido tal notificação no dia imediatamente a seguir, ou seja, a 22.05.2018.

G.

Constitui causa de pedir no presente procedimento cautelar, o ato administrativo consubstanciado na deliberação do conselho diretivo da entidade recorrida de 14.08.2018 que deliberou “que a apreciação do pedido de transferência da Farmácia I....., ficará dependente da análise do pedido de transferência da Farmácia C....., e da decisão que venha a ser adotada sobre este último.”.

H.

Cediço convém sublinhar que tendo o requerimento da recorrente sido apresentado no dia 11.05.2018 e o do contrainteressado apresentado no dia 18.05.2018, devia, quando muito, e a não haver motivo para indeferimento liminar, que havia, estamos perante pedidos prejudiciais, já que não se está perante pedidos conflituantes, regulados no artigo 22.º da Portaria n.º 352/2012 de 30 de outubro, e neste caso a norma a aplicar é bastante clara, pois suspende-se o que entrou em segundo lugar, nos termos do artigo 38.º n.º 1 conjugado com o artigo 105.º 1 e 4, ambos do CPA.

I.

Devendo esta norma ser interpretada e aplicada no sentido de que a apreciação do requerimento entrado em primeiro lugar não se suspende se não nos casos expressamente previstos na lei e que em caso de prejudicialidade entre requerimentos é indeferido ou suspenso o apresentado em segundo lugar.

J.

Ademais, é inconstitucional, por violar os artigos 18.º/1, 20.º/4 e 266.º 1 e 2 da Constituição, a norma extraída da conjugação do artigo 38.º/1 e 105.º/1 do CPA, na interpretação de que suspende-se o requerimento apresentado em primeiro lugar pela mera circunstância terem sido solicitados documentos adicionais, ainda que previstos em Portaria, mas não exigidos pelo balcão eletrónico, a benefício de outro interessado.

K.

Quanto mais não fosse o requerimento do contrainteressado, devia ter sido indeferido, por aplicação do artigo 108.º/3 in fine do CPA, já que a pretensão estava ab ovo inviabilizada já que nos termos do disposto no artigo 20.º/1 al. d) da Portaria n.º 352/2012 de 30 de outubro, a certidão camarária de que o preenchimento dos requisitos relativos às distâncias exigidas pelas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 2.º, é condição sine qua non da admissão do requerimento e no caso concreto a Câmara Municipal fez constar expressamente que esses requisitos imperativos de distância não se mostravam, nem se mostram preenchidos.

L.

O tribunal a quo, insista-se, sem construir uma base fatual suficientemente sólida, na medida em que não procurou apurar ser verdade o alegado pelos recorridos de que o processo do contrainteressado estava corretamente instruído, como vem a provar- se, por documento de prova plena, não ser verdade, entendeu que o ato administrativo não padece dos vícios que lhe são imputados.

M.

Desde logo, o tribunal a quo errou ao considerar ser lícito à entidade demandada suspender e condicionar a apreciação do requerimento da recorrente, favorecendo a apreciação de um requerimento (prejudicado ab ovo) sem indicar uma base normativa em que alicerçou tal fundamento, quando certo é que o princípio da legalidade ou juridicidade, de acordo com a ideia do Direito, assim o impõe, pelo que foi violado o artigo 3.º/1 do CPA.

N.

Por outro lado, o tribunal a quo, errou de direito, já que sendo a regra do procedimento administrativo a oficiosidade, a entidade demandada, devia ter providenciado pelo suprimento oficioso dos documentos em falta quer solicitando à recorrente, como o fez, os que não pudesse obter pela interoperacionalidade do sistema, não sendo, em caso algum motivo de suspensão ou interrupção da marcha do procedimento, i. e., do dever de celeridade, nem muito menos para extinguir o direito da recorrente, tendo, pois, sido violado o disposto nos artigos 59.º, 108.º/2, 115.º/1 e 117.º/1, todos do CPA O.

É que sob a administração impende o ónus de realizar ex officio todas as diligências necessárias à instrução do procedimento, não podendo, a pretexto de uma deficiente instrução que, afinal não se verifica, limitar, restringir ou negar o direito da recorrente de ver apreciada em tempo útil, i. e., nos prazos legalmente estabelecidos, a sua pretensão, pelo que foi violado o disposto no artigo 13.º/1 do CPA.

P.

Ainda assim, cumpre demonstrar que, ao contrário do decidido pelo tribunal a quo, a não apresentação dos documentos em falta, não é imputável à recorrente, referindo-se, desde logo, que o requerimento de transferência de farmácia é tramitado única e exclusivamente no balcão eletrónico da entidade recorrida, submetendo-se, pois, à disciplina do artigo 62.º do CPA.

Q.

De acordo com o disposto neste artigo, os interessados estão obrigados não só a usar este meio como única forma de comunicação no procedimento, não sendo, ao contrário do decidido pelo tribunal a quo, admissível v. g.

, telecópia, correio físico, correio eletrónico, como estão vinculados a preencher os campos disponibilizados pelo balcão e a submeter os documentos que a entidade recorrida considerou como necessários para a pretensão.

R.

A recorrente satisfez os requisitos exigidos pelo balcão eletrónico, submetendo os documentos ali referenciados como obrigatórios, não existindo espaço ou campos para quaisquer outros documentos adicionais ou não, sendo certo que, à data da submissão do requerimento, os documentos entretanto solicitados, não constavam no referido balcão eletrónico como necessários ou adicionais, pelo que a decisão recorrida e o ato em crise violaram o disposto no artigo 62.º/1 al. a) do CPA.

S.

Note-se que após citação e oposição para esta providência a entidade recorrida modificou o seu balcão eletrónico, resultando que os campos reservados para o carregamento de documentos é dividido em duas áreas sendo uma descrita como “documentos obrigatórios” que grosso modo corresponde ao anterior layout e uma outra área identificada para “documentos adicionais”, o que significa inter alia que a entidade recorrida corrigiu o erro do seu balcão eletrónico e com o qual induziu a recorrente, como qualquer outro cidadão, numa situação omissiva de presentação de documentos, manifestamente, involuntária T.

Não é razoável impor-se à recorrente um ónus de “contornar a dificuldade”, até num contexto da desmaterialização do funcionamento da administração pública, um ónus que, além de não estar consagrado na lei, estava ab initio votado ao insucesso já que as funcionalidades do balcão eletrónico não são suscetíveis de contornar pelos particulares, uma vez que só o seu proprietário tem acesso a tais opções, pelo que o tribunal errou ao assim decidir.

U.

Do que vem dito, forçoso é concluir que inexiste uma conduta culposa ou negligente da recorrente, inculpabilidade que, aliás, se antevê de antemão face ao citado artigo 62.º n.º 1 do CPA e com a certeza, porém, de que, em caso algum, o erro ou falha nas instruções ou indicações da administração pode resultar em prejuízo para o interessado, por aplicação do princípio da confiança e também do dever de colaboração com o interessado, plasmado no artigo 11.º n.º 1 do CPA.

V.

Também o tribunal a quo errou na asserção de que os documentos não submetidos no portal não estavam na posse da recorrente já que alegado está que “Note-se que os documentos, cuja apresentação foi solicitada no dia,21.05.2018 são de obtenção instantânea, sendo certo que os mesmos, à exceção da certidão do registo comercial já estavam obtidos à data de 11.05.2018 e só não foram carregados no Portal precisamente porque...

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