Acórdão nº 356/10.7BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 28 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução28 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acórdão I – Relatório Luís ............................................ recorreu para este Tribunal Central Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial por si deduzida na sequência do indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação oficiosa de Imposto Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) que incidiu sobre a alienação, no ano de 2005, do prédio urbano inscrito na freguesia da Pena [actual Arroios], concelho de Lisboa, sob o artigo 513º, no valor de €38.613,03,´e que lhe negou, ainda, o direito a juros indemnizatórios. Nas alegações apresentadas, formulou as seguintes conclusões: “115. Vem o presente recurso da sentença proferida pelo Tribunal a quo no âmbito do processo de impugnação da liquidação oficiosa de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) no montante de € 37.217,38 (trinta e sete mil duzentos e dezassete Euros e trinta e oito cêntimos), relativa à emissão de procuração irrevogável em que o Recorrente é nomeado procurador, sujeita a tributação nos termos da alínea c) do n°3 do artigo 2° do código do IMT, e sendo o procurador sujeito passivo nos termos do artigo 4°, alínea f) do mesmo Código. 116. A decisão recorrida não só não apreciou a prova produzida como se impunha, como mantém as ilegalidades da liquidação aqui posta em causa, que se baseia em diversos equívocos que cumpre esclarecer e que conduzem à insusceptibilidade de produção de efeitos da cláusula de irrevogabilidade aposta na procuração acima mencionada, à errada interpretação da norma de incidência atrás mencionada, e à violação de diversos princípios constitucionais, como sejam, entre outros, do princípio da Justiça, da igualdade e da racionalidade dos tributos. 117. De acordo com a decisão recorrida, relativamente aos factos não provados, que, "com interesse para a decisão, nada mais se provou de relevante". 118. Sucede porém que, como aqui se demonstra, da prova testemunhal resultam evidente coerência quanto a diversos factos relevantes que foram alegados e deveriam ter sido dados como provados, tais como: a) a procuração emitida a favor do Recorrente, o foi com o intuito exclusivo de o habilitar para a prática do acto necessário a dar cumprimento ao contrato promessa de partilha celebrado pela mandante com a sua irmã Leonor, e com o único propósito de facilitar o acto de transmissão atenta a idade avançada da mandante e a distância geográfica a que vive da sua irmã Leonor, a beneficiária da transmissão; b) nem a mandante nem o Recorrente solicitaram que nela fosse incluída a cláusula de renúncia ao poder de revogar a procuração; c) o procurador, ora Recorrente, não obteve qualquer beneficio económico, directo ou indirecto, com a outorga da mencionada procuração; d) a mandante, outorgante da procuração em causa, não teve consciência de que, além da procuração que estava a outorgar, estava ainda a produzir uma outra declaração negocial, com o sentido e alcance da cláusula de irrevogabilidade nela aposta, e) e que obviamente a procuração se destinava a transmitir, em escritura de divisão de coisa comum, prédio para terceiro (que o recebeu) e não para o Recorrente, que nunca exerceu sobre esse bem qualquer comportamento concludente de ter adquirido uma situação equiparável ao direito de propriedade. 119. Quanto a isto, referiu apenas a sentença recorrida que "Da prova testemunhal nada resultou de útil par a o esclarecimento dos factos. Até porque a ser verdade que as partes não acordaram na cláusula de irrevogabilidade, nem se aperceberam do seu alcance jurídico, então o caminho a trilhar era o da anulação do acto, com os efeitos ex tunc, previstos no artº289°,do Código Civil”. 120. Trata-se de uma informação incorreta, uma vez que a procuração é unilateral, pelo que o ora Recorrente nem sequer teria a legitimação substantiva para invocar os vícios relativos à sua outorga. 121. Ora, do exposto decorre que, contrariamente ao referido no aresto ora posto em crise, que: d) da prova testemunhal resultaram diversos factos relevantes para a decisão sobre a decisão controvertida; e) de facto, a mandante não acordou na cláusula de irrevogabilidade com o mandatário, nem se apercebeu (ou conhecia) o alcance jurídico dessa cláusula; e ainda que f) a invocação da falta dos efeitos do acto encontra-se obviamente implícito no pedido e ao longo de toda a causa de pedir e a própria inquirição de testemunhas constantes deste processo. 122. Quanto a este último aspeto em particular, diga-se por cautela de patrocínio que de acordo com o acórdão do STJ de 26/06/1997, "um erro na qualificação jurídica do efeito prático a atingir, que é o termo do contrato, isto é, de uma errada qualificação jurídica do pedido, e tal erro pode e deve ser corrigido pelo julgador, sem que haja ofensa do princípio dispositivo consagrado no artigo 664 do Código de Processo Civil (Antunes Varela, RLJ122, 255; acórdão do STJ de 17 de Junho de 1992, BMJ 418, 710)." também neste sentido, entre outros, o acórdão do STJ, de 19/11/1998. 123. Ora, considerando que o depoimento prestado pelas testemunhas inquiridas, de idade já avançada, de que resultou claramente não apenas a inutilidade no caso concreto da cláusula de irrevogabilidade, mas também designadamente que não foi “atribuído significado" à cláusula de irrevogabilidade aposta na aludida procuração, tendo-se declarado não estar "dentro desses assuntos", e ainda que "não se apercebeu nada disso". 124. Tendo em conta ainda que da procuração e do depoimento das testemunhas resulta ainda que não foi dado cumprimento pelo funcionário do cartório, ao disposto no n°1l do artigo 49° do código do IMT, e sendo inegável que ao praticar o ato, a declarante não teve consciência de que, além da procuração que estava a outorgar, estava ainda a praticar mais uma declaração adicional, com o sentido e ao alcance daquela cláusula de irrevogabilidade, a que é atribuído para efeitos fiscais, efeitos semelhantes ao da transmissão de titularidade, 125. Trata-se de situação que se enquadra pois, apenas no que diz respeito à cláusula da irrevogabilidade, numa divergência entre a vontade real e a vontade declarada correspondente à falta de consciência da declaração prevista no artigo 246° do Código Civil, uma vez que -repita-se apenas quanto à cláusula de irrevogabilidade - a declarante não teve consciência da declaração negocial que fez. 126. Mas ainda que por algum motivo assim se não entenda, sempre se dirá que da prova produzida resulta também que os outorgantes não quiseram nenhum dos efeitos da cláusula de irrevogabilidade em causa e que tal se reconduz-se a uma situação de erro na declaração, em virtude de a vontade declarada não corresponder à vontade real do autor da declaração, a que não deverá no entanto revestir-se de relevância anulatória mas sim ser interpretada de acordo com o que estabelece o artigo 236° do Código Civil, sobre o sentido normal da declaração negocial, cujo n°2 estabelece: "sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida", para todos e quaisquer efeitos, incluindo fiscais. 127. Assim, conhecendo o Recorrente perfeitamente todas as circunstâncias que levaram a mandante a emitir esta procuração, incluindo a vontade real do declarante invocada nos presentes autos e provada em sede de inquirição de testemunhas, sempre será de aplicar o disposto no n°2 do artigo 236° do Código Civil. 128. Mas ainda que porventura assim se não entendesse o que não se concebe nem concede, e apenas se representa por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que: ainda que se considere válida a cláusula de irrevogabilidade, sempre deveria tal cláusula ser considerada in casu como ineficaz, porquanto: 129. Esta norma deve ser qualificada como uma norma anti-abuso que integra em si uma presunção legal e não um novo facto tributário de per se, impedindo que a tributação tenha lugar independentemente da verificação, ou não, dos comportamentos que visa impedir, facto que seria manifestamente injusto e materialmente violador do disposto no n°3 do artigo 104° da Constituição da República Portuguesa. 130. Aliás, atentando ao relatório do código do IMT e a outros elementos interpretativos torna-se forçoso concluir estarmos perante uma presunção (de aquisição de situação equiparável do direito de propriedade), inserida numa norma de incidência tributária, sendo por conseguinte de aplicar o disposto no art°73° da LGT, e admitir a prova em contrário constante dos presentes autos e incontestada pelo Representante da Fazenda Pública. 131. Entendimento contrário, a nosso ver contra legem, levaria a que se considerasse natural a verificação de uma dupla tributação na esfera do beneficiário da procuração, o que não é manifestamente a intenção do legislador, como ficou demonstrado. 132. Desta maneira desincentiva-se o recurso a este instituto como meio de evasão fiscal, conseguindo-se ao mesmo tempo não prejudicar deliberadamente todos aqueles que por alguma razão necessitem lançar mão deste instituto, previsto nos n°s. 2 e 3 do artigo 265° do Código Civil. 133. Ou seja: a) o legislador não pretende criar situações de dupla tributação de acordo com o princípio da neutralidade das soluções previstas na Lei fiscal, e b) o método de obstar ao abuso das formas jurídicas escolhido pelo legislador consiste na antecipação do imposto para o momento imediatamente anterior ao da outorga da procuração irrevogável, ficando ao critério do representado o momento da celebração do contrato definitivo, sem perda de receita fiscal; e que c) in casu, a interpretação que a Administração Fiscal faz das normas jurídicas em causa conduziu efetivamente a um resultado absurdo e economicamente indefensável, que levou a que injustamente, e com abuso das formas jurídicas, quer o Recorrente quer a beneficiária da procuração, viessem a suportar duplamente IMT sobre...

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