Acórdão nº 2750/13.2BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 06 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelPEDRO NUNO FIGUEIREDO
Data da Resolução06 de Junho de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO A..

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e L..

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instauraram ação administrativa comum, tramitada sob a forma de processo ordinário, contra o Estado Português, na qual peticionaram a condenação do Réu no pagamento de uma indemnização nunca inferior a € 150.000,00, correspondendo € 75.000,00 para cada autor, como forma de compensar a negação do seu direito ao julgamento do processo em prazo razoável.

Alegam, em síntese, que decorreram onze anos entre o início do processo crime, por óbito de recém-nascido devido a atuação negligente do médico que assistiu a autora no parto, nada justificando um prazo tão longo, a negação do direito a um julgamento num prazo razoável implicou o prolongar da dor pela perda do seu filho e pelo sentimento de impunidade e de injustiça, com consequências bastantes graves.

Citado, o réu Estado Português apresentou contestação, invocando que o tempo decorrido desde o início do processo até ser proferida decisão final foi consequência não da inoperância do sistema de Administração da Justiça, mas da inusitada e abundante atividade processual, quer dos ali assistentes, aqui autores, quer dos arguidos e dos demandados civis, o desgosto e depressão alegados pelos autores decorrem não do tempo que os tribunais levaram até existir decisão final, transitada em julgado, mas sim da perda do recém nascido, concluindo pelo não preenchimento dos pressupostos de que depende o pagamento de indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado por atraso na administração da justiça.

Pro saneador-sentença de 06/06/2014, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou improcedente a ação e, em consequência, absolveu o Estado Português do pedido.

Interposto recurso pelos autores, este Tribunal Central Administrativo Sul anulou o saneador-sentença e determinou a baixa dos autos à 1.ª instância para aí prosseguirem os seus termos, com requisição ao tribunal criminal do identificado processo crime a que se reporta o invocado atraso na justiça, ademais solicitada pelo Estado Português na sua contestação, e com apropriação dos atos processuais nele praticados relevantes para a decisão do mérito da causa nos termos supra indicados, sejam os mesmos aditados, designadamente os vertidos no artigo 7º da contestação, devidamente concretizados, incluindo as datas em que os aqui autores se constituíram assistentes naquele processo e em que nele deduziram pedido de indemnização cível.

Após baixa dos autos, por sentença de 06/06/2017, o TAF de Sintra voltou a julgar improcedente a acção e, em consequência, absolveu o Estado Português do pedido.

Inconformados, os autores interpuseram recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem: “1. As asserções que permitem ao Tribunal a quo fundar a sua livre convicção partem de pressupostos errados, por não ter sido devidamente avaliada e interpretada a prova produzida nos autos e por ter havido uma leitura simplista das dificuldades que opõem os cidadãos à ausência de uma justiça célere, não podendo os Tribunais contribuir para que a verdade se torne definitivamente oculta, sem que haja qualquer ato passível de responsabilização jurídica quando estão em causa magistrados incautos e um Estado europeu que não sabe cuidar de levar à prática mecanismos eficazes de realização do Direito.

  1. No caso dos autos estamos perante pais que perderam um filho às mãos de médicos que atuaram negligentemente, tendo o seu processo crime ultrapassado onze (11) anos, o que configura um prazo que ultrapassa todos os limites expectáveis e razoáveis, que se deve ao facto de terem sido violados os prazos de duração máxima previstos na lei para cada fase processual (8 meses para o inquérito, 4 meses para a instrução), já que foram necessários: 2 anos e 7 meses para a conclusão do inquérito; 7 meses para a conclusão da instrução; 3 anos para a conclusão do julgamento - sem que os recorrentes, ou sequer os demais sujeitos processuais, tenham contribuído para essa delonga, o processo crime esteve pendente em 1.ª instância durante mais de seis (6) anos.

  2. Atentos os momentos temporais definidos na própria decisão impugnada conclui-se que: só o inquérito demorou mais de dois anos e meio (de 04.03.2002 a 10.11.2004); a instrução demorou cerca de sete meses (de 09.12.2004 a 14.07.2005); o processo esteve depois parado, sem qualquer desenvolvimento, durante um ano (desde as contestações, a primeira em 27.03.206, até 19.04.2007); a audiência de julgamento demorou mais de um ano a realizar-se (desde 19.04.2007 até 11.06.2008); tendo demorado, só a fase de julgamento, cerca de três (3) anos (de 14.07.2005 a 11.06.2008); seguiu- se um recurso da decisão condenatória que esteve pendente mais de um ano (desde 11.06.2008 até 16.09.2009); sucederam-se recursos, reclamações e pedidos, todos suscitados pelo arguido, e todos infundados, que consumiram no tempo mais um ano meio (de 16.09.2009 até 13.01.2011); foi reaberta a audiência de julgamento por decisão de Tribunal Superior e absolvido o médico arguido, o que motivou um recurso por parte dos aqui impugnantes decidido em sete meses (de 05.04.2011 até 08.11.2011); seguiram-se novos recursos, reclamações e pedidos do arguido que resultaram em mais um ano e meio de pendência (de 08.11.2011 até 09.01.2013).

  3. Tudo considerado, é indesmentível que o processo crime esteve pendente em primeira instância mais de seis (6) anos; da decisão final proferida em primeira instância (11.06.2008) até ao seu trânsito em julgado (09.01.2013) somaram-se outros cinco (5) anos. - Isto para não sublinhar, na contagem voraz do tempo, que também só esta ação de responsabilidade (iniciada em 22.10.2013 e concluída em 06.06.2017) já leva quase mais quatro (4) anos de pendência.

  4. O que, mesmo implicando uma intensa atividade processual, não explica a inércia do sistema judicial e a negação numa capacidade de resposta célere para resolver e abreviar todos estes incidentes, requerimentos e recursos - especialmente porque a maior parte de todo este tempo foi consumida, uma vez mais, por inércia ou ineptidão do Tribunal que julgou este caso em 1.ª instância, já que violou regras processuais ao valorar, reapreciar e realterar a prova fixada pela instância superior, o que implicou a necessidade de anulação da primitiva sentença, que consumiu um período de tempo evitável, e que se traduziu em cerca de mais dois (2) anos de litígio inútil (de 11.06.2008, data da sentença proferida em 1.ª instância, até 08.11.2011, data do acórdão da Relação de Lisboa).

  5. Nos autos que originaram a presente ação de responsabilidade do Estado, os recorrentes, sem terem contribuído para qualquer desses atrasos, viram de tudo: decisões de prorrogação de prazos de investigação; prazos de duração máxima ultrapassados para cada uma das fases processuais, o que os obrigou até a fazer pedidos de aceleração processual; paralisação do processo por longos períodos temporais sem qualquer justificação; paralisação do processo por motivo de pendência de recursos sem efeito suspensivo; início e repetição de depoimentos em longas sessões de julgamento; protelamento e adiamento de audiências por "impossibilidade de agenda" do tribunal; uma secretaria judicial com um volume de 800 processos atrasados; pedidos de escusa de juízes e de magistrados do Ministério Público; decisões judiciais de declaração de ineficácia da prova já anteriormente produzida; decisões judiciais proferidas em primeira instância em desobediência a decisões anteriores de Tribunais superiores; decisões judiciais anuladas; vários comportamentos relapsos, inúteis e censuráveis demonstrados por magistrados judiciais em fase de instância!!! 7. É neste contexto específico sério ou legítimo imputar a responsabilidade da ineficácia no funcionamento de um sistema de justiça como este aos próprios cidadãos, a todos os títulos prejudicados por tribunais que não funcionam e que originam excesso de pendência, como faz tanto pretende justificar a decisão recorrida ??? 8. Surge neste contexto tão particular a oportunidade de sublinhar a especial preocupação, a todos os títulos legítima, que suscitam decisões, como a que aqui se impugna, que desprezam os mais elementares direitos dos cidadãos com o único fito de salvaguardar o orçamento do Estado, poupando-o sempre que intervém como parte em ações de responsabilidade: ainda assim, cabe perguntar se será este o verdadeiro desiderato do Estado de Direito ?!? 9. Nos presentes autos verifica-se a ocorrência dos pressupostos, ditos clássicos, da responsabilidade civil extracontratual do Estado (e que a própria decisão recorrida foi deixando antever à medida que foi utilizando cada um dos argumentos para afastar a obrigação de indemnizar por parte do Estado): a) atos e omissões juridicamente relevantes e, neste sentido, ilícitos; b) culpa; c) prejuízo; d) nexo de causalidade.

  6. Em primeiro lugar estamos perante um conjunto de atos ou comportamentos humanos, ativos e omissivos, que são dominados ou domináveis pela vontade humana, sendo que tais atos e omissões revestem a natureza ilícita que, no caso, decorre da demora de 11 anos para decidir um processo comum em tribunal singular, em que não existia originalidade nos fundamentos da ação, não revestia a matéria de facto especial complexidade, não era volumoso o processo, não existia um número considerável de partes no processo (dois assistentes e dois arguidos, ao princípio; um arguido no final), nem era elevado o número de testemunhas ou peritos ou outros elementos de prova; esta ilicitude assenta na violação da obrigação de realização de um julgamento em tempo útil ou em "prazo razoável" e, por consequência, na ofensa ao princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrados no artigo 20.º, n.ºs 4 e 5, da Constituição da República Portuguesa, no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no artigo 47.º, segundo Parágrafo, da...

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