Acórdão nº 1119/15.9 BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 07 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução07 de Junho de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acórdão I – Relatório A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário Lisboa que julgou procedente a Impugnação Judicial que Paula .....

deduziu contra o acto de indeferimento da reclamação graciosa que apresentara face à liquidação de imposto de selo nº .....

, que lhe foi efectuada pelo Serviço de Finanças de ..... …, na sequência de escritura de justificação notarial de aquisição por usucapião de dois imóveis, interpôs o presente recurso.

Nas alegações apresentadas conclui nos seguintes termos: «A.

A decisão ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correcta interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis ao caso sub-judice.

B.

Não se conforma a Fazenda Pública com a douta decisão recorrida pelas razões que se seguem: C.

A questão que se coloca é a de saber se, para efeitos fiscais, a aquisição por usucapião é uma aquisição originária que só ocorre no momento em que o documento que a titula se torna definitivo.

D.

Salvo o devido respeito, a usucapião, uma vez invocada, determina a aquisição originária do direito correspondente à posse exercida, pelo que há que concluir que não estamos perante uma transmissão do direito anteriormente incidente sobre a coisa.

E.

A usucapião é uma forma de constituição de direitos reais e não uma forma de transmissão. Daí que os direitos que nela tenham a sua origem não sofrem em nada com os vícios de que pudessem eventualmente padecer os anteriores direitos sobre a mesma coisa.

F.

No caso sub judice, a invocação da doação verbal do imóvel usucapido na escritura de justificação notarial destina-se a estabelecer a data do início da posse em nome próprio, pacifica, continua e pública em que radica a aquisição por usucapião, nos termos do disposto nos art. 1287º e 1296º do CC.

G.

Considerando que a doação foi feita verbalmente, não se poderá invocar como fundamento do facto translativo da propriedade do imóvel a favor da impugnante, através da doação pelos pais da impugnante, porque este não ocorreu uma vez que a doação foi feita verbalmente e por conseguinte, por se tratar de um imóvel, a mesma não é válida por falta de forma, de harmonia com o disposto no nº1 do artº947º do CC.

H.

Deste modo, a invocação da usucapião determina a aquisição originária do direito correspondente à posse exercida, não existindo a transmissão do direito anteriormente incidente sobre a coisa.

I.

Nestes termos, a escritura de justificação notarial apenas permite estabelecer e reatar o trato sucessivo em sede de registo predial, como aquisição originária, nunca uma aquisição derivada, por que nem sequer existe escritura de doação J.

Assumindo as aquisições por usucapião um carácter originário, logo, nunca são verdadeiras transmissões, pois o usucapiente não sucede nos direitos dum qualquer titular do direito de propriedade sobre o bem adquirido por usucapião.

K.

Acresce, ainda que, a isenção do IS, prevista e regulada na al. e) do artº6º do CIS, contempla as transmissões gratuitas a favor de herdeiros legitimários, contudo, no caso e, análise, a transmissão gratuita do direito de propriedade sobre o imóvel resulta da sua aquisição por usucapião, que assenta no pressuposto de inexistência de um transmitente, pelo que entendemos que o caso em apreço não se enquadra no normativo de isenção.

L.

O enquadramento dos factos na al. e) do art.º 6º do CIS, representariam uma interpretação extensiva que a não é permitida no tocante às isenções, de acordo com o estabelecido no nº 2 do artº103º da CRP.

M.

Por outro lado, o legislador, na al. a) in fine, do nº3 do artº1º do CIS e na Verba 1.2 da TGIS, menciona a referência “incluindo a aquisição por usucapião”, não tendo feito tal menção na citada al. e) do art.6º, concluindo-se assim que teve a intenção de não abranger as isenções derivadas de aquisições por usucapião, com o escopo de evitar a fraude fiscal, para obstar à reiterada utilização dessa figura como meio de evasão à tributação do património.

N.

Pelo que não padece, a liquidação impugnada, de qualquer vício de violação de lei.

O.

Não ocorrendo qualquer vício de violação de lei, deixam, por conseguinte, de se verificar os fundamentos para a condenação da Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios.

P.

Face ao estatuído, deve a sentença recorrida ser substituída por acórdão que decida pela manutenção do acto impugnado.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, quanto à matéria aqui discutida.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA A Impugnante, ora Recorrida, notificada da admissão do recurso interposto, não apresentou contra-alegações.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal Central, a quem o processo foi com «Termo de Vista»para emissão de parecer, pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os «Vistos» dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir, submetendo-se, para esse efeito, os autos à conferência.

II - Objecto do recurso Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.

Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (artigo 635.°, n.°2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.°3 do mesmo artigo 635.°).

Pelo que, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, importa, assim, decidir se, face aos factos apurados, designadamente aos factos que foram vertidos no probatório e em que radica a aquisição do imóvel objecto de tributação, decidiu bem o Tribunal a quo ao julgar que a liquidação de que foi objecto é ilegal e, em conformidade, ao anular a mesma e ao condenar a Recorrente no pagamento de juros indemnizatórios.

III - Fundamentação de Facto A sentença recorrida deu como assente a factualidade que infra se reproduz:

  1. A Impugnante é filha de Elias ..... e Maria .....

    (cfr. fls. 17 dos autos).

  2. Em 30.01.2014, no Cartório Notarial de Carlos ....., a Impugnante outorgou a escritura pública de “Justificação”, constando da mesma, de entre o mais, o seguinte: (Texto no Original) (Texto no Original) (Texto no Original)(…)“(cfr. doc. de fls. 11 a 16 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); C) Com base na escritura pública mencionada na alínea antecedente, a Impugnante apresentou em 31.03.2014 a declaração Modelo 1 de Imposto do Selo para participação de transmissões gratuitas, com referência aos prédios urbanos identificados sob os artigos .....º e .....º da freguesia de União das Freguesias de .....

    (cfr. fls. 19 a 21 dos autos).

  3. Em 29.04.2014 foi emitida em nome da Impugnante a liquidação de imposto de selo com o nº....., no montante a pagar de 5.934,00€, correspondente à aplicação da taxa de 10% sobre o VPT dos prédios referidos na alínea antecedente (cfr. fls. 28 dos autos).

  4. Com referência à liquidação referida na alínea antecedente, a Impugnante efetuou o pagamento de 5.132,91€ em 24.07.2014, beneficiando do desconto de pronto pagamento no montante de 801,09€ (cfr. fls. 59 do PAT apenso aos autos).

  5. Notificada da liquidação referida em D), a Impugnante apresentou junto do Serviço de Finanças de ..... …, reclamação graciosa contra a mesma, invocando ser a transmissão isenta ao abrigo do artigo 6º, alínea e) do CISelo, tendo a reclamação sido instaurada sob o nº.....

    (cfr. fls. 1 a 7 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

  6. Em 24.09.2014 foi elaborada a seguinte informação por técnica do Serviço de Finanças de ..... …: “PROCESSO DE RECLAMAÇÃO GRACIOSA N.º.....

    IDENTIFICAÇÃO DO SUJEITO PASSIVO NOME: Paula ..... NIPC/NIF: .....

    SEDE/DOMICÍLIO: ..... - .....

    OBJECTO DA RECLAMAÇÃO: Anulação do montante de €5.934,00, correspondente à liquidação n.º..... proveniente de Imposto do Selo - verba 1.2 devido pela Justificação Notarial de Aquisição por Usucapião de prédios urbanos adiante melhor identificados, cujo prazo para pagamento voluntário terminou em 31-07-2014.

    INFORMAÇÃODO PEDIDO Vem a ora reclamante, em requerimento subscrito por Ana ..... (Advogada) com o nif. ....., na qualidade de mandatária, requerer a anulação da liquidação n.º..... no montante de €5.934,00 relativa a Imposto do Selo - verba 1.2, devida pela aquisição por usucapião dos prédios urbanos constituídos por "lote de terreno para construção urbana", sitos em ..... e Anexos e inscritos na matriz predial da União das Freguesias de ..... sob os artigos n.ºs ..... e ....., através de justificação notarial outorgada em 30-01-2014 no Cartório Notarial de Carlos ......

    A Reclamante baseia o seu pedido no facto de considerar que "no caso em apreço, em que adquiriu dois imóveis por usucapião, titulados por escritura notarial, na qual foi invocada a posse derivada de anterior doação verbal de bens pertencentes aos seus progenitores afigura-se dever ser...

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