Acórdão nº 1401/18.3BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 06 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelPEDRO NUNO FIGUEIREDO
Data da Resolução06 de Junho de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO P……………, Lda.

, instaurou ação de contencioso pré-contratual, tramitada sob a forma de processo urgente, contra o Centro Hospitalar Tondela-Viseu, E.P.E.

, na qual apresentou pedido de declaração de ilegalidade de um conjunto de especificações técnicas constantes do procedimento designado “Concurso Público n.º 22/01218/2018. Diverso Material Clínico – Sistema de Tratamento de Feridas por Vácuo”, designadamente as posições 2, 4 e 6 do Lote A do procedimento e, em consequência, invalidando todos os atos praticados no referido concurso.

Alega, em síntese, que naquele concurso foi definido um conjunto de “Produtos em procedimento de compra” cujas especificações são importadas do catálogo da S……….. Lda., o que carrearia, assim, in casu, a que apenas esta entidade se visse em condições de aceder ao procedimento concursal; dirigiu reclamação ao júri do concurso, que não recebeu resposta; conclui ter sido violado o disposto no artigo 49.º do CCP, condicionando o procedimento à contratação de um único fornecedor possível, bem como os princípios da transparência, igualdade e concorrência.

Citado, o réu apresentou contestação, alegando, em síntese, a intempestividade da ação e no mais inexistir correspondência entre o catálogo da S……….. e as especificações técnicas do Caderno de Encargos, formuladas de acordo com o artigo 49.º, n.º 7, al. a), do CCP, estando em causa produtos muito específicos, e o PHMB não é uma substância antimicrobiana exclusiva dos produtos comercializados por aquela empresa; acresce que a composição dos kits assenta num juízo técnico dos médicos e enfermeiros, sendo insindicável pelo Tribunal, sendo que a autora não argui a ostensiva desrazoabilidade ou desproporcionalidade das especificações delineadas, nem apresentou proposta evidenciando que os produtos por si propostos correspondiam ao desempenho ou requisitos funcionais pretendidos, nos termos do artigo 49.º, n.º 10, do CCP.

Por despacho saneador de 09/10/2018, o TAC de Lisboa julgou improcedente a exceção dilatória de intempestividade do direito de ação, arguida pelo réu na contestação.

Por sentença de 10/01/2019, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa julgou procedente o pedido impugnatório formulado pelo autor e declarou a ilegalidade das especificações técnicas contidas nas posições 2, 4 e 6 do lote A do procedimento de concurso público com a designação “22/01218/2018 - Diverso Material Clínico – Sistema de Tratamento de Feridas por Vácuo”, aberto pelo Centro Hospitalar Tondela-Viseu, E.P.E., bem como de todos os atos ali por si praticados.

Inconformado, o réu Centro Hospitalar Tondela-Viseu, E.P.E., interpôs recurso desta decisão, assim como do despacho saneador proferido em 09/10/2018, que julgou improcedente a exceção de intempestividade do direito de ação do autor, pugnando pela respetiva revogação, terminando as suas alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem: “1) Não podemos concordar com interpretação do Digno Tribunal a quo no sentido de que o pedido de ilegalidade dos documentos do procedimento pode ser feito em qualquer momento do procedimento, até à celebração do contrato.

2) Em primeiro lugar, tendo em conta uma interpretação histórica e teleológica da norma, concluímos que o n.º 3 do art. 103.º não se reporta ao prazo (certo) para os interessados impugnarem os documentos do procedimento, mas tão-somente ao momento até ao qual o pedido de declaração de ilegalidade dos mesmos é admissível, por ser ainda admissível e comportável a reintegração in natura em termos procedimentais, caso seja procedente o pedido.

3) Isto em conformidade com a Diretiva 2007/66/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11/12/2007, que tem como uma das principais preocupações que os recursos sejam “eficazes e, sobretudo, tão céleres quanto possível” (cfr. art. 1.º, n.º 1, par. 3 da Diretiva), de molde a impedir que quaisquer ilegalidades do procedimento se comuniquem ao contrato e que, uma vez celebrado, exista a estabilidade necessária ao seu cumprimento.

4) Assim, para encontrarmos o prazo dentro do qual pode ser exercido o direito de ação em concreto, numa interpretação sistemática da lei, temos que recorrer ao art. 101.º, concluindo que o prazo será de um mês desde o conhecimento dos documentos (com a publicitação, com a disponibilização das peças aos interessados, ou até posteriormente, se forem violadas as regras de publicitação e acesso à informação pelos interessados, situações que a norma visa salvaguardar).

5) Nem se diga que o n.º 1, 1.ª parte, do art. 103.º afasta esta aplicação, pois o mesmo pretende reportar-se apenas à tramitação processual e o próprio art. 101.º não distingue entre os diversos tipos e processos pré-contratuais a que se aplica, ou seja, não dispõe que só se aplica aos casos de impugnação de atos administrativos – ubi lex non distinguir nec nos distinguere debemus.

Assim sucede no direito comparado, em Espanha e Itália, em que o legislador define um prazo uniforme para todas as reações que cabem neste tipo de contencioso, contado desde a notificação da decisão ou desde o conhecimento dos documentos.

6) A não se entender assim, no sentido da aplicabilidade do art. 101.º do CPTA, então deveria aferir-se se o interessado veio impugnar os documentos em prazo razoável, considerando o momento em que deles teve conhecimento, a fase procedimental em que se está e, assim, tomando em devida conta todos os interesses envolvidos, conforme melhor diremos infra.

7) Uma interpretação diversa daquela que defendemos não é sustentável, do ponto de vista da razoabilidade, da proporcionalidade, da boa-fé e dos interesses envolvidos, tudo isto determinante na interpretação da lei.

8) É que, a entender-se que um pretenso interessado em concorrer pode pôr em causa os documentos concursais até à celebração do contrato, estamos a admitir que a estabilidade concursal fica na disponibilidade do mesmo, que pode inclusive decidir só impugnar já após a adjudicação, quando já conhecia as pretensas ilegalidades, pelo menos, desde que acedeu às peças e, assim, em prazo mais alargado que do aquele que os candidatos excluídos ou preteridos têm para impugnar os atos de exclusão e/ou adjudicação! 9) Não pode, numa interpretação cega da lei, presumir-se que o legislador quis esse resultado. O que se exige ao intérprete é que enquadre e sopese a solução legal, ponderando as consequências da interpretação que leva a efeito quanto a todos os interesses públicos e privados envolvidos, assim aferindo a vontade justa e equilibrada do legislador.

10) A solução a que o Tribunal a quo chegou não é suportada pelo Direito e pela ética jurídica, na medida em que dá acolhimento a atuações abusivas e violadoras da boa-fé e da segurança jurídica, admitindo que pretensos interessados que conhecem as peças concursais desde o início deixem tramitar todo o procedimento, inclusive a adjudicação, para só aí virem assacar ilegalidades aos documentos! 11) Trata-se de uma solução juridicamente irracional, desproporcional e desrazoável, que prejudica o interesse público (com a deseconomia e ineficiência que isto comporta para as entidades adjudicantes que tramitam todo o procedimento) e os interesses privados dos concorrentes (com todos os custos que a tramitação do procedimento comporta também para os mesmos), concedendo uma posição de vantagem aos interessados não concorrentes sem qualquer fundamento material legítimo.

12) Em suma, considerando o que se vem de alegar, tem que entender-se que a reação contra os documentos do procedimento, por um interessado não concorrente, não pode ir além do prazo de um mês desde o conhecimento, pelo mesmo, desses documentos, admitindo-se a uniformidade do prazo do art. 101.º para todos os processos de contencioso pré-contratual.

13) A não se entender assim, no sentido da aplicabilidade do prazo do art. 101.º do CPTA, então deveria aferir-se se o prazo dentro do qual o interessado veio impugnar os documentos pode considerar-se razoável, atendendo ao momento em que deles teve conhecimento, a fase procedimental em que se está e, assim, tomando em devida conta todos os interesses envolvidos.

14) Assim, no caso concreto, a A. conhecia o teor das disposições do Caderno de Encargos cuja ilegalidade invoca, pelo menos, desde 04/06/2018 (cfr. ponto 2 dos factos provados), logo, nunca podia aguardar quase dois meses para intentar a presente ação, em 28/07/2018 (cfr. ponto 3 dos factos provados) – num juízo de razoabilidade, parece-nos mesmo, como já dissemos nos autos, que o interessado deveria ter que impugnar até ao prazo para apresentação das candidaturas, por todos os motivos expostos.

15) A presente ação é intempestiva, pelo que, ao decidir diversamente, o Tribunal a quo incorre em erro de julgamento por violação dos arts. 89.º, n.ºs 1, 2 e 4, al. k), 101.º e 103.º do CPTA, bem como dos princípios jurídicos mencionados que alicerçam a interpretação que defendemos, não podendo o despacho saneador recorrido manter-se na ordem jurídica.

16) Quanto ao segundo fundamento de intempestividade invocado, não podemos também concordar com o raciocínio gizado pelo Digno Tribunal a quo, pois o fundamento de ilegalidade invocado pela A. é o mesmo, quer na reclamação, quer na presente ação.

17) Logo, tendo ocorrido a rejeição (tácita) da reclamação, impunha-se à A. que reagisse contra a mesma no prazo previsto no art. 101.º do CPTA, o que não fez, razão pela qual a presente ação é intempestiva.

18) Deste modo, ao decidir diversamente, o Tribunal a quo incorre em erro de julgamento por violação dos arts. 89.º, n.ºs 1, 2 e 4, al. k) e 101.º do CPTA, devendo revogar-se o despacho saneador recorrido.

19) O Tribunal a quo incorre em erro de julgamento quanto à fundamentação de facto da sentença, pelos seguintes motivos:

  1. Jamais pode dar-se por provado o facto inserto no ponto 13 da fundamentação de facto, alicerçado nos documentos referenciados...

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