Acórdão nº 00420/14.3BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelAna Patroc
Data da Resolução30 de Outubro de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório M...

, contribuinte nº 1…, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 7 de Abril de 2014, que julgou improcedente a reclamação apresentada contra a penhora efectuada pelo Serviço de Finanças de Gondomar 2 que incidiu sobre pensão por si auferida.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso com as conclusões que se reproduzem de seguida: A. Com o conteúdo da sobredita sentença que julga improcedente a reclamação dos actos do órgão de execução fiscal não se conforma, nem pode conformar, a Recorrente, porquanto alega e demonstra aquela que a pensão que aufere é impenhorável (até ao limite de 2/3), pois que sobre aquela incide já penhora anterior.

  1. A pensão de reforma auferida pela Executada é um direito que integra o seu património e, como tal, consubstancia garantia geral das obrigações, conforme o preceitua o artigo 610º do Código Civil; e o artigo 227º do Código de Procedimento e Processo Tributário prevê e rege a penhora de abonos e vencimentos.

  2. Sucede que tal penhora tem limites, que são os previstos no artigo 738º do Código de Processo Civil, que corresponde, ainda que com algumas alterações, à norma contida no artigo 824º do diploma vetusto.

  3. Essencialmente, consagra a lei a impenhorabilidade da parte correspondente a dois terços da parte líquida dos vencimentos, até ao limite de três salários mínimos nacionais à data da apreensão.

  4. Ou seja, se porventura um executado tiver um rendimento mensal no valor, líquido, de Eur 6.000,00, o que relevará para efeitos de impenhorabilidade não são os dois terços - que seriam Eur 4.000,00 - mas sim o valor correspondente a três salários mínimos nacionais, Eur 1.455,00, sendo todo o remanescente susceptível de penhora.

  5. Conforme ficou devidamente sedimentado na douta decisão recorrida, sobre um terço da pensão de reforma auferida pela executada impende já penhora - anterior à ordenada no âmbito da execução fiscal em apreço - à ordem do processo que, sob o n.º 27667/11.4YYSLB, corre termos pela 1.ª Secção do 2.º Juízo de Execução de Lisboa.

  6. Ora, considerando que a Executada aufere uma pensão de reforma no valor anual ilíquido de Eur 27.222,72 - conforme ficou também sedimentado no procedimento - o que corresponde a um valor bruto mensal, considerando catorze meses, de Eur 1.944,48, temos que - mesmo considerando o valor bruto - o valor equivalente a dois terços é inferior a três salários mínimos nacionais.

  7. Donde, o valor que releva para efeitos de determinação do critério de impenhorabilidade do activo em crise é o equivalente a dois terços da parte líquida.

    I. Nesta conformidade, e porque a parte penhorável da pensão da Executada estava já afecta ao processo executivo cível supra melhor identificado, a efectivação de nova penhora do mesmo activo configuraria uma clara violação do enquadramento legal que se vem de expor.

  8. Começa a página 9 do decisório por asseverar que “Assim, no que se refere à impenhorabilidade da pensão invocada pela reclamante, verifica-se que a reclamante alegou que sobre a pensão em causa, já incidia uma penhora na proporção de um terço do seu montante.”, prosseguindo o decisório - e, salvo o devido respeito, mal - dizendo que “Diga-se, porém, que não resultou provado que esteja a ser efectivamente realizada pela Segurança Social o depósito de 1/3 do montante de pensão auferida pela reclamante, mas sim, que foi notificada da penhora de 1/3 do montante de pensão auferida - podendo até a reclamante ter deduzido oposição.” K. Aqui, falha o aresto recorrido ao confundir duas realidades: a concretização da penhora, que é um acto jurisdicional, e o cumprimento da injunção dele decorrente, que é uma obrigação, com génese naquele acto jurisdicional mas que com ele não se confunde, que impende sobre a entidade pagadora e subsiste até à verificação de novo acto jurisdicional que determine a sua alteração ou cessação.

    L. Mais, prevê a lei, expressamente, as consequências que para a entidade pagadora decorrem do incumprimento da obrigação cominada.

  9. Consagra o artigo 227º do Código do Procedimento e de Processo Tributário o modo de concretização da penhora de abonos em execução fiscal, e o artigo 779º do Código de Processo Civil a efectivação de tal acto em sede de execução cível.

  10. Numa e noutra jurisdições, a penhora, enquanto acto jurisdicional concretiza-se, verifica-se na ordem jurídica, pela notificação à entidade pagadora para proceder em conformidade com o mais que vem previsto nas mesmas normas.

  11. As posteriores entregas da parte penhorada do rendimento configuram já não a concretização da penhora da pensão de reforma - esta foi já penhorada por meio da notificação que as precede - mas sim puros actos de execução da mesma, em cumprimento de obrigação legal e sob as cominações (aliás severas) que a lei adjectiva prevê.

  12. Donde, carece de qualquer sentido e fundamento o que vem seguidamente asseverado no douto aresto recorrido, que sustenta que “...não resultou provado de que efectivamente a Segurança Social tenha depositado qualquer montante no seguimento da penhora efectuado em causa nos presentes autos” (sic), para depois concluir, também mal, que “Assim sendo, não se mostra, em concreto, que a penhora incida sobre parte da pensão impenhorável.” Q. Como é bom de ver, não é nesta sede - a da execução fiscal - que cumpre sindicar do cumprimento, ou não, pela entidade pagadora da pensão de reforma da executada da obrigação que para si emerge da concretização da penhora de 1/3 da pensão de reforma à ordem da identificada execução cível.

  13. Que incide penhora sobre parte da pensão auferida, não há dúvidas.

  14. A questão de saber se a entidade pagadora cumpre com os depósitos é uma questão que se atém, exclusivamente, ao processo à ordem do qual foi ordenada a penhora e àqueles que aí intervêm.

  15. Remata ainda, de forma surpreendente, o insigne Tribunal Recorrido a fundamentação que perfilha para julgar improcedente a reclamação aduzida com uma construção nos seguintes termos: “Aliás, caberá à entidade pagadora aferir se a penhora da pensão, excede ou não os limites considerados no artigo 738º do CPC, pois nos termos do artigo 779°, nº 1 do mesmo Código, é sobre a entidade que procede ao pagamento da pensão que impende a obrigação de proceder ao depósito da quantia devida do desconto correspondente ao crédito penhorado.” U. Não cabe; quando muito, poderá - e deverá - a entidade pagadora informar o ente jurisdicional que determina a penhora do valor da pensão de reforma ou de precedência de qualquer outro acto de apreensão da mesma.

    V. Mas decisão quanto à amplitude da penhora e a salvaguarda da sua conformação com os limites legais, seja por impulso do Executado, seja da entidade pagadora, configuram, sempre, a prática de um acto jurisdicional; isto é, suscitada a questão, é ao órgão executivo que cabe decidir.

  16. É ostensivamente contra legem configurar que recaia sobre a entidade pagadora o ónus de determinar, ou tutelar como pretende o decisório recorrido, o âmbito da penhora, esta entidade tem - tão-só e apenas - de proceder em conformidade com o que lhe é, concretamente, ordenado por quem tem poder jurisdicional.

    X. Por todas estas razões não poderia o Insigne Tribunal Recorrido ter decidido como decidiu, pois que existe uma penhora anterior - ordenada e notificada - à ordem de execução cível.

  17. Não cabe a sindicância, na execução fiscal no âmbito da qual vem o presente recurso interposto, do cumprimento, ou incumprimento, pela entidade pagadora, da obrigação para si emergente da referida penhora; e - de modo algum - impende sobre a entidade pagadora o ónus de tutelar a legalidade da penhora, seja na execução cível, seja na execução fiscal.

  18. O que se exige - e o que resulta da lei - é que o Tribunal decida, confirme, que é impenhorável o valor correspondente a dois terços do valor líquido auferido pela executada a título de pensão de reforma, restando à entidade pagadora proceder em conformidade com tal decisão.

    AA. O que, de modo algum, pode sobrestar é uma decisão como a recorrida, que potencia a efectivação de uma penhora ostensivamente ilegal e “ficciona” à Segurança Social um - inexistente - poder de determinar o alcance de penhora.

    AB. Por tudo, deverá ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que julgue procedente a reclamação dos actos do órgão de execução fiscal, com o imediato levantamento da penhora da pensão da Recorrente, em função da patente ilegalidade de que tal penhora enferma.

    NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO QUE V.s Ex.ªS MUITO DOUTAMENTE SUPRIRÃO: Deve ser, por Vª.s Exª.s, dado provimento ao presente recurso, revogando-se a mui douta sentença recorrida e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT