Acórdão nº 813/14.6BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelANA CELESTE
Data da Resolução18 de Outubro de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO A Ordem dos Contabilistas Certificados, devidamente identificada nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, datada de 04/11/2016, que no âmbito da ação administrativa especial de impugnação de ato administrativo, instaurada por B...

, julgou a ação procedente e anulou a decisão disciplinar punitiva do Conselho Disciplinar da OTOC, datada de 06/01/2014, que determinou a suspensão para o exercício da atividade por um período de três anos.

* Formula a aqui Recorrente, Ordem dos Contabilistas Certificados nas respetivas alegações (cfr. fls. 207 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem: “A- O autor veio impugnar a decisão disciplinar punitiva do Conselho Disciplinar da OTOC, de 06/01/2014, adoptada no âmbito do processo disciplinar nº PD 28/07, que determinou a suspensão para o exercício da actividade por um período de 3 anos, considerando o estabelecido no Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, aprovado pelo DL 452/1999, de 05/11, antes das alterações introduzidas pelo DL 310/2009, de 26/10, e o disposto no Código Deontológico dos Técnicos Oficiais de Contas.

B- Foi entendimento do Tribunal a quo que o acto impugnado padece de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, sendo, por isso, anulável, pois que concluiu que o regime aplicável ao caso dos autos era o que decorria do Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 265/95, de 17 de Outubro e não o da versão publicada em 1999 (Decreto- Lei 452/99, de 5 de Novembro).

C- Em súmula, esteve em análise, qual dos diplomas legais seria aplicável ao respectivo procedimento disciplinar.

D- Os factos (assentes) que configuram o ilícito disciplinar iniciaram-se, é concreto, em Outubro de 1998, período em que vigorava o Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas, aprovado pelo Decreto- Lei 265/95 de 17 de Outubro.

E- Mas, assinale-se, por provados, prolongaram-se até 2001 data em que, reitera-se, já se encontrava em vigor o Estatuto da Ordem, na versão aprovada pelo Decreto- Lei 452/99, de 5 de Novembro e ao abrigo da qual veio o arguido a final a ser censurado disciplinarmente.

F- À data a que se reportam a participação e a instauração do procedimento disciplinar estava em vigor o Decreto-Lei nº 452/99, de 05 de Novembro, que aprovou o Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas.

G- Do mesmo modo, à data a que se reportam os factos objecto de censura criminal e disciplinar estava em vigor o Decreto-Lei nº 452/99, de 05 de Novembro.

H- A acrescer no âmbito do Acórdão disciplinar, foi dado como provado que "o arguido nunca pagou qualquer importância que fosse do que lhe foi imposto a título de indemnização, pelo que lhe foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão conforme decisão judicial proferida em 23 de setembro de 2008".

I- E, na própria sentença agora reclamada concluiu-se que não há diferenças de regime quanto à matéria da prescrição das penas, prescrição do procedimento disciplinar e à sua tramitação.

J- Do mesmo modo, julgou-se que tendo sido feita uma "valoração aceitável da situação em casu, improcede também a alegação do A. neste ponto, não merecendo censura a decisão adoptada quanto à pena aplicada".

(cfr. a fls. 48 da sentenç

  1. L- Qual o interesse em anular um acto se existe a certeza que, quer num regime, quer noutro regime normativo, que o Tribunal entendeu por sucessivos, a decisão de fundo seria exactamente a mesma? Os pressupostos de facto e de direito em que assentou o acto impugnado estão totalmente correctos, e por conseguinte não só é irrelevante, como errada, a interpretação da Mm.ª. Juiz, como sempre se imporia, inclusive, por razões de economia de actos públicos, o aproveitamento do acto impugnado.

    M- É indiferente que o diploma aplicável seja aquele que não previa a actuação negligente mas apenas a dolosa (art.º 30.º n.º 3 do DL 265/95 quando comparado com o art.º 66.º n.º 4 do DL 452/99,de 5 de Novembro), por ser mais favorável ao arguido, quando o quadro concreto de actuação do arguido foi objecto de elevadíssima censura criminal e disciplinar, consignando-se que tais factos foram dados como integralmente comprovados nos presentes autos.

    N- O Tribunal fez um errado enquadramento jurídico quanto à aplicação do direito na determinação substantiva e temporal que foi quanto ao normativo profissional então aplicável aos factos sob censura disciplinar.

    O- Considerando o hiato temporal em que foi balizada a infracção (com relevância criminal e disciplinar), a data da participação, a data da instauração do processo disciplinar e até mesmo a data da conduta omissiva do arguido na restituição da indeminização a que foi condenado e o resultado sanção que ao caso sempre caberia lugar, seriam sempre de aplicar as normas profissionais consignadas no Estatuto da Ordem, na versão do DL 452/99, de 5 de Novembro.

    P- Em todo o caso, qualquer que fosse a versão do Estatuto profissional ao caso aplicável, a pena disciplinar que sempre caberia ao caso, seria exactamente a mesma (suspensão para o exercício da actividade profissional por um período de 3 anos).

    Q-E, porque o quantum da pena não mereceu divergência do Tribunal, mas apenas o diploma aplicável, ainda que com normas idênticas, sempre dirá que a pena disciplinar aplicada ao autor de suspensão da actividade até 3 anos, constava do Estatuto da Ordem, em qualquer uma das suas versões, isto é, quer do Decreto-Lei 265/95, de 17 de Outubro, quer do Decreto-Lei 452/99, de 5 de Novembro.

    R- Inexistiram quaisquer inequívocas modificações de enquadramento jurídico incidentes sobre o modelo normativo transitado do período anterior, isto do DL 265/95, de 17 de Outubro para o DL 452/99, de 5 de Novembro.

    S- Ocorreu, pois, um errado enquadramento jurídico e aplicação do direito na determinação substantiva e temporal que foi feita pelo Tribunal quanto ao Estatuto profissional então aplicável aos factos sob apreciação disciplinar, se o da versão consignada no Decreto- Lei 265/95 de 17 de Outubro se, inversamente a versão decorrente da publicação do Decreto Lei 452/99, de 5 de Novembro.”.

    Pede que o recurso seja julgado procedente e, em consequência, a sentença recorrida revogada.

    * O ora Recorrido, notificado da admissão do recursão, apresentou contra-alegações, tendo assim concluído: “I - Apreciada a matéria de facto dada como assente, não se vislumbra qualquer sustentabilidade a fundamentação das alegações da Recorrente para ver alterada a d. decisão da meritíssima juiz do Tribunal à quo.

    II – O recorrente faz uma errada interpretação da douta sentença quando faz tábua rasa do acórdão…. transitado em julgado e que é perentório em considerar que o ora recorrido foi condenado por um único crime de burla agravado consumado em 1998. (cfr. decorre do facto C da matéria provada na douta sentenç

  2. III- Facto último corroborado pelo Registo Criminal do ora Recorrido. (cfr. decorre dos factos C e E da matéria provada na douta sentença) IV - Neste sentido o acórdão proferido pelo Tribunal Coletivo de Tomar tem autoridade de caso julgado junto do Processo disciplinar e perante os presentes autos. (cfr. decorre do facto C da matéria provada na douta sentença) V - É consabido que pela nossa jurisprudência e doutrina que o Direito disciplinar, sendo de cariz sancionatório, está sujeito ao controlo e espirito das garantias penais.

    VI- Estando em causa a aplicação da lei disciplinar no tempo, subjaz a aplicação e interpretação da lei penal no caso em apreço.

    V II- Neste sentido reza a lei penal que a sua sucessão legal na aplicação da pena só se aplica se for mais favorável ao arguido e se não for possível determinar o regime mais favorável deve então aplicar-se a lei vigente à data da consumação do crime.

    VIII - Ora, no caso em apreço sendo flagrante a consumação do crime em 1998, cfr. determina e o qualifica nesse sentido o acórdão de Tomar já transitado em julgado, não soçobram dúvidas de que a Lei a aplicar em sede de processo disciplinar é o Decreto de Lei n.º 265/95 de 17/10.

    IX- Não o tendo feito a recorrente, optando por fundamentar uma decisão à luz de uma Lei que à data dos factos não estava ainda em vigor, esteve muito bem o tribunal à quo em anular Acórdão da Recorrente, com base na verificação do vício de violação de Lei por erro sobre os pressupostos de direito.

    X- Neste ponto, convém atentar que na dogmática jurídico-administrativa, define-se tal vicio como sendo o vício que consiste na discrepância entre o conteúdo ou o objeto do ato administrativo e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis ou, dito de outra forma, o vicio que afeta o ato praticado em desconformidade com os requisitos legais vinculados respeitantes aos respetivos pressupostos ou objeto (cfr. neste sentido o Prof. Freitas do Amaral, in Lições de Direito Administrativo, III vol., pp. 303 e o Dr. Esteves de Oliveira, in Direito Administrativo, pp. 559 e segs.).

    XI- Na definição do Prof. Marcello Caetano, contida no seu Manual de Direito Administrativo, vol. I, pp. 501, a violação de lei é o vício de que enferma o ato administrativo cujo conteúdo, incluindo os respetivos pressupostos, contrarie as normas jurídicas com as quais se devia conformar, integrando tal vício quer o erro na interpretação ou indevida aplicação da regra de direito (erro de direito).

    XII- Donde resulta que o vício de violação de lei configura uma ilegalidade de natureza material, sendo a própria substância do ato administrativo que contraria a lei que deveria ter sido aplicada e que não foi no caso em apreço.

    XIII – E como consequência não soçobra dúvidas de que o acórdão proferido pela recorrente no seio do processo disciplinar instaurado por si contra o ora recorrido, enquanto ato administrativo está ferido de anulabilidade por inobservância de aplicação do Decreto de Lei n.º 265/95...

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