Acórdão nº 01717/11.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Norte, 25 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelRog
Data da Resolução25 de Janeiro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: AJMNC veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do saneador-sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 15.09.2014, pelo qual foi julgada totalmente improcedente a presente acção administrativa intentada pelo Recorrente e por FMMAM, IBA e MACTRC contra o Estado Português, para efectivação de responsabilidade civil extracontratual, na qual se pediu a condenação do Réu a indemnizar os Autores por acto legislativo decorrente da função política legislativa (Decreto-Lei nº 116/2008, de 04 de Julho), tendo a decisão recorrida absolvido o Réu dos pedidos.

Invocou para tanto, em síntese, que deveria ter sido objecto de prova a alegada pelos Autores diminuição de actos notariais, que se verificou de forma acentuada e gradual, sendo demonstrativa do esvaziamento do conteúdo da profissão de notário, alegando a nulidade despacho saneador / sentença, nos termos do disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil; que é por várias vezes referido no despacho recorrido que as alterações legislativas verificadas não foram assim tão acentuadas que pudessem surpreender os notários, que lhe foi dado conhecimento de que iriam ocorrer alterações legislativas, sendo que tais conclusões se extraíram sem sequer se relevar (não constando da matéria provada) o documento referido no artigo 202º da petição inicial (não impugnado pelo Recorrido); que o Recorrente requereu, ao abrigo do disposto no artigo 528º do Código de Processo Civil em vigor à data da entrada em juízo da petição inicial – para prova do número de actos realizados através dos vários procedimentos instituídos pelo Recorrido e por advogados, solicitadores e câmaras de comércio, no que respeita, designadamente, aos actos societários da competência destes, à compra e venda de imóveis, doações, constituição de propriedade horizontal e mútuo com hipoteca voluntária – que o Recorrido fosse notificado para apresentar a relação de actos já realizados desde 01.01.2009 nos concelhos onde o Recorrente exerce a sua atividade, requerimento sobre o qual o Tribunal a quo nunca se pronunciou; o que gera a nulidade do despacho saneador / sentença, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil que o Tribunal a quo incorreu em manifesto erro de julgamento da matéria de direito invocada, porquanto considerou não estarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito decorrente da função legislativa, bem como os pressupostos da indemnização pelo sacrifício, quando o Decreto-Lei nº 116/2008, de 04.07, veio introduzir uma profunda alteração na redação do artigo 80º do Código do Notariado: todos os actos que tradicionalmente eram competência exclusiva dos notários, a celebrar através de escritura pública e, por isso, dotados de fé pública e valor probatório extrajudicial, estão hoje fora do elenco deste preceito; que, em consequência, a outorga de testamentos é, desde a entrada em vigor daquele diploma, o único acto da competência exclusiva dos notários, atos que, em virtude do nosso regime sucessório, pouca relevância têm no comércio jurídico, pelo que a essência da atividade notarial – dar forma legal e conferir fé pública aos actos jurídicos extrajudiciais – encontra-se hoje esvaziada de conteúdo; que o Recorrido violou, por isso, os parâmetros objetivos de validade que se lhe impunham; que com a publicação do Decreto-Lei nº 116/2008, de 04.07, o Recorrido afectou os direitos do Recorrente a exercer a profissão de notário, violando, frontalmente, o estabelecido no artigo 53º, conjugado com o estabelecido nos artigos 58º e 61º, nº 1, todos da Constituição da República Portuguesa que existindo uma imposição constitucional que obriga o Estado a prestações positivas para proteção do direito ao exercício de uma profissão, por maioria de razão, ao mesmo está constitucionalmente vedada uma atuação no sentido de impedir o referido exercício; que o Recorrente foi incentivado pelo Recorrido a investir no exercício de uma profissão que, perante as alterações promovidas pelo referido Decreto-Lei nº 116/2008, não oferece a sustentabilidade e estabilidade que o Recorrente anteviu, aquando da reforma efetuada, o que demonstra a violação do princípio da confiança jurídica e, em consequência, das legítimas expectativas do Recorrente, uma vez que o mesmo nunca poderia ter previsto tal cenário.

*O Recorrido contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.

*O Tribunal a quo pronunciou-se no sentido de que não ocorre a nulidade alegada, uma vez que os factos incontroversos em que se baseia a decisão são suficientes para a mesma e para a discussão do seu mérito, ficando prejudicada a utilidade da produção de prova de outros factos. Mais afirma que o formalismo extremo iria contra toda uma imperiosa necessidade de economia processual.

*Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.

*I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1. Não obstante todo o alegado no despacho saneador sentença a respeito da “desnecessidade” da produção da prova testemunhal requerida, certo é que o despacho recorrido apenas dá como provada matéria alegada, quase integralmente, pelo Recorrido e respeitante tão somente aos vários diplomas aprovados em matéria notarial: não foram pelo Tribunal a quo dados como assentes factos alegados pelo Recorrente.

  1. A alegada diminuição de actos notariais, que se verificou de forma acentuada e gradual, é, antes de mais, demonstrativa do esvaziamento do conteúdo da profissão de notário (“questão central” destes autos), pelo que importava que tal matéria fosse, pelo menos, objecto de prova; 3. Razão pela qual o despacho saneador sentença é nulo, nos termos do disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.

  2. Acresce, por outro lado, que é por várias vezes referido no despacho que as alterações legislativas verificadas não foram assim tão acentuadas que pudessem surpreender os notários, que foi dado conhecimento aos notários de que iriam ocorrer alterações legislativas, sendo que tais conclusões se extraíram sem sequer se relevar (não constando da matéria provada) o documento referido no artigo 202º da petição inicial (não impugnado pelo Recorrido).

  3. O Recorrente requereu, ao abrigo do disposto no artigo 528º do Código de Processo Civil (em vigor à data da entrada em juízo da petição inicial) – para prova do número de actos realizados através dos vários procedimentos instituídos pelo Recorrido e por advogados, solicitadores e câmaras de comércio, no que respeita, designadamente, aos actos societários da competência destes, à compra e venda de imóveis, doações, constituição de propriedade horizontal e mútuo com hipoteca voluntária – que o Recorrido fosse notificado para apresentar a relação de actos já realizados desde 01.01.2009 nos concelhos onde os Recorrente exerce a sua atividade, requerimento sobre o qual o Tribunal a quo nunca se pronunciou; 6. Face ao ora exposto, o despacho saneador sentença é também nulo por violação do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de *Processo Civil.

  4. O Tribunal a quo incorreu em manifesto erro de julgamento da matéria de direito invocada, porquanto considerou não estarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito decorrente da função legislativa, bem como os pressupostos da indemnização pelo sacrifício.

  5. O Decreto-Lei nº 116/2008, de 04.07, veio introduzir uma profunda alteração na redação do artigo 80º do Código do Notariado: todos os actos que tradicionalmente eram competência exclusiva dos notários, a celebrar através de escritura pública e, por isso, dotados de fé pública e valor probatório extrajudicial, estão hoje fora do elenco deste preceito. Em consequência, a outorga de testamentos é, deste a entrada em vigor daquele diploma, o único acto da competência exclusiva dos notários. No entanto, estes são actos que, em virtude do nosso regime sucessório, pouca relevância têm no comércio jurídico.

  6. Neste enquadramento, a essência da atividade notarial – dar forma legal e conferir fé pública aos actos jurídicos extrajudiciais – encontra-se hoje esvaziada de conteúdo.

  7. Assim, no entender do Recorrente, o Recorrido violou os parâmetros objetivos de validade que se lhe impunham.

  8. Na verdade, com a publicação do Decreto-Lei nº 116/2008, de 04.07, o Recorrido afectou os direitos do Recorrente a exercer a profissão de notário, violando, frontalmente, o estabelecido no artigo 53º, conjugado com o estabelecido nos artigos 58º e 61º, nº 1, todos da Constituição da República Portuguesa.

  9. Existindo uma imposição constitucional que obriga o Estado a prestações positivas para proteção do direito ao exercício de uma profissão, por maioria de razão, ao mesmo está constitucionalmente vedada uma atuação no sentido de impedir o referido exercício.

  10. Pode afirmar-se que o Recorrente foi incentivado pelo Recorrido a investir no exercício de uma profissão que, perante as alterações promovidas pelo referido Decreto-Lei nº 116/2008, não oferece a sustentabilidade e estabilidade que o Recorrente anteviu, aquando da reforma efetuada.

  11. O que demonstra, salvo melhor opinião, de forma cabal, a violação do princípio da confiança jurídica e, em consequência, das legítimas expetativas do Recorrente, uma vez que o mesmo nunca poderia ter previsto tal cenário; 15. Acresce referir que, se foi o próprio Recorrido que sempre definiu os exactos contornos da profissão de notário, é legítimo afirmar-se que o mesmo conhecia (ou não devia desconhecer) os impactos possíveis das medidas por si adotadas, com a publicação do referido Decreto-Lei nº 116/2008: neste contexto, pensa-se que o Recorrido conhecia – ou não podia desconhecer – o carácter ilegal do diploma e, por isso, podia e devia ter evitado...

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