Acórdão nº 00046/13.9BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 05 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelLu
Data da Resolução05 de Dezembro de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: Ministério da Saúde, interpõe recurso jurisdicional (operada convolação) de acórdão do TAF do Aveiro, que julgou procedente acção administrativa especial intentada por AOD (R. …), para impugnação de pena disciplinar.

O recorrente discorda do decidido, oferecendo em recurso as seguintes conclusões: I. O Despacho Saneador-Sentença incorreu num patente erro de julgamento e, contrariamente ao sentido decisório objeto desta reclamação, as invocadas faltas de audiência prévia do arguido, geradoras de anulabilidade, não se verificam.

  1. Impõe-se, assim, a reclamação para a conferência relativamente ao Despacho Saneador-Sentença, III. Efetivamente, colhe o entendimento de que das decisões proferidas por juiz singular que devam ser apreciadas por tribunal coletivo há sempre, e apenas, reclamação para a conferência e nunca recurso.

  2. Caso prevaleça o entendimento de que da decisão reclamada cabia recurso jurisdicional e não reclamação, deve a presente ser convolada em recurso jurisdicional, nos termos do art.º 199.°, n.° 1 do CPC.

  3. Improcedem as invocadas "causas de ilegalidades invocadas pelo Autor ao ato impugnado" por invocadas "faltas de audiência prévia geradores de anulabilidade", na medida em que o Estatuto Disciplinar cria um regime especial no qual o legislador não acolheu essas formalidades.

  4. É certo que o direito de audiência do arguido é protegido constitucionalmente.

  5. Mas labora em erro de julgamento a decisão reclamada ao perfilhar o entendimento de que o cumprimento do princípio de audiência prévia dos interessados é igualmente obrigatório em sede disciplinar, devendo a Administração ouvir o arguido, após a apresentação da defesa escrita deste, sobre a proposta de decisão final constante do relatório final.

  6. Há que ter em conta que o procedimento disciplinar é autónomo e independente do processo penal e dispõe dum regime especial consagrado no Estatuto Disciplinar.

  7. Esse regime especial tem normas próprias e específicas, quer quanto à marcha do procedimento, quer quanto à audição e defesa do arguido.

  8. No âmbito do procedimento disciplinar, a audiência prévia do arguido encontra-se concretizada nas disposições legais que constam da "Fase de defesa do arguido", que lhe dão uma ampla faculdade de intervenção ao longo da instrução do processo.

  9. Pelo que, não era obrigatório, que sob a invocação do artigo 100.° do CPA, o arguido fosse ouvido novamente, enxertando no regime especial de defesa do arguido em processo disciplinar, normas do regime geral.

  10. O Estatuto Disciplinar institui um regime especial no qual o legislador fixou normas próprias para a defesa do arguido dentro do procedimento disciplinar, que são aquelas e não outras que as dupliquem.

  11. Em virtude do processo disciplinar ter regras próprias relativas à audiência do arguido, não se justifica a repetição dessa audiência para cumprimento do artigo 100.

    0 do CPA.

  12. A jurisprudência tem considerado que o artigo 100.° do CPA é uma "norma geral desatendível" quando exista uma norma especial que desempenhe uma função idêntica e preveja o mesmo resultado "dentro dum procedimento administrativo especial como é o procedimento disciplinar." XV. E é desatendível porque se aplica ao processo administrativo geral, quando em processo disciplinar o processo de audiência dos interessados está organizado de forma especial.

  13. A fase de audiência e defesa do arguido está estruturada em moldes próprios e específicos nos artigos 49.

    0 a 53.

    0 do Estatuto Disciplinar, com um âmbito mais amplo e abrangente, face à audiência prévia dos interessados prevista nos artigos 100.º e ss. do CPA.

  14. Donde, não tinha o arguido que ser ouvido no procedimento disciplinar em causa para cumprir a norma geral do art." 100.° do CPA, após a apresentação da sua defesa escrita.

  15. Pelo que improcede a invocada falta de audiência prévia do arguido geradora de anulabilidade do ato punitivo.

  16. Labora igualmente em erro a decisão reclamada por perfilhar o entendimento de que o arguido deveria ter sido ouvido sobre o relatório pericial de informática, perícia por si requerida na fase da defesa, após a apresentação da sua defesa escrita, para cumprir uma formalidade essencial.

  17. Todavia, não existiu omissão de formalidade essencial neste caso.

  18. Na verdade, o arguido foi ouvido sobre os artigos da acusação e apresentou a sua defesa escrita.

  19. Foram igualmente praticadas todas as diligências requeridas pelo arguido com vista à descoberta da verdade.

  20. O Estatuto Disciplinar determina, nos termos dos artigos conjugados 51°, n.° 9 e 54º, n.° 1, que, finda a defesa do arguido, o instrutor elabora de imediato o relatório final.

  21. E, seguidamente, a entidade competente para decidir, decidiu, cumprindo o disposto nos artigos 55.

    0 e 56.° do Estatuto Disciplinar.

  22. Entre a fase da defesa e a decisão não surgiram factos novos não constantes da acusação, sobre os quais o arguido não fora ouvido.

  23. O conteúdo do relatório pericial de informática revelou-se inócuo para o arguido, sem qualquer influência na decisão.

  24. Apenas foram levados aos relatório final e, consequentemente, à decisão, os factos contantes sobre a matéria nos artigos 17.

    0 e 18.º da acusação, sobre os quais o arguido se pronunciou na defesa.

  25. Donde, não tinha o arguido que ser ouvido novamente, e após a apresentação da sua defesa escrita, sobre os factos constantes da acusação.

  26. Pelo que improcede a invocada falta de audiência do arguido após a apresentação da defesa escrita, geradora de anulabilidade do ato punitivo.

    O recorrido contra-alegou, concluindo: 1. O Recorrido não foi notificado do Relatório Pericial de informática, diligência probatória requerida no processo pelo próprio Recorrido; 2. Nos termos dos arts. art. 269.º, n.º3, 32.º, n.ºs 5 e 10, da CRP, era assegurado ao Recorrido o direito de se pronunciar sobre todo e qualquer material probatório levado ao processo disciplinar, havendo que facultar-lhe para o efeito prazo razoável antes da decisão punitiva; 3. Andou bem a douta Decisão Reclamada ao, em atenção o disposto no artigo 32º, n.ºs 3 e 10 e artigo 18º, da CRP, declarar que a falta desta notificação constitui omissão de formalidade essencial a uma defesa adequada, a qual integra a nulidade insuprível prevista na segunda parte do n.º 1 do artigo 37.º do E.D.

    1. Por consequência, a falta da notificação gerou a anulabilidade do acto final decisório do Recorrente, nos termos do art. 135.º do CPA; 5. Procedeu bem o Recorrente ao recorrer às doutas palavras do Acórdão do STA de 8 de Julho de 2009, segundo as quais “o regime estabelecido nos artigos (...) (49.º a 53.º) do ED relativo à audição e defesa do arguido em processo disciplinar, corresponde ao regime geral dos arts. 100.º e 101.º do CPA, pelo que, tendo o arguido sido notificado da realização de todas diligências mostra-se cumprido o dever de audiência”; 6. Sem embargo, não foi realizada a notificação do resultado Relatório Pericial ao Recorrido, não sendo, por consequência, realizadas todas as diligências, pelo que não se mostrou cumprido o dever de audiência daquele; 7. A falta de notificação de interessados conhecidos no procedimento traduz a mais flagrante violação do direito de audiência; 8. A evolução recente do direito disciplinar entre nós, designadamente a partir do texto constitucional de 76, conferiu ao princípio da audiência e defesa do arguido dignidade e protecção de direito fundamental, “culminando o movimento já antes iniciado de “jurisdicionalização” do processo disciplinar” (in CJA, n.º8, Março/Abril, 1998, pág. 6); 9. Segundo RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA (in CPA Anotado, pág. 450), “Nos processos disciplinares, seja por via da consideração do direito substantivo de que a audiência é instrumento (o direito de manter o vínculo de emprego público) seja por via da própria natureza do processo e do tipo de sanção cominada – também se chegará à mesma conclusão: sem audiência do arguido, é nula a decisão final, por violação de uma garantia fundamental que, para estes procedimentos, está consagrada no n.º3 do art. 269.º da Constituição, segundo o qual “em processo disciplinar são garantidas ao arguido a sua audiência e defesa” – garantia que, no entender de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, deveria ser extensiva a todos os procedimentos administrativos sancionatórios...”; 10. Nos termos do art. 37.º, n.º1, do E.D., “É insuprível a nulidade resultante da falta de audiência do arguido em artigos de acusação nos quais as infracções sejam suficientemente individualizadas e referidas aos correspondentes preceitos legais, bem como a que resulte de omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade”; 11. Por consequência, o desrespeito crasso por este direito de audiência e de defesa em processo disciplinar, na função pública, que constitui garantia fundamental dos arguidos, como o proclama o art. 269.º, n.º3, da CRP, gera a sua violação, desembocando na anulabilidade do acto final decisório que aplicou a multa ao A., por ofensa desse direito fundamental – cfr. art. 135.º do CPA, e art. 37.º, n.º1, do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local; 12. Por tudo isto, andou bem a douta Decisão Reclamada ao anular o acto decisório do Recorrente, por violação do disposto nos arts. 269.º, n.º3, 32.º, n.ºs 1, 3, 10, ex vi art. 18.º, todos da CRP, e 100.º e ss. do CPA.

      *O Mº Pº, na pessoa da Exmª Procuradora-Geral Adjunta, sufragando “in totum” do que foram razões da sentença, emitiu parecer de não provimento do recurso.

      *Dispensando vistos, cumpre decidir.

      *As questões em recurso: i) impõe-se, ou não, em processo disciplinar projecto de decisão, com vista a assegurar audiência dos interessados; ii) impõe-se, ou não, em processo disciplinar a notificação do relatório pericial ao arguido.

      *Os factos, que o tribunal a quo deu como provados:

      1. Em 10.02.2011, ao Autor foi...

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