Acórdão nº 02325/12.3BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 05 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução05 de Dezembro de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1 – RELATÓRIO.

MPFV e outro, melhor identificados nos autos, inconformados, interpuseram recurso jurisdicional da decisão do TAF do Porto, proferida em 08 de janeiro de 2014, que julgou improcedente a ação administrativa especial de pretensão conexa com atos administrativos intentada contra o MUNICÍPIO DO P...

e em consequência, manteve a decisão emanada pelo Senhor Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade da Câmara Municipal do P... em 27.07.2012, que indeferiu o pedido de licenciamento de obras de ampliação e alteração por aqueles apresentado nos competentes serviços do réu.

*OS RECORRENTES apresentaram alegações e formularam as seguintes CONCLUSÕES que aqui se enunciam: «I – Da matéria de facto 1 – Dado que os Autores alegaram, nos artºs. 2º a 4º da pi, que tiveram necessidade de um terceiro quarto, e construíram junto da parede posterior da habitação uma sala com 24 m2, passando a sala original a quarto, e, ainda, um anexo ao fundo do mesmo terraço, factos não contestados pelo Réu, deveria ter sido dado como provado que “As obras em causa foram efetuadas em 1983”.

II – Da propriedade do terraço dos autores 2 - Aquando da constituição da propriedade horizontal, em 27.05.1980 vigorava a redacção original do Código Civil de 1966, antes da atualmente vigente dada pelo DL n.º 267/94, de 25/10, que entrou em vigor no dia 1/1/1995.

3 - Os terraços ali previstos reportam-se aos terraços de cobertura e não aos terraços intermédios - acórdão do STJ de 8/4/1997, proferido no processo n.º 96A756, publicado na CJ – STJ -, ano V, tomo II, pág. 34, no BMJ n.º 466, pág. 513 e em www.dgsi.pt.; Ac. do STJ de 31.05.2012, procº 678/10.7TVLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt, no qual se referem o Ac. proferido nos autos de apelação nº 10531/05.0TBCSC.L1.S1 (Des. Maria José Simões), de 15/12/2009, in www.dgsi.pt. e acórdão deste STJ proferido nos autos de revista 2899/00 (Cons. Araújo Barros), de 16-11-2000.

4 - É este também o entendimento dos Professores Pires de Lima e Antunes Varela ao defenderem, no seu Código Civil anotado, vol. III, 2.ª edição revista e actualizada, pág. 422, a propósito daquele preceito, e do Professor Oliveira Ascensão.

5 - O terraço aqui em causa não se carateriza como “terraço de cobertura” para efeitos do disposto no citado art.º 1421.º, n.º 1, al. b), onde não é susceptível de ser integrado, desde logo, por não integrar a estrutura do prédio, não se situar ao nível do último pavimento, nem revestir interesse colectivo, por não ser objectivamente necessário ao uso comum do prédio, ainda que possa servir de telhado de uma fração situada na sua parte inferior.

6 - Por conseguinte, tal terraço jamais poderia ser qualificado como parte comum ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do citado art.º 1421.º na redação anterior ao DL n.º 267/94, de 25/10, lei em vigor aquando da constituição da propriedade horizontal.

7 - Quanto à qualificação ao abrigo do n.º 2, alínea e) do mesmo artigo, os Professores Pires de Lima e Antunes Varela realçam que a afetação a que ali se alude é “uma afetação material - uma destinação objectiva - existente à data da constituição do condomínio”. E explicam exemplificando: “Se, por exemplo - determinado logradouro só tem acesso através de uma das frações autónomas … deve entender-se que pertence a essa fração”, mesmo que tal afetação não conste do título constitutivo.

8 - Este entendimento é também defendido pelo Professor Henrique Mesquita ao afirmar que, para se infirmar a presunção estabelecida no n.º 2 do citado art.º 1421.º, basta só ter acesso a um dos locais ou partes nele referidos, o condómino cuja fração possibilita tal acesso, o qual ficará, assim, a ter propriedade exclusiva sobre o mesmo (cfr. A Propriedade Horizontal no Código Civil Português, in Rev. Dit. Est. Socis, ano XXIII, n.ºs 1 a 4, pág. 109, nota 76).

9 - Nesta mesma linha se situa o Acórdão do STJ de 17/6/1993, publicado na CJ – STJ -, ano I, tomo II, pág. 159.

10 - No caso em análise, o terraço não só está exclusiva e objetivamente afeto à fração do requerente, como tal afetação consta do título, sendo descrito como fazendo parte integrante da descrição daquela fração em observância ao art.º 1418.º do Código Civil, na redação então vigente.

Por isso, também por esta via, o terraço em causa jamais pode ser considerado parte comum do prédio.

11 - Não pode aplicar-se ao caso a actual redação da alínea b) do n.º 1 do citado art.º 1421.º, dada pelo já aludido DL n.º 267/94, em virtude do princípio da não retroatividade da lei; a lei só dispõe para o futuro e, mesmo que lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que são respeitados os efeitos jurídicos já produzidos, tal como dispõe o n.º 1 do art.º 12.º do Código Civil.

12 - Com a afetação da parte em apreço ao uso exclusivo de determinado condómino, ficaram definitivamente fixados o conteúdo e os efeitos do direito de propriedade daquele condómino sobre essa mesma parte, pelo que cai fora da alçada do n.º 2 do citado art.º 12.º, não podendo, por conseguinte, aplicar-se a LN (cfr. Professor Baptista Machado, Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil, páginas 98 e seguintes).

13 - A entender-se doutro modo, a nova versão da referida alínea b) não estaria a dispor sobre o conteúdo do direito de propriedade do requerente sobre o terraço em causa, mas pura e simplesmente, a prescrever, retroativamente, a sua eliminação, o que é, manifestamente, ilegal e contrário às mais elementares regras do direito. Neste sentido: entre outros, o citado acórdão do STJ de 8/4/1997 e os acórdãos da Relação do Porto de 6/12/2010, proferido no processo n.º 483/06.5TBETR.P1, e de 23/02/2012, proferido no processo nº. 24383/03.1TJPRT.P1, disponíveis em www.dgsi.pt.

III – Da classificação das obras realizadas pelos autores III-A – Na hipótese de se respeitar o título de constituição da propriedade horizontal, em que o terraço pertence, exclusivamente, à fração dos autores 14 - Não foi alegado nem demonstrado pelo Réu que as obras realizadas pelos autores, se enquadrassem na previsão do artº 1422, nº2, al. a) do CC.

15 - As obras dos autos situam-se nas traseiras do edifício, sem qualquer visibilidade para a via pública, não afectaram os muros de vedação (com vários metros de altura) pelo que são inovações que não modificam a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício, 16 - Não estando em causa a alteração da linha arquitetónica e/ou o arranjo estético do edifício, não é necessário o consentimento dos restantes condóminos.

17 - Ainda que assim não se entenda, o que por mero exercício de hermenêutica jurídica se consente, por força do disposto no artº 1422º, nº 3, as obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético podem ser realizadas se para tal se obtiver autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio.

III-B – Na hipótese de se manter o raciocínio da sentença recorrida, de que o terraço dos autores é parte comum 18 - Se se entender, como decidiu o acórdão de que se recorre, que o terraço onde foram edificadas as obras é parte comum, constituindo as obras em causa meras inovações, ainda assim, os autores apenas necessitam da aprovação da maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, conforme dispõe o art. 1425, nº1.

19 - “No conceito de inovação, que corresponde ao pensamento na nossa disposição legal, cabem tanto as alterações introduzidas na substância ou forma da coisa, como as modificações estabelecidas na sua afectação ou destino (cfr., especialmente, nº 1) (…) O artigo 1425º proíbe apenas as inovações que possam prejudicar qualquer dos condóminos na utilização, quer das coisas próprias, quer das comuns”. (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed, pp. 434 e 435; No mesmo sentido, Aragão Seia, Propriedade Horizontal, 2ª ed, pág. 139). O Réu nunca alegou, nem sequer no PA, que as obras prejudicassem qualquer dos condóminos na utilização quer das coisas próprias, quer das coisas comuns.

20 - Atenta a natureza das obras realizadas pelos autores, e sempre dentro do raciocínio de que foram edificadas em parte comum, não podem deixar de ser legalmente qualificadas como inovações, independentemente de alterarem a linha arquitectónica, de aumentarem o volume da construção e a área da fracção autónoma – vide Ac. STJ de 01.06.2010, procº 95/2000.L2.S1, in www.dgsi.pt.

IV – Da modificação do título constitutivo da propriedade horizontal 21 - A questão da modificação do título constitutivo da propriedade horizontal, nesta sede, não se coloca, pois o que está em causa é o licenciamento pela entidade que tem competência para tal, de acordo com as boas regras de construção/urbanização.

22 - Em preceito legal algum consta que obras de inovação em partes comuns do edifício, ou na fração autónoma própria, sejam levadas, obrigatoriamente, ao título constitutivo da propriedade horizontal através da sua modificação. A lei prevê tal possibilidade mas não obrigatoriedade.

23 - As obras que tendo alterado a volumetria do prédio, ainda que modifique o arranjo estético do edifício por lhe ter alterado o aspecto visual, necessita da aprovação pela assembleia de condóminos, por maioria de dois terços (cfr. art. 1422º, nº 3 do Cód. Civil) – Ac. STJ de 27.02.2003, procº 03B2567; Ac. STJ de 08.04.1997, procº 96A756; STJ de 31.05.2012, procº 678/10.7TVLSB.L1.S1; STJ de 01.06.2010, procº 95/2000.L2.S1, todos em www.dgsi.pt, entre muitíssimos outros quer do STJ quer dos Tribunais da Relação.

24 - O acórdão de que se recorre incorreu em erro de julgamento, tendo violado o disposto nos artºs 12º, nº 2, 1422º e 1425º, todos do CC.”.

Terminam requerendo a revogação da sentença e que seja proferida decisão que anule o ato impugnado, condenando-se o réu a prosseguir o processo de licenciamento.

*O RECORRIDO, Município do P..., apresentou contra...

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