Acórdão nº 118/18.3BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 21 de Março de 2019
Magistrado Responsável | PEDRO MARCHÃO MARQUES |
Data da Resolução | 21 de Março de 2019 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório ....................................................... – Futebol, SAD., apresentou junto do Tribunal Arbitral do Desporto, contra a Federação Portuguesa de Futebol e a contra-interessada Liga Portuguesa de Futebol Profissional, pedido de arbitragem necessária contra o acórdão de 20.03.2018 da secção profissional do Conselho de Disciplina daquela Federação, que, no âmbito do processo nº .........../18, condenou a Demandante em multa no valor de EUR 5.738,00, pela prática da infracção p. e p. pelo art. 182.º, nº 2, do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, referente a “agressões graves a espectadores e outros intervenientes”.
Por decisão arbitral do colégio arbitral do Tribunal Arbitral do Desporto, datada de 4.10.2018, foi revogada a decisão recorrida.
Com aquela não se conformando, veio a Federação Portuguesa de Futebol dela interpor recurso jurisdicional para este Tribunal Central, tendo na sua alegação formulado as seguintes conclusões: "texto integral no original; imagem" "texto integral no original; imagem" Contra-alegou o ....................................................... – Futebol, SAD.
, concluindo do modo que segue: "texto integral no original; imagem"; "texto integral no original; imagem" "texto integral no original; imagem" • Por despacho do Relator de 6.12.2018, foi determinado ao Tribunal Arbitral do Desporto para juntar o processo administrativo instrutor.
• Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta não emitiu pronúncia.
• Com dispensa dos vistos do colectivo, importa agora, em conferência, apreciar e decidir.
• I. 1.
Questões a apreciar e decidir: As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar: - Se o acórdão recorrido é nulo por contradição entre os fundamentos e a decisão (art. 615.º, nº 1, al. c) do CPC); - Se o acórdão recorrido enferma de erro de julgamento ao ter anulado a multa aplicada pelo Conselho de Disciplina no processo que correu termos sob o nº RHI nº .........../2018, por aplicação do art. 182.º, nº 2, ado Regulamento Disciplinar da LPFP.
• II.
Fundamentação II.1.
De facto O tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos, em decisão que aqui se reproduz ipsis verbis: "texto integral no original; imagem" Foi autonomamente exarada a fundamentação da decisão da matéria de facto, como segue: "texto integral no original; imagem" II.2.
De direito Começa o Recorrente por imputar à decisão arbitral recorrida a sua nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, o que torna esta ambígua. Alega que o “acórdão do TAD impossibilita o Conselho de Disciplina de punir quem quer que seja por estas infracções e consente a desresponsabilização completa e total dos clubes pelos atos de violência dos seus adeptos” e ao ignorar a repartição do ónus da prova, contém contradições entre os fundamentos e a decisão tomada, tornando-a ambígua.
As nulidades da decisão, previstas no artigo 615.º do CPC, são – à semelhança do que sucedia com as previstas no artigo 668.º do CPC. de 1961 – deficiências da sentença que não podem confundir-se com o erro de julgamento que se traduz antes numa desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjectivo) aplicável.
E estão circunscritas aos casos previstos no n.º 1 do art. 615.º do CPC, pelo que não se verificando nenhuma das situações aí contempladas não haverá nulidade da decisão; haverá, outrossim, erro de julgamento (eventualmente) e não deficiência formal da decisão, se o tribunal decidiu num certo sentido, embora mal à luz do direito.
A sentença será, por isso, nula apenas quando: «(…) c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; (…)» A nulidade da sentença, por “contradição entre os fundamentos e a decisão”, só ocorrerá quando a construção da sentença é viciosa, isto é, quando “os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão mas a resultado oposto” (cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, p. 141). Dito por outras palavras, quando das premissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas, ele haja extraído uma conclusão oposta à que logicamente deveria ter extraído.
Nas palavras de Amâncio Ferreira “a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento” (cfr.
Manual de Recursos em Processo Civil, 9ª ed., p. 56).
Ora, escalpelizando a decisão em apreço, pode desde já adiantar-se que não se vislumbra que exista na sentença em crise contradição ou ilogicidade alguma. A sentença recorrida depois de analisar e juridicamente balizar o thema decidendum e depois de ter fixado a factualidade tida por relevante, extraiu uma conclusão jurídica contida nesses parâmetros.
Toda a fundamentação acolhida na decisão recorrida apontava logicamente no sentido da procedência do recurso para o TAD e com base na violação do princípio constitucional da presunção da inocência.
A Recorrente não concorda com a decisão, nem com a sua fundamentação, mas isso não significa que não a tenha compreendido em toda a sua extensão. A evidência de que não existe nulidade alguma na decisão recorrida é-nos dada, aliás, pela própria alegação recursória, onde se faz crítica circunstância ao decidido e se aponta os erros de direito encontrados, indicando de modo esclarecido as razões da discordância e as normas jurídicas tidas por violadas. Não há, portanto, qualquer ambiguidade.
Pelo que não se verifica a suscitada nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, apresentando-se esta como expressa, clara e inequívoca.
Improcede, portanto, o recurso nesta parte.
Vejamos agora o invocado erro de julgamento sobre a matéria de direito, o qual, em boa verdade, esgota o objecto do recurso.
Entende a Recorrente que o conteúdo do Relatório de Policiamento, elaborado por autoridades policiais cujos documentos têm presunção de veracidade, conjuntamente com a apreciação do julgador por via das regras da experiência comum, constituem prova suficiente para que o Conselho de Disciplina forme uma convicção acima de qualquer dúvida de a Recorrida incumpriu os seus deveres de vigilância. E, de acordo com a sua alegação, a Recorrida nada alegou, nem demonstrou, que havia cumprido com todos os deveres que sobre si impendem de modo a prevenir o evento em questão, designadamente no que se refere aos deveres de formação (de adeptos e de GOA), bem como de medidas concretamente tomadas, tendo em vista a prevenção da violência.
A Recorrida, por sua vez, defende o acerto do acórdão arbitral recorrido, reiterando que o Conselho de Disciplina não carreou prova suficiente de que a autoria do comportamento era de sócio ou seu simpatizante, não existindo qualquer conduta culposa pelo ....................................................... – Futebol, SAD.
Defende, portanto, a validade da aplicação do princípio da presunção da inocência e que nem mesmo a presunção de veracidade dos relatórios prevista no art. 13.º-f) do RD permite sustentar a sua culpa.
Vejamos.
Sobre a matéria decidenda existe já jurisprudência formada no STA, da qual se extraí que (cfr. o recentíssimo ac. de 21.02.2019, proc. nº 033/18.0BCLSB): “I - A prova dos factos conducentes à condenação do arguido em processo disciplinar não exige uma certeza absoluta da sua verificação, dado a verdade a atingir não ser a verdade ontológica, mas a verdade prática, bastando que a fixação dos factos provados, sendo resultado de um juízo de livre convicção sobre a sua verificação, se encontre estribada, para além de uma dúvida razoável, nos elementos probatórios coligidos que a demonstrem ainda que fazendo apelo, se necessário, às circunstâncias normais e práticas da vida e das regras da experiência.
II - A presunção de veracidade dos factos constantes dos relatórios dos jogos elaborados pelos delegados da Liga Portuguesa Futebol Profissional [LPFP] que tenham sido por eles percecionados, estabelecida pelo art. 13.º, al. f), do Regulamento Disciplinar da LPFP [RD/LPFP], conferindo ao arguido a possibilidade de abalar os fundamentos em que ela se sustenta mediante a mera contraprova dos factos presumidos, não infringe os comandos constitucionais insertos nos arts. 02.º, 20.º, n.º 4, e 32.º, n.ºs 2 e 10, da CRP e os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo.
III - A responsabilidade disciplinar dos clubes e sociedades desportivas prevista no art. 187.º do referido RD/LPFP pelas condutas ou os comportamentos social ou desportivamente incorretos que nele se mostram descritos e que foram tidos pelos sócios ou simpatizantes de um clube ou de uma sociedade desportiva e pelos quais estes respondem não constitui uma responsabilidade objetiva violadora dos princípios da culpa e da presunção de inocência.
IV - A responsabilidade desportiva disciplinar ali prevista mostra-se ser, in casu, subjetiva, já que estribada numa violação dos deveres legais e regulamentares que sobre clubes e sociedades desportivas impendem neste domínio e em que o critério de delimitação da autoria do ilícito surge recortado com apelo não ao do domínio do facto, mas sim ao da titularidade do dever que foi omitido ou preterido”.
Escreveu-se, ao que aqui releva, neste aresto: “(…) 21. Insurge-se a recorrente quanto ao juízo firmado pelo «TCA/S» no segmento em que no mesmo se julgou procedente o recurso jurisdicional, revogou a decisão do «TAD» e se anulou a decisão disciplinar punitiva, para o efeito se considerando que esta padecia de ilegalidade já que não se mostravam apurados os factos e preenchidos os tipos dos ilícitos...
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