Acórdão nº 2039/18.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 23 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelALDA NUNES
Data da Resolução23 de Maio de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Relatório C...

recorre da sentença proferida na presente instância, a 21.12.2018, que julgou improcedente a ação sobre o pedido de proteção internacional e absolveu o Ministério da Administração Interna do pedido.

A recorrente pede seja revogada a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, assente nas seguintes conclusões: A) «vem o presente recurso interposto da douta Sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, proferida em 21-12-2018 nos presentes autos, que julga improcedente a ação administrativa especial urgente instaurada pela Autora, ora Recorrente, de nacionalidade congolesa, nos termos do regime especial previsto nos artigos 23.º a 26.º da Lei n.º 27/08, de 30 de Junho, alterada pela Lei n.º 26/2014 de 5 de Maio (Lei do Asilo), contra o Ministério da Administração Interna, ora Recorrido (artigo 10.º do CPTA), mantendo a decisão impugnada, proferida pelo Diretor Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), em 08-10-2018, que indeferiu liminarmente o pedido de proteção internacional apresentado.

B) Com base nos factos e fundamentos de direito alegados, não pode a Recorrente aceitar tal decisão a qual se encontra, desde logo, de forma irremediável, ferida de NULIDADE, porque inquinada com o vício de falta de fundamentação, por omissão da especificação os fundamentos de facto que justificam a decisão, por falta absoluta de indicação da matéria de facto não provada, e por omissão da análise crítica da prova; C) Com efeito, não se mostra devidamente fundamentada a sentença recorrida, de forma adequada a fundamentar a improcedência da ação, incorrendo por isso, em nulidade (nos termos do disposto pelos artigos 94.º n.º 2 e 3 do CPTA e 607.º n.º 4 do CPC aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA) – com efeito, revela-se deficiente, ambígua e obscura inviabilizando qualquer juízo inteligível sobre o seu conteúdo, razão pela qual não consegue a Recorrente descortinar que matéria de facto foi dada como provada, bem como o seu cabal exame crítico.

D) Sobre a questão da fundamentação da decisão da matéria de facto, vem lapidarmente afirmando a nossa doutrina, a qual não pode deixar de se aplicar ao presente caso: “(...) a discriminação rigorosa dos factos provados e não provados e uma motivação clara, adequada e consistente são essenciais para a justa composição do litígio (…) julgar implica também uma tarefa delicada e complexa que consiste em selecionar e valorar os factos relevantes para a decisão da causa e enuncia-los como provados ou não provados, motivando a decisão”1, sendo que, “os enunciados de facto devem ser expressos numa linguagem natural e exata, de modo a retratar com objetividade a realidade a que respeitam, e devem ser estruturados com correção sintática e propriedade terminológica e semântica.”2 E) No mesmo sentido avança a jurisprudência, remetendo a Recorrente para o decidido no Acórdão do TCAN de 28-01-2016, proferido no Proc. n.º 00479/09.5BEPRT, decisão que quer pela pertinência do raciocínio, quer pela clareza e pelo acerto da decisão, não pode deixar de se acompanhar de perto e secundar a sua respetiva fundamentação, pouco mais se podendo acrescentar.

F) Porquanto, esta exigência que concerne à matéria de facto provada “de modo algum se satisfaz com a colagem de diversos elementos que nem sequer internamente se mostram ordenados”, sendo que “com facilidade se encontram exemplos de uma deficiente metodologia na elaboração de decisão judiciais (...) em que é usual a mera transcrição dos factos assentes”. Mais, “o facto provado por documento não corresponde ao próprio documento. Em vez de o juiz se limitar a “dar por reproduzido o teor do documento X”, importa que extrate do mesmo o segmento ou segmentos que sejam concretamente relevantes, assinalando, assim, o específico meio de prova em que se baseou. Imposição que obviamente colide com a pura reprodução de todo o documento (…).” G) Confrontada a Recorrente com a douta sentença recorrida, de imediato se evidencia que o Tribunal a quo na sua elaboração não cumpriu a exigência de indicação da matéria de facto, optando por seguir a prática censurável de verter nos factos provados o conteúdo dos documentos do processo administrativo, apresentando na alínea C) como “factos provados” não “factos” mas “documentos”, nomeadamente a transcrição/fotocópia integral da Decisão impugnada e da Informação do SEF elaborada no processo de Proteção Internacional n.º 995W/18 (cf. alínea B) dos factos provados) que lhe serviu de fundamento, os quais deu por inteiramente reproduzidos, sem indicar, sem discriminar, sem especificar os factos que esses documentos comprovam (conforme resulta do teor de fls. 2 a fls. 15 da douta sentença recorrida, ou seja, um total de 13 das 22 páginas da mesma - sendo que o conteúdo das fls. 15 a 18 é ocupado pela transcrição do regime legal (!) H) Como se sabe, os documentos do processo administrativo não estão organizados sob a forma de “factos” que permita a sua automática transposição para a sentença, sendo antes uma informação elaborada pelos serviços inspetivos do Recorrido, inserida num procedimento administrativo com uma estrutura e uma lógica próprias onde cabem factos, investigações, opiniões, presunções, raciocínios, diligências, conclusões, etc.

I) Pelo que, ficou a Recorrente sem saber, com clareza e objetividade, quais os factos provados e não provados, apenas se vendo confrontada, de novo, desta feita pela douta sentença recorrida, com a amálgama incontrolada e indiscriminada, sem nexo lógico ou temporal, das investigações, opiniões, presunções, meros raciocínios, diligências, conclusões da inspetora do SEF.

J) Ora, esta prática de verter para a sentença o conteúdo integral dos documentos “(...) é uma prática censurável que não cumpre dever de seleção da matéria de facto que deve constar na sentença.

Processualmente é tão errado dar como reproduzidos documentos que constem do processo, como reproduzi-los integralmente sem indicar – discriminar, especificar –, os factos que esses documentos comprovam.

Se o juiz entender que o relatório contém factos que uma vez provados relevam para a decisão (o que sucede na maioria das vezes), deverá cuidadosamente selecioná-los (e só os factos!) descriminando-os por alíneas ou números, refletindo deste modo o dever que a lei impõe às partes na dedução dos factos por artigos (art.º 147º/2; 552º/d) CPC e 108º/1 do CPPT).”, secundando o Acórdão do TCAN de 28-01-2016, proferido no Proc. n.º 00479/09.5BEPRT, acima citado, que aqui, salvo o devido respeito, se impõe reproduzir dada a sua pertinência para o caso vertente.

K) Quando na análise crítica da prova o Tribunal a quo não demonstrou o empenho minimamente exigido na sua explicitação, limitando-se a confessar que adere na íntegra à “tese” plasmada nos documentos do SEF, reproduzindo-os e evidenciando uma motivação incipiente e notoriamente subjugada às conclusões, opiniões, observações ou meros raciocínios do órgão inspetivo do Recorrido, bem como um deficiente grau de convencimento sobre a prova que foi realizada sobre os factos.

L) Dá eco deste entendimento a jurisprudência, podendo citar-se, a título exemplificativo, os Acórdãos do TCAN de 28-01-2016, Proc. n.º 00831/06.8BEPEN, e de 25-05-2016, Proc. n.º 00724/04.3BEVIS.

M) Mais, labora a douta sentença recorrida em manifesto ERRO DE JULGAMENTO sobre a matéria de facto e consequente errónea aplicação do Direito, por ilegalidade da decisão impugnada por preterição de formalidade essencial, prevista no artigo 17.º n.º 1 e 2 da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, de audição prévia do interessado sobre as informações essenciais ao seu pedido constantes de um relatório escrito que as indique (em conformidade com o já decidido pelo STA (no seu acórdão de 18-05-2018, que revoga o acórdão recorrido e anula o ato impugnado no recurso de revista n.º 0306/17) e respeito pelo artigo 267.º n.º 5 da CRP, impondo-se, por conseguinte, a modificabilidade da decisão de facto pelo TCA, nos termos e ao abrigo do disposto pelo artigo 662.º do CPC aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA N) Assim sendo, ao abrigo do princípio do inquisitório, da justiça e da tutela jurisdicional efetiva, deverá ser ex officio: · ordenada a renovação da produção da prova, devendo ser ouvida novamente a Recorrente, uma vez que há “dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento”, mediante a prestação de declarações de parte (no que respeita à matéria de facto alegada, nomeadamente, quanto aos atos de perseguição suscetíveis de fundamentar o seu pedido de asilo, e quanto à descrição do seu receio em voltar ao país de origem (RDC), julgada não coerente, credível e suficientemente justificadora para...

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