Acórdão nº 00658/17.1BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 29 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução29 de Março de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório SCFM, devidamente identificada nos autos, no âmbito de Ação Administrativa que intentou contra o Fundo de Garantia Salarial, tendente à impugnação do Despacho do Presidente do Conselho de Gestão do FGS que em 21/11/2016 indeferiu o pedido que havia formulado, no sentido de lhe serem pagos os créditos laborais que entendia ter direito, inconformada com a decisão proferida no TAF de Braga que em 20 de outubro de 2017 julgou improcedente a Ação, veio recorrer jurisdicionalmente para esta instância em 28 de novembro de 2017, tendo apresentado as seguintes conclusões: “I - A Lei n º 35/2004, de 29 de Julho, no seu artigo 319º previa que "o Fundo de Garantia Salarial só assegura o pagamento dos créditos que lhe sejam reclamados até três meses antes da respetiva prescrição" II - Encontrando-se o crédito da Recorrente reconhecido por sentença homologatória da transação do Tribunal de Trabalho, de 23/11/2012, o prazo de prescrição ocorrera a 23/11/2032 (prazo ordinário de 20 anos) III - Pelo que, face à refenda Lei, a Recorrente está em tempo para apresentar o requerimento de pagamento pelo Fundo de Garantia Salarial IV - Um dos pressupostos necessários para requerer o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho é a emissão de certidão comprovativa dos créditos reclamados pela ora Recorrente, na qualidade de trabalhadora da firma insolvente.

V - Tendo a sentença de insolvência sido decretada em 30/11/2014, e tendo sido o crédito reconhecido apenas no início de 2015, não poderá a Recorrente requerer ao FGS o pagamento dos seus créditos emergentes do contrato de trabalho em data anterior VI - A certidão requerida Junto aos autos do processo de insolvência apenas foi remetida em 28/04/2015, tendo sido rececionada em 30/04/2015, quinta-feira e véspera de feriado, pelo que a Recorrente apenas conseguiu dar entrada do requerimento em 04/05/2015, data de entrada em vigor do DL 59/2015, de 21 de Abril VII - Assim, não sendo convocável a regra de proibição expressa e automática de retroatividade das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, a situação recai, porém, no campo normativo do princípio da proteção da confiança dos Cidadãos, ínsito no princípio do Estado de Direito, que se encontra consagrado no artigo 2 º da Constituição VIII - Sendo certo que a mudança legislativa operada pela norma em análise afeta os efeitos Jurídicos produzidos sob o domínio do direito anterior, na medida em que Impede a ora Recorrente de exercer o seu direito de requerer o FGS IX - É, portanto, à luz do princípio da proteção da confiança que terá que ser apreciada a sua conformidade constitucional, pois assume, na jurisprudência constitucional portuguesa, um conteúdo normativo preciso, que faz depender a tutela da confiança legítima dos cidadãos da verificação de alguns requisitos ou testes cumulativos, designadamente, a confiança (legítima) dos particulares na continuidade do quadro normativo vigente e as razões de interesse público que motivaram a alteração X - O princípio da aplicação Imediata da lei, sendo pertinente para a presente questão de constitucionalidade, não tem, todavia, por efeito a aniquilação da legitimidade das expetativas que os privados tenham depositado na comunidade de um determinado regime normativo mesmo em matéria de processo desde logo, como qualquer princípio, ele é por natureza harmonizável com outros princípios, como o da tutela da confiança XI - A norma objeto do presente processo deve ser, por isso, submetida ao teste do princípio da confiança, analisando-se se o comportamento do legislador nesta matéria foi de molde a criar nos cidadãos expetativas legítimas, justificadas e fundadas de continuidade, em que estes se basearam ao formular planos de vida XII - Assim, decisões passadas tomadas pelos Cidadãos com base num determinado quadro normativo, relativamente estável, tiveram as suas consequências atuais e futuras afetadas negativamente pela presente alteração legislativa XIII - Sendo assim, a Recorrente depositou uma confiança legítima, criada e aumentada pelo legislador, representando o novo regime uma imprevisível opção legislativa defraudadora dessa confiança nada fazia prever, pela anterior conduta legislativa, que fosse retirado o prazo concedido pela lei anterior para formular o seu pedido XIV - Estas são razões suficientes para conferir legitimidade, consistência e validade às expetativas da Recorrente XV - As situações jurídicas afetadas pela alteração introduzida pela norma em análise apresentam-se como dignas de proteção. O que torna inevitável um exercício de ponderação que tem, num dos seus polos, o interesse da Recorrente em ver protegida a confiança que legitimamente depositou na não alteração do ordenamento jurídico, e no outro, o interesse público que subjaz à alteração XVI - Neste âmbito, o Tribunal deve confrontar o peso relativo da posição de confiança, afetada por uma mutação legislativa, com as razões que motivaram a alteração Identificáveis como interesse púbico XVII - Prosseguindo a mudança, em si mesma, um objetivo legítimo, o princípio da proteção da confiança requer a apreciação do modo como ela foi introduzida no ordenamento XVIII - No caso das normas em análise pode dizer-se que a Recorrente perdeu o acesso ao FGS por força da situação gerada com a mutação legislativa e que, com isso, ficou impedida da defesa e exercício do seu direito XIX - Assim, o interesse público subjacente àquele regime não tem um contrapeso suficientemente tenso face à medida da afetação da confiança legítima dos credores XX - Nessa medida, a norma objeto do pedido afeta excessivamente as expetativas dos particulares que se mostram legítimas e fundadas em boas razões, com ofensa do princípio constitucional da proteção da confiança dos Cidadãos, ínsito no princípio do Estado de Direito, que se encontra consagrado no artigo 2º da Constituição.

Termos em que dando-se provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão proferida, declarando-se procedente a ação, farão V. Exa. a sua inteira JUSTIÇA.”*O Recorrido/FGS...

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