Acórdão nº 620/15.9BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 21 de Março de 2019
Magistrado Responsável | CRISTINA SANTOS |
Data da Resolução | 21 de Março de 2019 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
REC. Nº 620/15.9BELSB (16610/19) O Estado Português, representado pelo Digno Magistrado do Ministério Público, inconformado com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em matéria de atraso da justiça, dela vem recorrer, concluindo como segue: 1. O ora A. apresentou sucessivas queixas de natureza criminal por crimes de difamação e foi alvo de processos por denúncia caluniosa - v.g. processos nº 33/08.9TALRS, 3322/09.1TALRS, 2119/07.8TALRS e 4081/10.0TALRS.
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Ocorrendo interdependência dos referidos processos e podendo a decisão de uns afectar a decisão de outros, o titular do(s) processo(s) em que era denunciado o ora A. solicitava, como se impunha, informações aos processos em que o ora autor era queixoso.
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Porém, o Tribunal, na sentença sob recurso, não efectuou uma correcta subsunção da prova documental referente a todas as circunstâncias e vicissitudes processuais, designadamente dos recursos interpostos pelo autor, nos processos em que era queixoso, quer para o Tribunal da Relação de Lisboa quer para o Tribunal Constitucional, os inúmeros incidentes v.g. faltas a diligências no inquérito em que era denunciado, revogações dos mandatos forenses e ainda as inúmeras e sucessivas renúncias ao patrocínio por parte dos mandatários nomeados ao Autor.
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Resulta da abundante prova documental que, no caso em apreço, o(s) magistrados titular(es) dos referidos processos, face à interdependência dos mesmos e visando assegurar os direitos do ora autor não deduziram acusação aquando da não pronúncia dos denunciados pelos crimes de difamação, antes aguardaram prudentemente o resultado de recursos interpostos naqueles processos e , designadamente, o resultado do processo n° 33/08.9TALRS.
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E aguardaram que o ora A. esgotasse todos os mecanismos legais de que dispunha, v.g. interposição de recursos e nomeação de sucessivos advogado(s) oficioso(s), para poder ser ouvido e constituído arguido em sede de inquérito. E para que o titular do mesmo pudesse, finalmente, instruir e arquivar o inquérito instaurado por denúncia caluniosa contra o ora autor.
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E caso para afirmar que se o A. não tivesse utilizado à exaustão, sempre com apoio judiciário, os mecanismos legais de que dispunha, provocando atrasos significativos na duração dos processos e que vem agora imputar ao Estado e talvez o inquérito tivesse terminado mais cedo, designadamente no pretendido prazo (ordenador) de oito meses.
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Deste processo e de outros pendentes neste Tribunal ressalta um quadro de enervamento e conflitualidade diárias relacionadas com inúmeras e sucessivas instaurações de processos de natureza criminal, ao longo dos anos, quer pelo ora autor, quer contra o ora autor.
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O autor pede a condenação do Réu Estado no pagamento de uma indemnização com fundamento de direito no instituto da responsabilidade civil extracontratual por acto ilícito do Estado, regulado na Lei n° 67/2007, de 31/12.
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No que respeita ao pressuposto da ilicitude é doutrinária e jurisprudencialmente pacífico que não basta a verificação de uma qualquer ilegalidade para se dar por verificado o requisito de ilicitude, exigindo-se, para o efeito, que a ilegalidade consista em violação (Io) de direitos de outrem, (2o) de disposição legal destinada à protecção de interesses alheios.
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A afirmação da existência de ilicitude pressupõe uma necessária consideração que o comportamento do agente violou um dever, revelando-se-lhe exigível a adopção de outro comportamento. Envolvendo a ilicitude num juízo de reprovação, revela-se particularmente importante apurar do acatamento pelo agente dos deveres objectivos de cuidado.
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Ora, no caso em apreço, não vemos como poderia o Réu Estado e designadamente os seus agentes, actuar de modo diverso, nem que outras medidas poderia ter adoptado para acelerar o andamento dos processos, sem cercear os direitos constitucional e legalmente consagrados do ora autor.
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Decorre da abundante prova documental constante dos autos que a duração do (s) processo (s) visou essencialmente assegurar os direitos que legal e constitucionalmente assistem ao ora autor e por este sempre exercitados e exigidos.
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A duração do processo ficou a dever-se à conduta do autor. Na verdade, só após este ter esgotado todos os mecanismos legais ao seu dispor e apesar de todas as vicissitudes, num quadro de extrema conflitualidade e enervamento, foi possível, ao Ministério Público, ouvir o ora autor e proferir, num curtíssimo espaço de tempo, despacho de arquivamento.
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O Tribunal, na avaliação da violação dos arts0 20°, n° 1 da CRP e 6º § 1º da CEDH , terá que considerar todas as coordenadas do caso, como a duração média daquela espécie, a complexidade e ocorrências especiais, os incidentes suscitados, entre outros fàctores, e que excluir o tempo de atraso injustificado que tenha ficado a dever-se à actuação da parte que pede a indemnização.
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Face a uma adequada ponderação dos factos provados e da abundante prova documental constante do processo, não podemos deixar de concluir que não foi ultrapassado qualquer “prazo razoável” de duração processual de inquérito, imputável ao Réu Estado.
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Não se verificam todos os pressupostos de responsabilidade civil por acto ilícito, designadamente a ilicitude, nexo de causalidade e culpa, não existindo qualquer “dano indemnizável”.
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A presumir-se a existência de «danos morais comuns», sem que ocorra sequer a verificação dos restantes requisitos (ilicitude, nexo de causalidade, culpa) e analisando o caso na perspectiva da responsabilidade objectiva, o Tribunal faz uma errada interpretação da Lei n°67/2007,de 31/12. 18. A douta sentença ao efectuar uma incorrecta subsunção dos factos ao direito e urna errada interpretação e aplicação da Lei n° 67/2007,de 31/12, incorreu em erro de julgamento.
* O Recorrido. contra-alegou, concluindo como segue: 1. O presente recurso de apelação é inadmissível em vista do valor da sucumbência do apelante, € 2.422,36 (dois mil, quatrocentos e vinte e dois euros e trinta e seis cêntimos), que é manifestamente inferior à alçada do Tribunal a quo, como previsto e imposto pelo art° 142.°, n.° 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
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A que acresce relevantemente que, aferido pelas suas conclusões, não se mostra adequadamente cumprido o ónus de enunciar os vícios imputados à sentença, mormente a indicação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa e o teor de cada um deles que se imporia, com ampla posterga do imposto peremptória e concomitantemente nos art.°s 144.°, n.° 2, in fine, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 640.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, omissões cominadas com a rejeição do recurso, pelo mínimo, nesse particular segmento.
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Mas ainda que se julgue admissível o recurso e apto o seu texto, sem conceder no sobredito, sempre é de espantar que, para apontar erro de julgamento fáctico, se invoque contra direito e como fundamento de tais alegados erros, um abuso no acesso aos serviços judiciários por parte do ora Apelado, se critique usar este do direito de arguido em fazer-se acompanhar por defensor e se falte à verdade ao escamotear que entre a constituição de arguido e a prolação da decisão de arquivamento mediou tempo superior ao prazo imposto peremptoriamente pelo art.° 276.°, n.° 2, alínea a), do Código de Processo Penal.
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Donde que se louva o Apelado na mui bem elaborada sentença, aqui sob inadmissível recurso, quanto ao direito aplicado aos exaustivos e claros factos fixados como provados, apoiados amplamente na doutrina hodierna e em vasta jurisprudência deste Colendo Tribunal Central, como noutros, e confirmações bastantes nos arestos do Supremo Tribunal Administrativo sobre esta matéria, com remissão à do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, questão jurídica há muito pacificada, excepção feita aqui ao miserabilismo do quantum indemnizatório que, porém, o Apelado aceita.
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Em tudo se manifestando à saciedade o intuito meramente dilatório do presente recurso e a total ausência de motivos de critica razoável à douta sentença recorrida, inexistindo nela qualquer violação das normas legais, constitucionais e/ou quaisquer outras, pelo que deverá ser confirmada in totum, se admitido o recurso.
* Colhidos os vistos legais e entregues as competentes cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.
* Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade: A. O Processo n° 3322/09,1TALRS teve início em certidão judicial mandada extrair do Processo n° 33/08.9TALRS, pela Mma. Juíza de Instrução Criminal aquando do encerramento da fase de instrução, cujo teor se considera integralmente reproduzido, visando a investigação autónoma de factualidade susceptível de integrar, em abstracto, o crime de denúncia caluniosa, alegadamente cometido por J…… (Cfr. fls. 3 a 27 do Processo nº 3322/09.1TALRS).
B. A aludida certidão deu entrada nos serviços do Ministério Público de Loures em 24/06/2009, sendo distribuída como inquérito em 01/07/2009 (Cfr. fls. 2 do Processo n.° 3322/09.1TALRS); C. O inquérito foi concluso pela primeira vez para despacho a 17/07/2009, e foi foi determinada a solicitação para consulta fls. 28 do Processo n.° 3322/09.1TALRS); D. A 13/11/2009 foi aberta uma segunda conclusão no inquérito 3322/09.1TALRS, com a informação de que "os autos com o NUIPC 33/08.9TALRS foram remetidos para instrução aos Juízos Criminais de Loures em 23/03/2009” tendo sido proferido despacho, em 16/11/2009, a solicitar o processo para consulte, por cinco dias (Cfr. fls. 29 do Processo n.° 3322/09.1TALRS); E. Na sequência do pedido de çonsulta do processo 33/08.9TAERS, a 14/12/2009 foi lavrada a informação de que os "autos de instrução n° 33/08.9TALRS se encontram no Tribunal da Relação de Lisboa" (Cfr. fls. 30 e 32 do Processo n.° 3322/09.1TALRS); F. Em 12/04/2010 foi aberta nova conclusão no...
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