Acórdão nº 02940/10.5BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Setembro de 2018
Magistrado Responsável | Maria Fernanda Antunes Apar |
Data da Resolução | 14 de Setembro de 2018 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO LMQMO, residente na Rua E…, concelho do Porto intentou acção administrativa especial contra o Município do Porto, com sede na Praça General Humberto Delgado, indicando como Contra-Interessada MHBMCMSMVS, residente na Rua A…, Porto, pedindo a declaração de nulidade do despacho datado de 17/06/2010 da Entidade Demandada no qual foi declarado nulo o acto de autorização para a construção de um jazigo-capela na parte superior do jazigo subterrâneo 3..., na secção 9ª da Ordem do Carmo no Cemitério Agramonte, praticado em 18/02/1997.
Por decisão proferida pelo TAF do Porto foi julgada improcedente a acção.
Desta vem interposto recurso.
*Alegando a Autora concluiu: A) O Acórdão recorrido incorreu em erro no julgamento do direito e não fez uma correcta interpretação e aplicação das normas e princípios estabelecidos, B) O Acórdão incorreu num equivoco de interpretação, valorização e consideração da prova produzida, cuja análise deve ser fundamentada de acordo com critérios de valoração racional e lógica do julgados, mas também de experiência e razoabilidade, C) Desrespeitou assim o Acórdão o disposto no artigo 607° do Código de Processo Civil (correspondente aos artigos 655° n° 1 e 659° n° 2 na anterior redacção deste Código), D) O Tribunal de 1ª Instância não ponderou se a decisão em apreciação era violadora dos princípios da igualdade e da proporcionalidade como consagrados no artigo 5° do Código de Procedimento Administrativo, tendo em conta a gravidade do efeito que emana da mesma: a demolição do jazigo capela, E) O despacho objecto de apreciação enferma de vício de falta de fundamentação, e o Acórdão ao negar a procedência de tal invocação, violou o disposto no artigo 266° n° 2 e o n° 3 do artigo 268° ambos da Constituição da República Portuguesa, para além dos artigos 123° e 124° do Código de Procedimento Administrativo, F) Ao aceitar como fundamento válido a impossibilidade de utilização do jazigo subterrâneo "para os fins que lhe são adstritos", considerando erradamente que a porta localizada nas traseiras fora projectada unicamente para esse efeito, o Tribunal de 1ª Instância não procedeu a uma correcta e pertinente fixação da factualidade, incorrendo numa equívoca valoração das provas, e numa errada interpretação do artigo 134° do Código de Procedimento Administrativo, G) Ao considerar improcedente a alegação da Autora / Recorrente de que o fundamento invocado pela entidade demandada quanto à sua ilegitimidade era completamente descabido, o Acórdão incorreu em erro no julgamento do direito. Na verdade a Autora tinha legitimidade para requerer o procedimento, e aceitar-se como fundamento válido a argumentação contrária é tornar incoerente a apreciação clara e imparcial do despacho em análise, H) Quanto à preterição do direito de audiência por parte da entidade demandada não pode a Autora/ Recorrente aceitar a tese do princípio do aproveitamento dos actos, tanto mais que a demolição como efeito último mais gravoso, implicava que ao cidadão lhe fosse permitir apresentar defesa, apresentar alternativas em momento anteriores que poderiam evitar eventualmente a decisão da entidade demandada. Não pode aqui aceitar-se a tese de que a Autora saberia que inevitavelmente essa seria a razão ou que teria tido percepção de todos os meandros do procedimento que precedeu a decisão da demolição, I) Por último sempre se dirá que se para os técnicos da entidade demandada foi necessário diversa e complexa análise dos procedimentos - como resulta dos documentos relativos às informações e pareceres juntos aos autos - mais difícil será para um cidadão normal concluir pela ilegalidade de um acto que 13 anos antes lhe fora aprovado.
J) O acto administrativo em causa é pois nulo por preterição de uma formalidade essencial como foi a possibilidade de exercício do direito de audiência por parte da Autora / Recorrente.
TERMOS EM QUE, deve o Acórdão recorrido ser revogado, declarando-se nulo e de nenhum efeito o despacho proferido pela entidade demandada.
*O Município do Porto contra-alegou, concluindo: A.
O acórdão proferido pelo tribunal a quo e ora colocado em crise pelos Recorrentes é, a nosso ver, justo, bem fundamentado e inatacável, demonstrando uma aplicação exemplar das normas jurídicas em vigor aos factos dados como provados, pelo que o seu conteúdo, fundamento e sentido não merecem qualquer reparo.
B.
Para fundamentar o presente recurso, propugna a Recorrente que a decisão judicial proferida pelo tribunal a quo enferma erro no julgamento de facto e de direito e de violação do disposto no artigo 607º do CPC ora em vigor, mas tais argumentos não poderão proceder.
C.
Com a presente acção, pretende a ora Recorrente uma declaração judicial de nulidade do despacho datado de 17/06/2010, que declarou nulo o acto de autorização para a construção de um jazigo-capela na parte superior do jazigo subterrâneo 3..., na secção 9ª da Ordem do Carmo no cemitério de Agramonte, praticado em 18/02/1997.
D.
A Recorrente pagou a concessão do “jazigo-subterrâneo nº 3... da 9ª secção” à Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo – cfr. fls. 5 a 11 e 26 a 29 do PA.
E.
A concessão foi assim de um jazigo-subterrâneo, tendo sido liquidado o preço à Ordem do Carmo e pagos os respectivos impostos. E sendo um jazigo-subterrâneo, existe seguramente uma razão subjacente e ponderosa para o ser, que está relacionado com o plano do cemitério.
F.
Neste caso específico existe uma razão prática de facto que confere o estatuto de jazigo subterrâneo ao nº 3... da 9 secção, e que se prende com facto de uma construção naquele local impedir o acesso à entrada do jazigo-capela (mausoléu) nº 4... da mesma secção, há muito construído.
G.
A Recorrente bem sabia que ao “adquirir” um jazigo-subterrâneo não poderia lá edificar um jazigo-capela. Um jazigo-subterrâneo não pode ser objecto de construções acima da terra e não existe uma distância mínima que permita a entrada de caixões no jazigo mausoléu que se situa em frente, e que também é objecto desta discussão judicial.
H.
A Recorrente sabia que um jazigo-subterrâneo não podia ser objecto de nenhuma construção e naquele caso em particular, colocava em causa a entrada de caixões no jazigo mausoléu que se situa em frente.
I.
Mesmo assim, a Recorrente arriscou e pediu aos serviços do Recorrido uma licença para a construção de um jazigo-capela. Sucede que, um lamentável erro dos serviços, que o Recorrido, atento o período de tempo entretanto passado, não consegue identificar com precisão, levou à autorização de construção do jazigo-capela da Recorrente.
J.
A reclamação realizada aqui contra-interessada levou à reanálise do processo e conduziu a uma solução de reposição da legalidade, que passou pela declaração de nulidade da autorização de construção e pela posterior demolição do jazigo-capela da Recorrente.
K.
Para além de se tratar desde logo de uma questão de legalidade urbanística, é segura e igualmente uma solução de bom senso e defesa do interesse público, porquanto o actual jazigo-capela da Recorrente impede efectivamente a entrada de caixões no jazigo mausoléu da Contra-interessada.
L.
Veio a Recorrente defender que “no jazigo nº 4..., já depois da construção do jazigo capela nº 3..., se encontram depositados o corpo de MFMGQ e as cinzas de CAVS”… Contudo, olvida-se de referir, por exemplo, que, como bem sabe, a entrada do caixão da primeira teve que ser realizado pela parte da frente do mausoléu… M.
Simplesmente porque o caixão não conseguia passar pela porta de entrada (das traseiras e única) do mausoléu, tal como ficou aliás demonstrado pela prova documental junta aos autos e pela prova testemunhal produzida!!! N.
A entrada pela frente implicou a desmontagem de um vitral, que tem valor muito elevado e se vem degradando cada vez que é retirado! O.
Tal como já foi referido, e como se encontra melhor explanado nas informações que constam do PA, o jazigo capela da Recorrente não cumpre os afastamentos mínimos, prejudicando indelevelmente o acesso ao jazigo mausoléu da Contra-Interessada.
P.
O espaço que medeia entre o jazigo - capela e o jazigo - subterrâneo (mausoléu), não permite a inumação no referido mausoléu, uma vez que, não é possível manusear a entrada de urnas no referido espaço.
Q.
No que respeita ao cumprimento dos afastamentos mínimos entre construções contíguas, previstos na legislação aplicável, tal não é um aspecto relevante in casu, uma vez que, tendo em conta a realidade que lhe era inerente, o cumprimento destas não era suficiente para que se considere cumprida a legislação em vigor.
R.
Assim, estando em presença de um acto praticado pelo Recorrido, mas que enferma de ilegalidade tornou-se necessário tomar medidas de tutela da legalidade, com vista à reposição da mesma.
S.
No caso em apreço só com a demolição do jazigo-capela nº 3..., secção 9ª do Cemitério de Agramonte, o jazigo - subterrâneo (mausoléu) com o nº 4..., da 9ª secção poderá ser utilizado para o fim para o qual foi concessionado à aqui reclamante.
T.
Não obstante os factos supra descritos, que coincidem com a realidade, escudou-se a Recorrente em argumentos formais, tentado deste modo levar avante as suas pretensões.
U.
Na verdade, ao contrário do que vem defender a Recorrente, a audiência prévia não foi preterida pelo Recorrido, tendo sido aliás aproveitada por esta – cfr. fl. 60 a 78, 136 e 142 a 167 do PA. Mas mesmo que assim não se entenda, sempre se dirá como bem refere o acórdão recorrido, que “a preterição desta formalidade essencial, no caso em concreto, não influi na decisão ora impugnada, pelo que tal ilegalidade torna-se irrelevante ou inoperante para efeitos de invalidação do acto administrativo sub judicio”.
V.
No que se refere à falta de fundamentação, não é verdade que esta não seja clara, precisa e completa, nem tão-pouco que não enuncie as disposições legais aplicáveis.
W. De facto, com...
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