Acórdão nº 30/18.6BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 22 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução22 de Novembro de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: 1.- Relatório A FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL (devidamente identificado nos autos) interpôs recurso do acórdão proferido no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) que anulou as multas aplicadas pelo Colégio Arbitral nos processos disciplinares que correram termos junto do Conselho de Disciplina sob as referências RHI n.º............./2017 e RHI n.º............./2017 em que a Demandante ........................................ -FUTEBOL, SAD, foi punida ao abrigo do disposto nos artigos 127.º e 187.º, n.º1, alíneas a) e b) do RD da LPFP e rejeitou o pedido de isenção de custas apresentado pela ora Recorrente.

Apresentou as imperativas alegações que ostentam as seguintes conclusões: “1. O presente recurso tem por objeto o Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto, proferido em 31 de janeiro de 2018 e notificado na mesma data, em concreto, o presente recurso versa sobre: A decisão do Colégio Arbitral em anular as multas aplicadas nos processos disciplinares que correram termos junto do Conselho de Disciplina sob as referências RHI n.º............./2017 e RHI n.º............./2017 em que a Demandante foi punida ao abrigo do disposto nos artigos 127.º e 187.º, n.º1, alíneas a) e b) do RD da LPFP; O segmento decisório que versa sobre a rejeição do pedido de isenção de custas apresentado pela ora Recorrente. 2. De acordo com os relatórios de jogo que estiveram na origem da instauração de processos sumários à Recorrida, os adeptos da equipa do ........................................: Em jogo no Estádio do ........... contra a equipa do ................. rebentaram um petardo; Em jogo no Estádio do ........... contra a equipa do ................., não respeitaram o minuto de silêncio, rebentaram 11 petardos, deflagraram fumos, acenderam flash lights e entoaram em coro a frase "filho da puta" aquando da marcação do pontapé de baliza pelo guarda-redes do .................; 3. Tal como consta dos relatórios de jogo cujo teor se encontra a fls. ... do processo arbitral, os Delegados da Liga são absolutamente claros ao afirmar que tais condutas foram perpetradas pelos adeptos do ........................................, sendo que em alguns casos é mesmo referido que o comportamento foi levado a cabo por elementos da claque do ....., ".....................". Ademais, os Delegados indicam a bancada onde tais adeptos se encontravam. 4. Nos termos do artigo 258.º, n.º1 do RD da LPFP, o processo sumário é instaurado tendo por base o relatório da equipa de arbitragem, das forças policiais ou dos delegados da Liga, ou ainda com base em auto por infração verificada em flagrante delito. Este é um processo propositadamente célere, em que a sanção, dentro dos limites regulamentares definidos, é aplicada no prazo-regra de apenas 5 dias (cfr. artigo 259.º do RD da LPFP) somente por análise do relatório de jogo (e, possivelmente, outros elementos aí referidos) que, como se sabe, tem presunção de veracidade do seu conteúdo (cfr. Artigo 13.º, al. f) do RD da LPFP). 5. Os Delegados da LPFP são designados para cada jogo com a clara função de relatarem todas as ocorrências relativas ao decurso do jogo, onde se incluem os comportamentos dos adeptos que possam originar responsabilidade para o respetivo clube. Assim, quando os Delegados da LPFP colocam no seu relatório que foram adeptos de determinada equipa que levaram a cabo determinados comportamentos, tal afirmação é necessariamente feita com base em factos reais, diretamente visionados pelos delegados no local. Até porque, caso os Delegados coloquem os seus relatórios factos que não correspondam à verdade, podem ser alvo de processo disciplinar. 6. Recorde-se, aliás, que esta forma de processo consta do Regulamento Disciplinar da LPFP, aprovado pelas próprias SAD's que disputam as competições profissionais em Portugal, entre elas a ora Recorrida. O RD da LPFP é aprovado em Assembleia Geral da LPFP, de que faz parte a Recorrida, assim como todos os outros clubes que integram as ligas profissionais. Em concreto, a Recorrida não se manifestou contra a aprovação das normas pelas quais foi punida em sede de Assembleia Geral tendo, pelo contrário, aprovado as mesmas decidindo conformar-se com elas. 7. Conforme é desde logo estipulado no artigo 172.º, n.º1 do RD da LPFP: "1. Os clubes são responsáveis pelas alterações da ordem e da disciplina provocadas pelos seus sócios ou simpatizantes nos complexos, recintos desportivos e áreas de competição, por ocasião de qualquer jogo oficial.", sendo certo que os deveres ligados à prevenção e combate da violência no desporto estão previstos na Constituição e na Lei e presentes nos regulamentos disciplinares das instâncias internacionais do futebol, a UEFA e a FIFA. 8. O Tribunal Arbitral entende que cabia ao Conselho de Disciplina fazer prova de um facto negativo, num total desrespeito pelas regras de repartição do ónus da prova. Diz, no entanto, em contraponto, que à Recorrida não era possível fazer prova de factos negativos (isto é, que não incumpriu com os deveres que sobre si impendiam ou que os espectadores não eram seus adeptos ou simpatizantes)... São estas contradições que se revelam inadmissíveis e devem levar à nulidade do acórdão arbitral. 9. Entendeu já o Supremo Tribunal Administrativo (por várias vezes, aliás) que "a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina «iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur»." Assim, o Relatório de Jogo é perfeitamente suficiente e adequado para punir a Recorrida nos casos concretos. 10. Ademais, há que ter em conta que no caso concreto existe uma presunção de veracidade do conteúdo do relatório do jogo. De acordo com o artigo 13.º, al. f) do RD da LPFP, um dos princípios fundamentais do procedimento disciplinar é o da "f) presunção de veracidade dos factos constantes das declarações e relatórios da equipa de arbitragem e do delegado da Liga, e por eles percecionados no exercício das suas funções, enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posta em causa". 11. Isto não significa que o Relatório de Jogo contenha uma verdade completamente incontestável: o que significa é que o conteúdo do Relatório, conjuntamente com a apreciação do julgador por via das regras da experiência comum, são prova suficiente para que o Conselho de Disciplina forme uma convicção acima de qualquer dúvida de que a Recorrida incumpriu os seus deveres. Para abalar essa convicção, cabia à Recorrida apresentar contraprova. Essa é uma regra absolutamente clara no nosso ordenamento jurídico, prevista desde logo no artigo 346.º do Código Civil. 12. Assim, cabia à Recorrida demonstrar, pelo menos, que cumpriu com todos os deveres que sobre si impendem, designadamente em sede de Recurso Hierárquico Impróprio apresentado em todos os processos, ou quanto muito em sede de ação arbitral. Mas a Recorrida nada fez, nada demonstrou, nada alegou, em nenhuma sede. 13. A Recorrida não coloca em causa a veracidade dos factos essenciais descritos nos Relatórios mas apenas coloca a dúvida sobre a autoria dessas condutas. No que diz respeito ao cumprimento ou incumprimento dos seus deveres, a Recorrida nada refere. 14. Por seu turno, o Colégio Arbitrai entende que cabia ao Conselho de Disciplina provar, pela negativa, que nenhum dos deveres havia sido cumprido pelo ......................................... O que, como se compreende, é impossível! 15. Esqueceu-se o Tribunal a quo que do conteúdo do Relatório de Jogo elaborado pelos Delegados da Liga, é possível extrair diretamente duas conclusões: (i) que o ........................................ incumpriu com os seus deveres, senão não tinham os objetos proibidos entrado nos respetivos estádios (violação do dever de vigilância) e não tinham os seus adeptos perpetrado condutas ilícitas (violação do dever de formação); (ii) que os adeptos que levaram a cabo tais comportamentos eram apoiantes do ........................................, o que se depreendeu por manifestações externas dos mesmos (única forma dos Delegados identificarem os espectadores, para além da bancada, que essa sim, foi indicada corno sendo afecta a adeptos da Recorrida). 16. Isto significa que para concluir que quem teve um comportamento incorreto foram adeptos da Recorrida e não adeptos do clube visitante (e muito menos de um clube alheio a estes dois, o que seria altamente inverosímil), o Conselho de Disciplina tem de fazer fé no relatório cios delegados, o qual tem presunção de veracidade, como vimos, bem como conjugar tal relatório com as regras da experiência comum. 17. Ora, entende o Colégio Arbitral que a indicação de que os comportamentos foram levados a cabo por adeptos do ......... ou pela claque dos ..................... é "demasiado abrangente" para poder servir de base à aplicação de uma sanção à Recorrida. É verosímil que se considere que elementos de outro clube fossem para "o meio" dos ..................... rebentar petardos e acender flash lights? É verosímil que os Delegados da Liga, que não estão colocados no meio de tal claque, consigam, em segundos, identificar o agente concreto da infração no meio de uma multidão de espectadores em euforia no decurso de um jogo de futebol? Quando nem sequer os agentes da autoridade o conseguem, na maioria das vezes, fazer? É evidente que o Tribunal a quo opera numa lógica de formalidade cega, levando a consequências perversas. 18. Tendo em consideração o facto de que o relatório de jogo é perentório a referir que os comportamentos descritos foram perpetrados por adeptos da...

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