Acórdão nº 812/18.9BEALM de Tribunal Central Administrativo Sul, 23 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelPEDRO NUNO FIGUEIREDO
Data da Resolução23 de Maio de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

*Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO Clube da ....

instaurou ação cautelar, ao abrigo do direito de ação popular, tramitada sob a forma de processo urgente, contra a Agência Portuguesa do Ambiente, I.P.

, a Administração dos Portos de….., S.A.

, a Sociedade ….e…., S.A.

, e, na qualidade de contrainteressados, o Município de Setúbal, o Turismo de Portugal, I.P.

, a Autoridade Marítima Nacional, e as Sociedades…., Unipessoal, Lda.

, P…, …, SA.

, T…. Lda.

, M…. & A…, Lda.

, H…., Lda.

, e T…., Lda.

, todos melhor identificados nos autos, na qual requereu a suspensão da eficácia da «Declaração de Impacto Ambiental emitida para efeitos do projecto de execução para a “Melhoria da Acessibilidade Marítima ao Porto de Setúbal» e de «todos os actos de licenciamento da competência da APA, na qualidade de entidade licenciadora, que dependam da existência e validade da DIA», a suspensão da «execução do contrato para os trabalhos de execução de empreitada de “Melhoria da Acessibilidade Marítima ao Porto de Setúbal” celebrado entre a APSS e a sociedade ….. Lda.» e o decretamento provisório das medidas cautelares requeridas, ao abrigo do disposto no artigo 131.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Alega, em síntese, que a execução do contrato cuja suspensão requer conduzirá à degradação de elementos que são essenciais para a preservação do ambiente, da qualidade de vida e do património natural na área do Parque Natural da Arrábida e das várias zonas sensíveis próximas da área de intervenção do projecto, tão próximas que em rigor se encontram dentro dos limites do Parque, incluindo-se a defesa desses bens fundamentais na zona do Parque Natural da Arrábida e do Parque Marinho Luiz Saldanha nos fins da Requerente.

Citada, a Agência Portuguesa do Ambiente, I.P., apresentou oposição, em que suscitou a caducidade do direito de ação.

Citada, a Administração dos …. S.A., apresentou oposição, em que defendeu não estarem reunidos os pressupostos legais de concessão de medidas cautelares.

Citado, o Município de Setúbal apresentou oposição, em que defendeu não estar preenchido o requisito do fumus boni iuris.

Citada, a Sociedade M…., S.A., apresentou oposição, em que sustentou a intempestividade da ação principal.

Por sentença datada de 15/02/2019, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada julgou improcedente a presente ação cautelar e recusou o decretamento das providências cautelares requeridas.

Não se conformando com tal decisão, o Clube da ….

interpôs recurso da mesma, pugnando pela respetiva revogação, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem: “

  1. O que está em causa neste recurso é apelar à sindicância uma Sentença que se afasta claramente daquele que deve o silogismo judiciário, e a promoção do acesso à Justiça e ao Direito.

  2. A Sentença recorrida julga improcedente um pedido de decretamento de duas providências cautelares, respectivamente, de suspensão de eficácia de acto (Declaração de Impacto Ambiental) e suspensão de execução de contrato de obra de melhoria das acessibilidades ao porto de Setúbal.

  3. A Sentença recorrida é, em termos práticos, uma decisão surpresa, na medida em que apesar de várias decisões intercalares que pressuponham para o conhecimento do mérito da causa, com seja a possibilidade de realização de audiência de julgamento, a verdade é que, só ao fim de 6 meses se conclui pela improcedência de uma das providências, por alegada intempestividade da acção principal, e de outra por não se verificar o requisito de “fumus boni iuris”.

  4. Ao considerar que a expressão constante do art.º 30º, n.º 1, alínea j), do RJAIA, que determina a “divulgação obrigatória” da DIA, através do site de internet da APA, tem o mesmo significado que “publicação obrigatória” do acto, e, nesse medida, o prazo para a sua impugnação era o que decorria do disposto no art.º 59º, n.º 3, alínea a), e 58º, n.º 1, alínea a), ambos do CPA, ou seja, 3 meses a contar da sua divulgação na internet, a Sentença recorrida comete um manifesto erro de julgamento quanto ao Direito aplicável.

  5. Quer os princípios da segurança jurídica quer, essencialmente, as normas imperativas que determinam a forma como se devem interpretar as normas jurídicas, impedem que se equipare a expressão ”divulgação obrigatória” através de site de internet, ao conceito jurídico de “publicação obrigatória”, previsto no art.º 159º, n.º 1, do CPA, e por arrasto ao que vai dito na lei em matéria de prazo de impugnação.

  6. Em todos os casos em que o legislador pretende que se verifiquem os efeitos decorrentes da publicação obrigatória, não só o diz expressamente, como determina que tal publicação haja de ser feita através do jornal oficial (v.g. DR, Boletim Municipal etc..), e não por um meio tão pouco seguro, que não reveste as características de órgão oficial, pode ser objecto de subscrição particular, e suscetível de manipulação como são sites da internet.

  7. É assim para os actos administrativos, por força do art.º 159º, do CPA; é assim para os Regulamentos por força do art.º 139º, do CPA, é assim para os anúncios de contratação pública, por força do art.º 130º e 131º, do CCP, só para dar alguns exemplos mais expressivos, mas que seguramente são acompanhados por tantos outros em matéria fiscal e laboral; h) A lei (RJAIA) não refere publicação, mas sim “divulgação” (obrigatória) no balcão único… e só isso, seria o bastante para afastar a interpretação que a Sentença faz da norma, equiparando-a às normas em que se impõem a publicação obrigatória dos actos; i) A divulgação através da internet é sempre tida pelo legislador como um ”plus” relativamente à publicação obrigatória em jornal oficial, e não, ao contrário do que parece decorrer da Sentença, a forma de publicação obrigatória em si mesma; j) A DIA até pode ser de “divulgação obrigatória” através do site da APA, mas não é acto de “publicação obrigatória” para efeito s de contagem de prazo de impugnação ou para qualquer outro efeito decorrente do acto de publicar.

  8. Ao contrário do que diz a Sentença recorrida, que percebendo a fragilidade do argumento da equiparação de divulgação obrigatória ao de publicação obrigatória, vem, depois, equiparar o conceito de divulgação ao de publicação, quer seja ou não obrigatória, de forma a afastar a regra do conhecimento do acto prevista no art.º 59º, n.º 3, alínea b), do CPA, os termos “divulgação” e “publicação” não são sinónimos para efeitos de aplicação da lei.

  9. De forma alguma se pode considerar que a expressão “divulgação”, quer seja obrigatória ou não, através de site da Internet, possa ser considerada como sinónimo de publicação oficial.

  10. O conceito publicação tem associado um conjunto de efeitos jurídicos típicos, que o legislador conhece e utiliza sempre que pretende que os mesmos se produzam, não sendo permitido, pelas regras da interpretação normativa, presumir que o legislador, ao utilizar o termo “divulgação”, pretendia dizer “publicação”, mas sabe-se lá porquê, não o disse.

  11. A Sentença não podia atribuir ao conceito de divulgação os efeitos típicos do conceito legal de publicação, sem que com isso violasse a lei e as regras de interpretação normativa que impõem que o intérprete se atenha sempre à letra da lei antes de qualquer outro juízo interpretativo, não podendo fazer interpretações que não tenham nessa letra o mínimo de apoio.

  12. O que é inequívoco e devia valer para efeitos de tempestividade de impugnação do acto devia ser o estabelecido no art.º 59º, n.º 3, alínea b), do CPTA, ou seja o conhecimento do acto, tratando-se de acto que nem foi nem tinha de ser notificado, nem foi nem tinha de ser publicado.

  13. Ficou indiciariamente provado que o Recorrente consultou a base de contratos públicos online no dia 19 de Junho de 2018.

  14. Foi após essa consulta que pela primeira vez se tomou conhecimento da DIA e do contrato que havia sido assinado no dia 12 de Junho de 2018, conforme foi alegado .

  15. A Sentença recorrida devia ter dado como indiciariamente provados dois factos, a saber: a) Que conforme documentos n.º 6, junto com o R.I., a a APA conhecia o ora Recorrente tende existido contacto entre ambas; b) Que conforme resulta de certidão emitida pela APA, em 18 de Julho de 2018, o Recorrente não consta da entidades convidadas em sede de consulta pública do procedimento de AIA.

  16. A DIA foi impugnada atempadamente pelo Recorrente, e a Sentença recorrida devia ter conhecido, perfunctoriamente, das invalidades que eram imputadas para efeitos também da invalidade (própria) do contrato, cuja suspensão se solicitava, ao nível do seu conteúdo e objecto.

  17. No limite, deixar-se-ia para a acção principal a prova cabal desse conhecimento por parte do Requerente, pois a isso obrigavam as normas que disciplinam o conhecimento dos factos e da prova dos mesmos em sede de providências cautelares.

  18. Para além de determinar, erradamente, a improcedência da primeira providência, a Sentença renova o erro de julgamento na interpretação da matéria de direito aplicável, no que se refere ao segundo dos pedidos de decretamento de providência cautelar, ali onde se alegava a invalidade do contrato por desrespeito do disposto no art.º 4, da Lei 83/95, de 31 de Agosto, e ao que lá vai dito em matéria de audiência sobre obras desta dimensão e custo.

  19. Mal andou a Sentença recorrida ao decidir que não se verificava um “fumus boni iuris” relativamente à invalidade do contrato por desrespeito ao normativo supra citado, desrespeito esse que é confessado ter existido pela APSS, e que a Sentença acaba por reconhecer que existiu.

  20. A Sentença recorrida, “a reboque” da APSS, e sem qualquer juízo crítico, toma por boa a tese de que tendo existido uma consulta pública em 2014, no âmbito de um Plano Estratégico dos Transportes e Infra-Estrururas PETI3+”, que é um plano nacional de políticas públicas, não se verificava a necessidade, nem a obrigatoriedade, de dar cumprimento ao estabelecido na norma do...

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