Acórdão nº 1184/09.8BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 14 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelMÁRIO REBELO
Data da Resolução14 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: RECORRENTE: Autoridade Tributária e Aduaneira RECORRIDO: J... e mulher M...

OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pelo MMº juiz do TAF de Sintra que julgou procedente a ação deduzida contra a decisão proferida em recurso hierárquico que confirmou a decisão de extemporaneidade proferida na reclamação graciosa.

CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES: A É interposto o presente recurso jurisdicional da douta sentença, com data de 23.11.2017, que julgou procedente a acção administrativa especial interposta por J... e M..., e anulou o despacho proferido pela Directora de Serviços de IRS em 16.06.2009, que negou provimento ao recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, por extemporaneidade.

B Para tanto, entendeu, em síntese, que o Atestado Médico em causa constitui um documento superveniente, na medida em que só na data em que foi emitido é que foi possível certificar a incapacidade que era portadora a aqui Recorrida, aplicando-se ao caso dos autos, o disposto no n°4 do art. 70° do CPPT que refere que em caso de documento ou sentença superveniente, bem como de qualquer outro facto que não tivesse sido possível invocar no prazo previsto no n°1, este conta-se a partir da data em que se tornou possível ao reclamante obter o documento ou conhecer o facto.

D Em causa está saber se o Atestado Médico passado em 22.04.2008 constitui ou não um documento superveniente para efeitos de aplicação do prazo de reclamação graciosa previsto no n°4 do art. 70° do CPPT.

E O prazo de reclamação do n°4 do art. 70° do CPPT é um prazo excepcional face ao prazo- regra do n°1, previsto exactamente para prevenir situações de efectiva impossibilidade de obtenção de um documento ou de conhecimento tardio de um facto.

F Com efeito, o alargamento excepcional do prazo de reclamação a partir da data em que se tornou possível ao reclamante obter um documento ou conhecimento de um facto seja compaginável com o desconhecimento do motivo por que só nessa data foi obtido.

G Tal impossibilidade aferir-se-á pela justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, só ocorreu posteriormente à data do facto, por razões que se prefigurem como atendíveis.

H Atendíveis serão as razões das quais resulte a impossibilidade de determinada pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento.

I É nessa medida que o n° 4 do art. 70° do CPPT refere que o prazo de reclamação se contará a partir da data em que se tornou possível ao reclamante obter o documento e não da data em que o documento foi obtido.

J Apenas o reclamante está em condições de demonstrar por que não pôde obter o documento antes e por motivo alheio à sua vontade, cabendo-lhe assim o ónus de provar a superveniência do documento relativa ao fundamento da reclamação, bem como a impossibilidade de invocar no prazo normal o facto que serve de fundamento à reclamação, de acordo com a regra de repartição do ónus de prova previsto no art. 342° do Código Civil, como, com pertinência, se entendeu no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 21.06.2011, proferido no processo n° 03428/09, K A douta sentença recorrida considerou, no entanto, que "só aquando da submissão da ora Autora a junta médica, na mesma data em que foi emitido o referido Atestado Médico, ou seja, em 22 de Fevereiro de 2008, é que lhe foi possível obter aquele atestado”, e "estando a competência para avaliar a incapacidade atribuída a juntas médicas, nunca poderiam os AA assinalar a situação de deficiência da autora, na Declaração de IRS, referente ao ano de 2006, pois tal pressupunha, (...), a indicação do grau de deficiência”.

L Nos presentes autos não está em causa, ou sequer se pretende exigível a indicação da deficiência da Autora ou do grau de incapacidade, na declaração mod. 3 de IRS do ano de 2006. Também não estão em causa “obrigações acessórias impostas aos contribuintes” ou "deveres de colaboração” que contemplassem deveres de comunicação prévia da impossibilidade de obter previamente aqueles elementos, como refere a sentença sob recurso M O que está em causa é a prova da própria superveniência do atestado.

N E nenhuma referencia a tal prova consta na reclamação graciosa e no recurso hierárquico, ou ainda, na petição inicial.

O Com efeito, para beneficiarem do prazo de reclamação excepcional do n° 4 do art. 70° do CPPT, recaía sobre os Recorridos a alegação e a prova do direito que entendessem assistir- lhes, nos termos do art. 342°, n° 1, do Código Civil que refere "Àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito que alega".

P A propósito refere o acima citado Acórdão do TCA Sul, em ponderada doutrina, “Sempre que tal superveniência do documento for invocada como fundamento do direito a tal prazo, torna-se necessário, por parte de quem invoca tal prazo a prova do facto que consta do documento mas também a prova da própria superveniência deste, uma vez que tal superveniência é facto constitutivo do direito de beneficiar de um prazo de reclamação contado do momento em que ao reclamante se tornou possível obtê-lo”.

Q A data em que se tornou possível ao reclamante obter o documento" a que se refere o n° 4 do art. 70° do CPPT não tem correspondência literal ou semântica com “a data do documento”, ao contrário do que decorre da interpretação desenvolvida na sentença recorrida.

R As duas expressões têm alcance jurídico distinto, como decorre dos princípios de interpretação das regras e os princípios gerais de interpretação no art. 9° do Código Civil(CC), aplicável ex vi o art. 11° da LGT.

S A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada(1), não podendo o intérprete considerar o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso(2), devendo presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube expressar o seu pensamento em termos adequados(3).

T Atender-se apenas e tão-só ao “facto consubstanciado na submissão a junta médica da autora, que coincide com a data de emissão do atestado médico” como prova suficiente da superveniência de um Atestado Médico para efeitos do prazo de reclamação previsto do n° 4 do art. 70° do CPPT corresponde, salvo melhor, à aceitação, sem qualquer limite temporal, de um atestado a certificar uma capacidade reportada a data anterior, independentemente de se demonstrar a possibilidade, ou não, de o documento poder ter sido obtido anteriormente.

U Pela mesma ordem de razões, ou seja, por não estar demonstrado, quer ao longo de todo o procedimento administrativo quer nos presentes autos, o motivo da superveniência do Atestado Médico, não “impendia sobre a administração tributária o poder-dever de convolar a reclamação graciosa em pedido de revisão oficiosa, à luz do disposto no art. 78°, n° 4 da LGT”, que refere que o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

V Na verdade, ao contrário do considerado na douta sentença recorrida, nenhuma prova ou indício existe nos autos que desse como verificado o requisito exigido para a convolação em revisão oficiosa do n°4 do art. 78° da LGT, a ausência de um comportamento negligente da ora Recorrida.

W Por todo o exposto, em síntese, a douta sentença recorrida, ao anular o despacho impugnado, considerando tempestiva a reclamação graciosa interposta pelos Recorridos ao abrigo do disposto no n°4 do art. 70° do CPPT, incorreu em errónea interpretação e aplicação daquela norma aos factos trazidos aos autos, pelo que deve ser revogada.

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando-se a sentença recorrida, com todas as legais consequências.

CONTRA ALEGAÇÕES.

Não houve.

II QUESTÕES A APRECIAR.

O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar procedente a ação administrativa especial deduzida contra o despacho de indeferimento que decidiu ser...

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