Acórdão nº 01070/08.9BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Dezembro de 2018
Magistrado Responsável | Ana Patroc |
Data da Resolução | 13 de Dezembro de 2018 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório PGPU, Lda.
, com sede na C…, Lugar L…, na Marinha das Ondas, pessoa colectiva n.º 5…02, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, proferida em 29/11/2010, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de Imposto de Selo e juros compensatórios, nos montantes de €30.000,00 e de €2.945,75, respectivamente.
A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
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O presente recurso é interposto no seguimento da Sentença, datada de 29 de Novembro de 2010, proferida no âmbito dos autos de impugnação judicial que correram termos sob o n.° 1070/08.9BECBR, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, a qual julgou improcedente a referida impugnação e, consequentemente, manteve na ordem jurídica o acto de liquidação de Imposto do Selo n.° 2007 6430003571, no valor de 30.000,00 e o acto de liquidação de juros compensatórios n.° 2007 00002037701, no valor de € 2.94575.
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A Recorrente celebrou um contrato de trespasse mediante o qual adquiriu um estabelecimento comercial de farmácia, bem como um "posto de medicamentos" dependente daquela farmácia, pelo preço de € 171.497,64 (correspondente ao valor atribuído ao trespasse, no montante de €110.000,00, com o valor das existências em stock, no montante de € 61,497,64), tendo, nesse âmbito, pago um montante de Imposto do Selo, com base na taxa de 5% prevista na Verba 27.1 da TGIS, no valor de € 8.574,88.
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Na sequência de uma acção de inspecção, foi a Recorrente notificada da liquidação adicional n.° 2007 6430003571, através da qual lhe foi exigido o pagamento de imposto aiegadamente em falta no montante de € 30.000,00, correspondente à diferença entre o imposto que deveria ter sido, liquidado, no montante de 38.574,88, por aplicação da taxa de 5%, à soma dos activos incorpóreos "transmitidos", no valor total de € 771.497,64, e o valor que já havia sido liquidado por ocasião da celebração do contrato (€ 8.574,88).
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Não se conformando com a referida liquidação, e após indeferimento da reclamação graciosa por si apresentada, a ora Recorrente apresentou, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, petição inicial de impugnação judicial contra os referidos actos de liquidação, no âmbito da qual invocou os seguintes vícios e ilegalidades: i) ilegalidade por inexistência de facto tributário; ii) ilegalidade por erro na quantificação da matéria colectável e inconstitucionalidade por violação do princípio da capacidade contributiva; iii) ilegalidade por erro na quantificação da matéria colectável e inconstitucionalidade por violação do princípio da capacidade contributiva; e iv) a ilegalidade dos juros compensatórios liquidados.
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A 2 de Dezembro de 2010, foi a Recorrente notificada da Sentença, proferida em 29 de Novembro de 2010, nos termos da qual a impugnação judicial apresentada. foi julgada improcedente e, por consequência, absolvida a Direcção de Finanças de Coimbra.
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Não pode, por diversas ordens de razão, a Recorrente conformar-se com o entendimento perfilhado na Sentença Recorrida, a qual deverá ser revogada e substituída por outra conforme às normas e princípios jurídicos aplicáveis.
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No que à matéria de facto considerada, provada diz respeito, deverá ser fixado, em conformidade com o contrato de trespasse celebrado, que a venda por trespasse do estabelecimento em causa foi efectuada pelo preço de € 171.497,64, com todos os seus elementos constitutivos, nomeadamente existências, no montante de € 61.497,64, bem os passivos correspondentes a dívidas a fornecedores que totalizam um montante de € 661,497,64.
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Ainda no que diz respeito à matéria de facto considerada provada diz respeito, deverá ser fixada, em conformidade com o que resulta do contrato celebrado, e bem assim, com os valores então contabilizados, que o valor atribuído ao trespasse ascende a €110.000,00, ao invés de € 100.000,00, porquanto é esse o valor que corresponde à diferença entre o valor pago a título de preço e as existências (€171.497,64 - € 61.497,64).
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No que ao vício de inexistência de facto tributário diz respeito; a Exma. Senhora Juíza a quo parece entender que o mesmo improcede por força do carácter residual que caracteriza o Imposto do Selo, conjugada com o facto de a operação ora em apreço não se encontrar, no caso concreto, sujeita a IVA.
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A este respeito, considera a Recorrente, contrariamente ao que parece fazer crer o teor da Sentença, que nenhuma norma, nem, tão-pouco, o invocado n.° 2 do artigo 1.
0 do Código do Imposto do Selo, determina que todos os factos excluídos da incidência de IVA devem, por essa razão e sem mais, estar sujeitos a Imposto do Selo. Efectivamente, por força do principio da tipicidade, além do requisito da não incidência efectiva em 1VA, os factos sujeitos a Imposto do Selo devem constar das suas normas de incidência objectiva.
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E, sendo certo que a tributação dos trespasses, em sede de Imposto do Selo, se encontra prevista na Verba 27.1. da referida TGIS, perante a ausência da concretização do conceito de trespasse no Código do Imposto do Selo, tal conceito deverá, conforme determina o n.° 2 do artigo 11.° da Lei Geral Tributária, ser preenchido pelo sentido que lhe é conferido, neste caso, no Novo Regime do Arrendamento Urbano (aprovado pela Lei n,° 612006, de 27 de Fevereiro), o qual determina que tal conceito deve ser entendido, como a transmissão onerosa e definitiva, por acto entre vivos, da posição do arrendatário, acompanhada da transferência, em conjunto, das instalações, utensílios, mercadorias e outros elementos que integrem o estabelecimento, conquanto o trespassário continue a exercer a mesma actividade no estabelecimento trespassado.
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Efectivamente, para efeitos civilisticos, o contrato de trespasse caracteriza-se pela cedência definitiva do estabelecimento como um todo, desde que este todo inclua a posição do arrendatário do prédio urbano onde o estabelecimento está instalado, devendo, também, ser esse o conceito relevante para efeitos fiscais, designadamente para efeitos de tributação em sede de Imposto do Selo.
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Assim, cumpre concluir que, na medida em que o trespasse celebrado entre a Recorrente e a anterior proprietária do estabelecimento não comportou a transmissão da posição de arrendatária, por esta última ser também a proprietária do imóvel onde está instalado o estabelecimento, o referido contrato não consubstancia um trespasse na acepção jus-civilistica do termo consagrada no artigo 1112.° do Código Civil, pelo que, nessa medida, não estava o mesmo sujeito ao Imposto do Selo prevista na Verba 27,1 da TGIS.
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Assim, também a Sentença recorrida ao concluir pela sujeição das operações em análise a Imposto do Selo, enferma de ilegalidade, por erro sobre pressupostos de facto e de direito, violando o disposto na Verba 27.1 da TGIS devendo, por essa razão, ser revogada, em conformidade.
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Quanto ao erro sobre os pressupostos de direito e por violação da lei de autorização legislativa, a Exma. Senhora Juíza a quo parece entender que o encargo do imposto deverá recair sobre o adquirente dos bens, atento o disposto no artigo 3.°, n.° 3, alínea a) do Código do Selo, refutando o invocado em sede de impugnação judicial, também pelo facto de a Recorrente ter procedido ao pagamento do imposto.
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Neste âmbito, não obstante não existir uma referência expressa, no Código do Imposto do Selo, quanto à entidade, no caso dos trespasses, que reveste a qualidade de sujeito passivo, decorre expressamente do teor da autorização legislativa constante do artigo 68.° da Lei n.° 26/2003, de 30 de Julho, que o sujeito passivo deste imposto consiste no trespassante, devendo, por sua vez, o encargo do imposto, ser suportado pelo adquirente.
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Assim sendo, e sem conceder, mesmo admitindo a sujeição do contrato ora em apreço a Imposto do Selo — o que só por mera cautela e dever de patrocínio se admite —, atendendo a que, nestes casos, o sujeito passivo deste imposto é o trespassante, eventuais correcções, nesta sede, teriam de ser imputadas a essa entidade (a Exma. Sra. Dra. ABO) e, não, à ora Recorrente.
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Importa ainda referir que o entendimento perpassado pela Sentença em crise, a respeito da determinação do sujeito passivo no contrato de trespasse se encontra ferido de ilegalidade, por violação de lei de carácter reforçado, na medida em que reitera a interpretação manifestamente contrária à lei, no âmbito da qual não é aplicada de forma adequada o que expressa e inequivocamente determinava a respectiva lei habilitante — o artigo 68.° da Lei n.° 26/2003, de 30 de Julho.
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Assim, a Sentença recorrida ao manter na ordem jurídica o acto de liquidação impugnado por concluir que a Recorrente é no caso vertente sujeito passivo de imposto fez uma errada aplicação do artigo 2.° do Código do Imposto do Selo, o qual não pode deixar de ser interpretado em conformidade com o artigo 68.° da Lei n.° 26/2003, de 30 de Julho, sob pena de violação de lei de caracter reforçado, devendo, também por esta razão, ser revogada, em conformidade.
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Relativamente ao erro na quantificação da matéria tributável, a Exma. Senhora Juíza a quo parece entender que o valor global do contrato celebrado corresponde ao somatório dos valores respeitantes às existências e ao passivo, devendo o Imposto do Selo ser liquidado sobre o somatório dos referidos valores.
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Com efeito, atentando aos contornos do contrato celebrado pela Recorrente, constatamos que, por via do trespasse, esta assumiu nas suas contas a totalidade do passivo do estabelecimento, no valor de 661.497,64, correspondente a dívidas a fornecedores, adquirindo apenas, em contrapartida, activos no valor de €111.497,64.
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Ainda que a Recorrente admita que os contratos de trespasse possam ser tributados em função da diferença entre o...
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