Acórdão nº 00343/08.5BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 07 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelM
Data da Resolução07 de Junho de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: RECORRENTE: M…, Lda.

RECORRIDO: Autoridade Tributária e Aduaneira OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pela MMª juiz do TAF do Porto que julgou improcedente a impugnação deduzida contra as liquidações adicionais de IRC relativas aos exercícios de 2004 e 2005 no valor de € 2.970.621,12 e 2.417.177,18, respetivamente.

CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES: III.1 - Quanto à dedutibilidade dos montantes constantes de facturas alegadamente falsas A nulidade da Sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto: A. A especificação feita pela Sentença da factualidade não provada nos autos é absolutamente inexistente: com a mera referência aos “factos alegados com que pretende a Impetrante fazer prova da materialidade das operações/transacções a que se reportam as facturas desconsideradas pela Administração fiscal e que estão na génese das liquidações impugnadas”, a Sentença não está a especificar facto nenhum – estando, bem pelo contrário, a recusar-se a fazer essa especificação e a explicar a valoração realizada na decisão. Em rigor, nem sequer ficamos a saber a que factos o Tribunal se refere. Uma das tarefas de que o decisor judicial está incumbido é a do saneamento do processo, no âmbito do qual se devem depurar da discussão quais os factos controvertidos. Não havendo, no processo de impugnação judicial, a autonomização dessa fase, terá o labor em causa de ser realizado na própria sentença. Ora, no nosso caso, nada disso aconteceu: estamos na mais absoluta penumbra quanto aos factos específicos e concretos que o Tribunal entendeu ser essencial a Impugnante demonstrar para que se cumprisse o seu ónus da prova.

B. No fundo, com esta falta de especificação, o que a Sentença acaba por dizer é que o facto que necessitava de ser provado era a veracidade das operações tituladas pelas facturas em crise. O que, por outro lado, faz com que a especificação dos factos seja igualmente inadmissível por ser meramente tautológica e conclusiva,uma vez que esse “facto”, dado como não provado, nunca poderá ser um verdadeiro facto, para efeitos da Sentença que deveria ter sido proferida no presente processo.Ele é uma mera conclusão, insusceptível de ser levada ao probatório, porque encerra em si mesma a própria sorte da lide.

C. Existe uma contradição ostensiva entre, por um lado, a complexidade e extensão da factualidade que foi carreada para o processo, designadamente pela ora Recorrente, e que esta incluiu expressamente na sua petição inicial, e, por outro, o desleixo com que a Sentença a tratou.

D. Na petição inicial e nas alegações finais, a Recorrente fez a descrição de um conjunto vasto de factos que, apreciados de modo interligado, teriam a susceptibilidade de ter implicado que aos constantes do Relatório de Inspecção (todos relativos a entidades terceiras, lembre-se) não pudesse ser atribuída, como o foi pela AT, a natureza de “indícios” de que as facturas contabilizadas pela M... não titulam transacções reais. Assim sendo, perante a relevância dos factos aduzidos, que têm a capacidade de refutar os alegados “indícios” da AT, deveria a Sentença recorrida ter-lhes feito uma referência e dedicado uma apreciação expressas.

E. Se o Tribunal deu por integralmente provados os factos do Relatório, e se os tratou como “indícios” suficientes, então teria necessariamente de fazer constar do rol da matéria não provada os factos que a M... defendeu serem idóneos à demonstração do contrário, de que aquela natureza indiciária seria de afastar, explicando, com suficiente rigor, o porquê de os não ter considerado credíveis. Se o Tribunal achou que a matéria em causa não resultou provada, devia tê-lo dito claramente, assim como deveria ter desenvolvido circunstanciadamente as razões pelas quais ficou com essa convicção. O que não poderia ter feito foi – como fez – ter, pura e simplesmente, excluído dos autos essa matéria controvertida, sem justificar o valor ou o desvalor que lhe atribuiu, logo no momento processual em que esse esforço era devido.

F. A falta de especificação dos fundamentos de facto é uma nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 668º do CPC, bem como no n.º 1 do artigo 125º do CPC, sendo que para efeitos deste último a falta de descriminação da matéria de facto não provada é equiparada à falta de indicação da matéria de facto provada.

G. Posto que a decisão da matéria de facto, nomeadamente quanto aos factos não provados, é insuficiente, nos termos sobreditos, ela acaba inexoravelmente por ser inadmissível também por resultar da ausência de exame crítico da prova – outro vício acerca do qual os Tribunais Superiores têm vindo a construir jurisprudência sólida.

H. Para além de excessivamente breve, a Sentença é nesta parte, em grande medida, inócua, podendo até dizer-se que em parte a “motivação” não revela, verdadeiramente, motivação alguma.

I. Por outro lado, todavia, o pouco que, do segmento em causa, se pode caracterizar, ainda que com dificuldade, como motivação da decisão da matéria de facto reduz-se a meras fórmulas vazias e genéricas, não podendo também ser considerada motivação suficiente.

J. Assim, deve concluir-se que o Tribunal, ao declarar quais os factos que julgou provados e os que entendeu não provados, não analisou criticamente uma parte grande e fundamental das provas ao seu dispor, nem especificou os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, conforme lhe é exigido pelos artigos 653º, 655º e 659º do CPC.

K. Por falta de especificação dos fundamentos de facto, a Sentença recorrida encontra-se ferida de nulidade, prevista no n.º 1 do artigo 125º do CPPT e na alínea b) do n.º 1 do artigo 668º do CPC, podendo ser anulada oficiosamente, ao abrigo do n.º 4 do artigo 712º do CPC.

O erro no julgamento da matéria de direito: L. O Tribunal recorrido faz uma interpretação errada das possibilidades de aplicação do artigo 23º do Código do IRC: a AT está obrigada a recolher indícios sérios de que entre o contribuinte inspeccionado e os seus fornecedores de serviços ou bens houve um conluio simulatório.

M. Para que o artigo 23º do Código do IRC se possa considerar correctamente aplicado, a AT deveria ter identificado, nas relações da Recorrente com os seus fornecedores, quer o intuito e o acordo simulatórios, quer o “animusnocendi” em desfavor do Estado.

N. No entanto, ao decidir como decidiu, a Sentença a quo sancionou a legalidade de actos de liquidação cuja fundamentação é, no tom e na natureza, simplesmente remissiva – não constituindo mais do que uma mera resenha de conclusões de outros Relatórios (como que um seu epílogo), relativos a outros sujeitos passivos, de cujo conteúdo completo a M... nunca teve conhecimento: a Sentença conformou-se com o facto de a AT não ter apresentado provas ou sequer indícios credíveis e circunstanciados do que aparentemente alega e que possam ser sustentadamente subsumidos ao conceito – a algum conceito – de simulação, limitando-se a expor o circuito comercial de determinadas mercadorias, a identificar a situação tributária irregular de alguns dos operadores que nele participam, a referir a alegada reiteração de um determinado tipo de fraude no sector em causa e a concluir, irresponsável e – diga-se – preguiçosamente, que toda e qualquer entidade envolvida nesse circuito faz parte de um conluio fraudulento.

O. De qualquer modo, ainda que todos aqueles supostos “indícios” se viessem a provar, daí não se poderia concluir pela inexistência de meios para celebrar com a Recorrente os negócios titulados nas facturas: nenhum desses indícios impede um operador de, obtendo as necessárias quantidades de mercadorias, munindo-se de um livro de facturas e abrindo uma conta bancária em nome do titular da factura, se deslocar às instalações de um outro revendedor, oferecer as mercadorias, acordar um preço e descontar o cheque usado como meio de pagamento (ou seja, não pode concluir-se, apenas por que se confirmam aqueles factos, que os fornecedores não estavam em condições de transaccionar as mercadorias).

P. DoAcórdão do TCA-Norte de 01/03/2007, proferido no processo n.º 00027/00, que a Sentença mobiliza, não resulta que a falsidade de facturas possa sempre ser retirada, para efeitos da definição da situação fiscal de um determinado contribuinte que as recebeu, com base na actuação concreta e nos termos gerais da actividade do emitente: só assim será se dos indícios extraídos da esfera dos emitentes resultar directamente a simulação das operações declaradas e a participação do receptor das facturas num conluio fraudulento.

Q. Enquanto no caso decidido pelo Acórdão do processo 00027/00 os indícios que dizem respeito ao emitente das facturas afectam directa e necessariamente a operação titulada pela factura desconsiderada pela AT (porque não é possível prestar serviços de “motoniveladora, pá carregadora, bulldozer D-5, giratória e retroescavadora” sem se possuir ou ter acesso a esses instrumentos), já quanto aos “indícios” mobilizados contra a M... nada disso acontece, porque se trata de considerações genéricas sobre os fornecedores (e, lembre-se, sobre os fornecedores desses fornecedores!) das quais não resulta com suficiente certeza (longe disso) a impossibilidade de as transacções declaradas terem ocorrido.

R. Assim, o Acórdão do TCA-Norte de 01/03/2007 não só não vem em auxílio da Administração fiscal, como, isso sim, vem, a contrario sensu, reforçar a posição da M..., refutando o pressuposto da Sentença segundo o qual a AT se pode bastar com factos exclusivamente relativos aos fornecedores, que nada têm que os ligue ao sujeito passivo inspeccionado nem muito menos especificamente às operações concretas desconsideradas.

S. A situação em apreço é decisivamente semelhante à que subjaz ao Acórdão do TCA-Norte de 06/03/2008, proferido no âmbito do processo n.º 00104/01: também nesse processo se tratou de averiguar a legalidade de liquidações adicionais de...

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