Acórdão nº 1651/09.3BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 28 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelMÁRIO REBELO
Data da Resolução28 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: RECORRENTE: J….- Gestão de Empresa a Retalho, SGPS, S.A.

RECORRIDO: Autoridade Tributária e Aduaneira.

OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pela MMª juiz do TAF de Lisboa que julgou improcedente a impugnação contra liquidação adicional de IRC relativa a 1998 e juros compensatórios, tudo no valor de € 1.240.898,18.

CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES: 1 O presente recurso vem interposto da Sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida pela J… - GESTAO DE EMPRESAS DE RETALHO, SGPS, S.A. contra a liquidação de IRC que lhe foi dirigida, com respeito ao exercício de 1998, no montante de € 1.240.898,18, sendo o valor de € 1.006.551,04 relativo a IRC e o valor de € 234.347, 14 relativo a juros compensatórios.

2 Tendo por base o exposto, defende a Recorrente que a Sentença está ferida de anulabilidade.

3 Esta resulta, em primeiro lugar, de uma apreciação simplificada da matéria de facto provada. Com efeito, entende a Recorrente, relativamente à segunda questão sob escrutínio nos presentes autos, ter sido realizada prova documental concomitante das retenções na fonte realizadas por terceiros, a qual foi pelo Tribunal desconsiderada sem um particular cuidado de fundamentação.

4 Depois, e já também relativamente à primeira questão em discussão nesta instância, o Tribunal a quo submete-se incondicionalmente às apreciações factuais e entendimentos de direito subscritas no Relatório de Inspecção Tributário, que convoca incessantemente, no qual não só se encontram vertidos meros juízos de censura e oportunidade, como afirmações falaciosas e meramente especulativas. É este o apoio essencial para a sua análise jurídica, da qual não se fez em qualquer momento depender toda a factualidade demonstrada testemunhalmente.

5 Além disso, o vício em causa resulta ainda de uma interpretação e aplicação inidóneas do Direito consequentemente aplicável, em cada uma das áreas decidendas, em termos de se poder mesmo alegar a violação de princípios constitucionalmente consagrados, como sejam o princípio da legalidade fiscal e o princípio da liberdade económica.

6 Com efeito, quanto à correcção à matéria colectável consubstanciada na desconsideração da menos-valia fiscal, no montante de € 2.296.615,89, apurada pela sociedade P... D...na sequência da alienação das participações sociais da S... , considera a Recorrente, em primeiro lugar, que a decisão recorrida não refuta com argumentos consistentes todas as alegações da Impugnante, limitando-se a corroborar a existência de um erro contabilístico e a conclusão de que a menos-valia discutida dos autos corresponde a uma menos valia meramente latente e não realizada.

7 Salvo o devido respeito, esta conclusão do Tribunal a quo, além errada do ponto de vista jurídico, é contraditória face aos seus próprios pressupostos e à lógica do sistema tributário: ao negar relevo fiscal a uma perda cuja efectividade nunca foi verdadeiramente posta em crise, o Tribunal autoriza uma violação inadmissível das linhas orientadoras do imposto cm crise, nomeadamente, do princípio da tributação pelo lucro real ínsito no artigo 104.º, n,º 2, da Constituição da República Portuguesa, 8 Com efeito, quanto à desconsideração das menos-valias geradas com a transmissão a terceiros da participação detida pela Recorrente no capital da S... , o Tribunal nunca chega a censurar, na realidade, o preço praticado na referida venda, nomeadamente, por exemplo, que ele não corresponderia ao valor de mercado dos activos em referência.

9 Por outro lado, o Tribunal a quo não fundamenta, de todo, a afirmação de que a menos-valia registada não correspondeu a uma menos-valia efectiva. É que, de facto, nas razões em que assenta a decisão recorrida não se encontra qualquer elemento que ponha em causa o facto de a mesma transmissão ter sido efectivamente realizada: há uma venda de partes sociais, decorrentes de um acordo válido celebrado com um terceiro, com o qual a alienante não detinha qualquer relação privilegiada.

10 Sendo assim, não pode senão ter-se por assente que as perdas em referência se verificaram efectivamente, através de um acordo válido e eficaz, o qual não pode considerar-se como uma operação vinculada, já que entre a impugnante e o terceiro adquirente não existiam "relações especiais", Em suma, o negócio de que aqui se trata celebrou-se efectivamente, é válido e as menos-valias verificaram-se efectivamente.

11 Depois, o Tribunal pretende negar a dedutibilidade da menos-valia em causa, com base na alínea 1) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC e no facto de a mesma não poder ser considerada realizada para os efeitos da referida disposição legal.

12 A falta de razoabilidade desta fundamentação é, a todos os níveis, evidente.

13 Em primeiro lugar, as vantagens resultantes da aquisição da S... , não constituem good will em sentido próprio, na medida em que representam uma parte do preço que encontra como contrapartida a rentabilidade esperada de sociedades exteriores à sociedade adquirida.

14 Em segundo lugar, se good will houvesse a registar em virtude da aquisição em referência -o que é tudo menos líquido -, a alienação da empresa determinaria sempre o desaparecimento desse valor do balanço dos vendedores, na medida em que o mesmo good will é inseparável da detenção da empresa a que é imputável.

15 Finalmente, mesmo neste cenário, a diferença para menos entre o preço da venda da empresa (ou das partes de capital da sociedade a que pertence) e o respectivo custo de aquisição constituiria uma menos-valia fiscalmente relevante, a menos que a AT ou o Tribunal contestem o processo que conduziu a que o património da S... se visse reduzido àquele valor, nomeadamente argumentando que o preço praticado na alienação do prédio realizada pela mesma teria sido inferior ao que seria normalmente praticado entre partes independentes, nomeadamente por causa da existência de "relações especiais" entre vendedor e comprador.

16 Ora, como quer que seja, a AT não recorreu ao então artigo 58º do CIRC para corrigir a matéria colectável da S... respeitante ao exercício de 1997, e nem com boa vontade é possível admitir que, ao menos implicitamente, a fundamentação respeita os requisitos legais impostos quando aquele normativo haja de intervir, designadamente no que toca à prova dos termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias.

17 Nesta medida, todo o excurso em torno do que teria sido o goodwill respeitante à aquisição da S... é dispensável ou inútil: o que interessa é verificar que o resultado da alienação desta sociedade era largamente inferior ao respectivo custo de aquisição, o que, por isso mesmo, deu origem a menos-valias fiscalmente relevantes, nos estritos termos do então artigo 58º do CIRC.

18 No mesmo sentido do exposto, vai a jurisprudência do TCA. em particular, o Acórdão, proferido no âmbito do processo n.º 05097 /11, de 31 de Janeiro de 2012. a respeito da dedutibilidade fiscal de uma menos-valia. que, também nesse caso, se relacionava. na perspectiva da AT, com um good will não convenientemente registado para efeitos contabilísticos.

19 Em relação à desconsideração da dedução efectuada relativa a retenções na fonte por terceiros, de que foi objecto a sociedade dependente F... N... , com base no disposto na alínea e) do n.º 2 do artigo 71.º do CIRC, a decisão do Tribunal a quo traduz-se numa violação flagrante da alínea b) do nºl do artigo 114º do CIRS, aplicável por remissão do artigo 103º do CIRC.

20 Esta violação consubstancia, na realidade, uma penalização do substituído tributário pela não acção do substituto tributário, através da desconsideração da dedução relativa a retenções na fonte por este (efectivamente) efectuadas nos termos legais, com base, única e exclusivamente, na sua não comprovação. Com ela, o Tribunal consente em que se deixe de relevar aquela dedução ao nível do apuramento do imposto a liquidar, pelo simples facto de ter sido incumprida, por terceiro, uma pura obrigação declarativa, para cujo incumprimento não se estabelece - ao contrário do que acontece relativamente ao incumprimento da obrigação de retenção na fonte de imposto - qualquer cominação relevante em sede de IRC, quer para o substituto quer para o substituído.

21 O sujeito passivo há-de sempre ser admitido a proceder à dedutibilidade das retenções na fonte que lhe foram efectivamente efectuadas por quem a lei define como seu substituto tributário para esse efeito e relativamente às quais tem a Administração fiscal um perfeito controlo, sob pena de se vir a verificar in casu uma inaceitável duplicação de colecta e uma flagrante violação dos princípios constitucionais de tributação pelo lucro real e de capacidade contributiva.

22 Relativamente a esta invocação, a decisão do Tribunal a quo é omissa, não tendo sido possível através dela assacar um qualquer posicionamento ou determinação.

23 Por outro lado, a sociedade F... N... sofreu efectivamente o encargo financeiro das retenções na fonte, declarou como proveitos do exercício a totalidade das rendas recebidas e as referidas retenções revestiram, in casu, a natureza de imposto pago por conta e não a natureza definitiva ou liberatória.

24 Permitir, como permite o Tribunal recorrido, que o incumprimento fiscal de alguns sujeitos passivos seja imputado, sem mais, a sujeitos passivos cumpridores, viola princípios de dignidade constitucional, como o são os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé, previstos na alínea f) do n.º 2 do artigo 67.º e no artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa.

25 Perante a prova efectuada, ao Tribunal não poderiam restar dúvidas de que a sociedade F... N... foi efectivamente sujeita a retenção na fonte de imposto, tendo o mesmo incidido sobre a totalidade dos...

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