Acórdão nº 882/18.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 09 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelCRISTINA SANTOS
Data da Resolução09 de Maio de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

REC. Nº 882/18.0OBELSB (16170/18) …………… SGPS, SA, com os sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa dela vem recorrer, concluindo como segue: 1. A aqui Recorrente pretendeu exercer o seu direito de acesso aos aquivos e registos administrativos, ou seja, aceder a informação não procedimental, previsto no n.° 2 do artigo 268.° da Constituição da República Portuguesa, bem como no artigo 17.° do Código do Procedimento Administrativo, que consagra um verdadeiro princípio do arquivo aberto ou da administração aberta, princípio geral da actividade administrativa.

  1. Este princípio encontra concretização legal no Regime de Acesso à Informação Administrativa e Ambiental e de Reutilização dos Documentos Administrativos (“RAIA”), cujo n.° 1 do seu artigo 5.° estabelece que “Todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos 3. O regime regra é o do livre acesso à informação, contudo o mesmo não é irrestrito.

  2. Não obstante não se verificam, in casu, qualquer excepção, muito menos a que resulta do n.° 6 do artigo 6.° da RAIA.

  3. No seguimento do entendido pela Requerida CMVM, entendeu o Tribunal a quo que a informação contida no referido Regulamento está abrangida por segredo comercial.

  4. Contudo, atendendo à definição de segredo comercial, não se vislumbra em que medida é que o mencionado Regulamento poderá conter informação abrangida por um alegado “segredo comercial”, até porque, de acordo com o n.° 3 do artigo 365.° do 9 Código dos Valores Mobiliários, “Os documentos que tenham servido de base aos registos são públicos (...) ”.

  5. Além disso, e mais gravoso, o Tribunal a quo não apurou se o referido documento continha, efectivamente, matérias abrangidas pelo segredo comercial, pela simples razão que não visualizou o documento para poder aferir da justeza e da legalidade da actuação da CMVM, efectuando apenas especulações sobre o seu conteúdo.

  6. Ou seja, o Tribunal a quo, desconhecendo o teor do documento, impede a Recorrente de exercer um direito constitucionalmente consagrado, tendo-se negado e demitido de controlar o juízo efectuado pela CMVM.

  7. Mas ainda que se entendesse que haveria matérias abrangidas pelo segredo profissional, o que não se concede, a verdade é que ficou cabalmente demonstrado nos autos de que a Recorrente é titular de um interesse directo, pessoal e legítimo suficientemente relevante, nos termos do n.° 6 do artigo 6.° do RAIA.

  8. Ainda que assim não se entendesse, o que não se concede, outros meios menos gravosos no direito da Recorrente não foram colhidos pelo Tribunal a quo, designadamente através da disponibilização de uma versão truncada do documento, tal como é imposto pelo n.° 8 do artigo 6.° do RAIA.

  9. Assim, por tudo o que se vem de dizer, deverá a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue totalmente procedente o pedido da Recorrente, condenando-se a Recorrida, CMVM na permissão do acesso ao Regulamento aqui em questão na sua versão completa ou, em última instância e só verdadeiramente no campo da teoria concebível, na sua versão truncada.

    * A Comissão de Mercado de Valores Mobiliários contra-alegou, concluindo como segue: 1. A …………… requereu à CMVM a emissão de certidão do “Regulamento de Gestão do Fundo de Reestruturação Empresarial, FCR (...), gerido pela …………………………………, S.A.” ao abrigo do direito de acesso à informação não procedimental.

  10. Não obstante o princípio-regra do livre acesso à informação administrativa previsto no artigo 5.°, n.° 1 do RAIA, a CMVM indeferiu fundamentadamente o referido pedido, bem corno a reclamação graciosa que foi apresentada pela …………… contra o ato inicial de indeferimento, com fundamento na existência de restrições legais de acesso: o segredo profissional da CMVM (artigos 1,°, n.° 4, alínea d) do RAIA e 354.° do CVM), bem como o facto de o documento em causa dizer respeito à vida interna de uma empresa e conter segredos comerciais e a Requerente não ter logrado demonstrar a existência de um interesse direto, pessoal e legítimo no seu acesso que, numa ponderação no quadro do princípio da proporcionalidade, poderia justificar o acesso ao mesmo (artigo 6.°, n.° 6 do RAIA).

  11. Inconformada, a Requerente veio a intentar a presente intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões.

  12. O Tribunal a quo proferiu douta sentença na qual sufragou o entendimento de que o documento cujo acesso a Requerente pretende (i) diz respeito à vida interna de uma empresa e contém segredos comerciais e (ii) a Requerente não demonstrou a existência de um interesse direto, pessoal e legítimo no seu acesso que, numa ponderação no quadro do princípio da proporcionalidade, poderia justificar o acesso ao mesmo.

  13. Inconformada, a Requerente interpôs recurso da referida sentença, alegando, em suma, que (i) não existe qualquer segredo da vida interna ou comercial no Regulamento de Gestão do Fundo, (ii) o Regulamento de Gestão do Fundo é um documento público nos termos do artigo 365.°, n° 3 do CVM, (iii) ainda que se entenda haver segredo da vida interna do fundo ou comercial, é titular de um interesse direto, pessoal e legítimo no acesso ao Regulamento de Gestão do Fundo, (iv) a existir, o segredo comercial não se aplicaria a todo o Regulamento mas apenas a parte, 6. A douta sentença proferida não merece qualquer censura porquanto está suficientemente provado nos autos que (i) o documento a que a Requerente pretende ter acesso constitui na íntegra segredo da vida interna do fundo e contém também segredos comerciais pelo que a Requerente só poderia aceder ao mesmo se estivesse munida de autorização escrita da sociedade gestora do fundo - o que não acontece - ou se demonstrasse um interesse direto, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade, nos termos do artigo 6º, n° 6 do RAIA e que (ií) a Requerente limitou-se a invocar a existência de um processo arbitral não tendo demonstrado um concreto interesse direto, pessoal e legítimo no acesso ao documento.

  14. A douta sentença proferida também não merece qualquer censura por ter sido proferida sem o Tribunal a quo ter visto o documento cujo acesso a requerente pretende porquanto o Tribunal a quo apreciou a causa de moto próprio e fundamentadamente formou a sua convicção não com base no conhecimento direto do documento mas com base no seu conhecimento indireto, resultante dos elementos probatórios disponíveis (fundamentação da CMVM nos atos de indeferimento dos pedidos da requerente – als. D) e G) dos factos provados; epígrafes dos artigos do Regulamento de Gestão que o próprio Tribunal ordenou à CMVM que fossem juntos aos autos - al. L) da matéria de facto e definição e conteúdo mínimo do Regulamento de Gestão nos termos do artigo 19.°, n.°s 1 e 3 do RJCRESIE), de acordo com um juízo de lógica e de experiência comum (designadamente, que o conteúdo dos artigos do regulamento de gestão dirá respeito às respetivas epígrafes), os quais eram suficientes.

  15. Ou seja, conhecendo os factos dados como provados nas als D), G) e L) da sentença recorrida, o Tribunal a quo, através de raciocínio baseado nos princípios da lógica, da experiência comum e da probabilidade, formulou um juízo irrepreensível sobre a existência de segredo da vida interna, e de segredo comercial nas cláusulas do Regulamento de Gestão, na linha do que se encontra previsto nos artigos 349.° e 351º do Código Civil.

  16. Sem prejuízo do expendido sobre as restrições ao direito de acesso constantes do artigo 6.°, n.° 6 do RAIA (segredos comerciais ou sobre a vida interna de uma empresa), o Regulamento de Gestão do fundo cujo acesso a Requerente pretende encontra-se igualmente sujeito ao dever de segredo profissional previsto no artigo 354.°, n.° 1 do CVM, não lhe sendo aplicável nenhuma das exceções previstas nos n.°s 3 e 4 do mesmo preceito legal e portanto, não pode ser revelado.

  17. Com efeito, a Lei n.° 26/2016, de 22 de agosto, introduz uma importante inovação em relação à .anterior LADA quanto ao segredo profissional, ao estabelecer que o disposto no RAIA “... não prejudica a aplicação do disposto em legislação específica, designadamente quanto: (...) d) Ao acesso a informação e documentos abrangidos pelo segredo de justiça, segredo fiscal, segredo estatístico, segredo bancário, segredo médico e demais segredos profissionais (...)” (artigo Io, n.° 4, alínea d)).

  18. Dispõe o artigo 354.° do CVM que os documentos sujeitos a segredo profissional, nos termos do n.° 1, apenas podem ser divulgados (i) mediante autorização do interessado transmitida à CMVM (n.° 3, l.a parte) ou (ii) noutras circunstâncias previstas na lei (n.° 3, 2.a parte).

  19. Esclarecendo o n.° 4 do artigo 354.° do CVM que “O dever de segredo não abrange factos ou elementos cuja divulgação pela CMVM seja imposta ou permitida por lei", ou seja, está excluída do âmbito do dever de segredo profissional informação obrigatoriamente divulgada ao público ou passível de o ser por iniciativa da CMVM (e.g. artigos 140.°, n.° 10, 146.°, n.° 7, 188.°, n.° 4, 213.°, n.° 8, 244.°, n.° 6 e 365.°, n.° 3 do CVM).

  20. Ao contrário do alegado pela Recorrente na 6.a conclusão das suas alegações de recurso, o Regulamento de Gestão do Fundo de Reestruturação Empresarial, FCR (FRE) não é um documento público por força do disposto no artigo 365.°, n.° 3 do CVM, visto que, à data da constituição desse fundo, o regime jurídico então vigente não previa o seu registo, mas uma mera comunicação à CMVM previamente à sua constituição (artigo 4.°, n.° 14 do Decreto-Lei n.° 375/2007, de 8 de novembro), a qual, de resto, não era sequer instruída com o Regulamento de Gestão (artigo 4.°, n.°s 3 e 15 do Decreto-Lei n.° 375/2007), pelo que este está sujeito a segredo profissional da CMVM nos termos do n.° 1 do artigo 354.° do CVM.

  21. Também não se verificam in casu as exceções ao segredo profissional da CMVM...

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